A agricultura intensiva e a necessidade de alimentar a população mundial
O cultivo de sementes que se transformam em plantas, processo a que damos o nome de agricultura, começou há milhares de anos e desde então que tem vindo a fortalecer as suas raízes em saciar as nossas necessidades alimentares quotidianas.
Apelidado de “Revolução Neolítica”, o desenvolvimento da agricultura desencadeou vários progressos, nomeadamente na forma como a sociedade se organizava. O estilo de vida nómada levado pelos caçadores-coletores foi abandonado a favor do sedentarismo, que trouxe consigo vantagens como a fixação dos indivíduos num dado local e o fornecimento de excedente de alimentos para consumir ou armazenar.
A agricultura permitiu, assim, o crescimento das civilizações, fazendo a população disparar para cerca de 5 milhões de pessoas há 10 000 anos e para mais de 7 mil milhões atualmente.
O que é a agricultura intensiva?
A agricultura intensiva teve origem nas antigas civilizações como o Egito, a Mesopotâmia (atual Iraque e Síria), a Índia, o Paquistão, o Norte da China, a Mesoamérica e o Oeste da América do Sul, com a criação de sistemas de gestão de água e a domesticação de animais de grande porte, que tinham capacidade para puxar arados. Nos anos mais recentes e especialmente com o fenómeno da industrialização, a agricultura intensiva passou a ser caracterizada por uma variedade de outras práticas, tais como o pastoreio rotativo, as operações concentradas de alimentação animal, a utilização de fertilizantes e pesticidas, entre outras.
Ao contrário da agricultura tradicional, o foco da agricultura intensiva é maximizar a produtividade das colheitas de plantas e/ou a criação de animais por unidade de terra. É denominada “intensiva” porque concentra níveis de tecnologia elevados, maquinaria, sementes, animais e inputs de apoio, como água e produtos químicos (fertilizantes, pesticidas e herbicidas). De modo a maximizar os rendimentos das colheitas, este tipo de agricultura utiliza a técnica da monocultura, maquinaria pesada, grande quantidade de produtos químicos e irrigação abundante em substituição do trabalho humano. Aliada à agricultura intensiva está, muitas vezes, a pecuária, havendo a combinação das duas atividades, resultando a agropecuária. A fim de maximizar a produção de carne e lacticínios, o bem-estar animal é muitas vezes desconsiderado, ocorrendo confinamento extremo entre os próprios animais, crescimento hormonal acelerado e reprodução forçada por inseminação artificial.
Exemplos de práticas de agricultura intensiva
O pastoreio rotativo é um tipo de intensificação de pastagens que envolve a divisão das áreas de pastagem em porções menores. Os animais de criação são alternados pelas diferentes porções, um a um, permitindo que aquelas que não estão em uso recuperem e cresça novamente a folhagem. Esta técnica difere do pastoreio tradicional, no qual normalmente o gado pasta livremente num pasto inteiro, o que pode destruir a biodiversidade existente e não fornecer o tempo adequado para voltar a florescer, levando a que estas terras precisem de ser usadas para sustentar os animais de criação.
As operações de alimentação animal concentrada são o tipo predominante de criação de animais em sistemas industrializados de agricultura, e consiste em colocar um grande número de animais numa pequena área de terra. Em vez de os animais pastarem e de procurarem a sua comida, estes recebem-na através de ração que lhes é dada, estando confinados em pequenos espaços. Este método força os animais a um crescimento acelerado, motivado pela quantidade de hormonas de crescimento que ingerem nas suas rações. Outra forma de criação de animais é a reprodução forçada por inseminação artificial, em que os animais são criados seletivamente de forma que cresçam mais rápido do que as raças naturais. Deste modo, o seu tamanho será maior do que o normal ficando prontos para abate num período menor, o que traz repercussões severas a nível de saúde para os animais em causa e, também para os consumidores.
A irrigação de culturas traduz-se no uso de sistemas artificiais para controlar a aplicação de água e compensar qualquer escassez de chuva natural nas culturas. O uso excessivo de irrigação em áreas que não são capazes de se sustentar de forma natural pode criar riscos e desafios, especialmente por causa da ameaça contínua de seca em muitos desses lugares. Importa ainda referir que muitas das culturas mais abundantes são espécies que foram geneticamente modificadas tendo origem em sementes de organismos geneticamente modificados (OGM). Estes organismos têm na sua composição sementes que sofreram intervenção genética para apresentarem tamanhos maiores, maior resistência a pragas e melhor tolerância aos herbicidas. Contudo, na União Europeia e em Portugal, o cultivo de OGM está sujeito a regras e processos legislativos com o objetivo de se dispor de instrumentos técnicos e regulamentares que permitam compatibilizar o cultivo de variedades geneticamente modificadas com as diferentes formas de produção agrícola. Existem disposições específicas tendo em vista assegurar a coexistência de culturas geneticamente modificadas com culturas convencionais e com o modo de produção biológico, que podem ser consultadas no Decreto-Lei nº 160/2005, de 21 de setembro, sendo asseguradas pela Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).
As consequências não tão positivas
Ainda que traga grandes benefícios no que concerne à produtividade e ao lucro, a agricultura intensiva causa danos sérios nos ecossistemas e até na saúde pública, provocando a contaminação dos solos, da água e até a morte de insetos importantes na polinização, como, por exemplo, as abelhas.
Uma vez que a terra deve ser facilmente acessível para plantar, regar e fertilizar, as árvores são removidas para criar grandes extensões de terra plana, causando a desflorestação dos terrenos. Importa salientar que milho e a soja são os exemplos de culturas mais flagrantes na destruição da floresta para alimentar animais de criação.
Outro dos principais danos causados por este tipo de agricultura é a crueldade animal praticada, dado que os animais estão confinados a espaços muito pequenos onde mal se podem mover, sofrendo processos que incluem o debique, a castração, o corte da cauda e a descorna. Convém referir que estes processos, muitas vezes, são feitos sem sedação prévia, o que causa grande sofrimento e dor aos animais que os suportam.
A aplicação repetida de um dado pesticida ou herbicida pode criar resistência tanto nas espécies de pragas animais como nos vegetais, o que poderá levar à utilização de produtos químicos mais fortes para destruir as espécies-alvo, ou a uma maior concentração desses mesmos produtos numa dada área. Por sua vez, o uso excessivo destes produtos assim como a má gestão das grandes quantidades de estrume animal pode constituir uma ameaça à saúde pública, incluindo doenças na pele, nos sistemas nervoso e endócrino.
Este tipo de agricultura gera um impacte ambiental bastante elevado nos recursos do solo e da água. O facto de a terra ser cultivada repetidamente sem ser dado o período necessário para que recupere os seus nutrientes até à próxima plantação gera um desgaste tal que contribui para a degradação do solo. Deste modo, para haver compensação dos nutrientes em falta, recorre-se a maior quantidade de fertilizantes. Outro aspeto a considerar são os resíduos gerados, que podem ser armazenados em grandes fossas e pulverizados sobre os terrenos. Sem o planeamento e a consideração prévia da zona de descarga, os lagos, os rios e consequentemente as águas subterrâneas nos aquíferos poderão ser alvo de contaminação.
O contributo da agricultura intensiva para as alterações climáticas é outro fator a ter conta. A desflorestação, o uso de fertilizantes artificiais e a criação de animais, especialmente as vacas que produzem grandes quantidades de metano, são causas que provocam o aumento dos gases de efeito de estufa.
Por fim, além das consequências a nível ambiental e sanitário, a agricultura intensiva interfere diretamente com a razão venda/lucro dos produtores agrícolas ou das empresas agrícolas de menor dimensão. Como nas grandes empresas a produção é maior, então os preços de venda irão ser mais baixos, resultando mais lucro, ao passo que os produtores agrícolas por si só não conseguem produzir o suficiente para poder praticar preços tão baixos no mercado, havendo um desfavorecimento do comércio local para as empresas de grande superfície.
Podemos abandonar a agricultura intensiva e, ainda assim, continuar a alimentar o mundo?
A agricultura tem sofrido grandes transformações, apresentando uma grande desigualdade e diversidade nos diferentes lugares do mundo, ou seja, existem regiões que produzem alimentos em excesso e outras onde os alimentos são escassos. Assim, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO – do inglês Food and Agriculture Organization) será preciso, até 2050, duplicar a produção agrícola para sustentar o atual crescimento populacional. Ainda segundo a mesma organização, existem, na atualidade, cerca de 875 milhões de pessoas subnutridas (que passam fome), apesar de a Terra produzir alimentos suficientes para sustentar a sua atual população.
De acordo com um relatório publicado em 2019 pelo World Resources Institute, em comparação com 2010, serão necessárias 7,400 × 1018 calorias extras, por ano, em 2050. Se a produção de alimentos aumentar nos moldes atuais, tal exigirá uma massa de terra para cultivo duas vezes maior do que a Índia. Pode consultar o relatório completo aqui.
Como mencionando anteriormente, o propósito inicial da agricultura intensiva resulta da tentativa de implementar uma estratégia mais eficiente e eficaz na alimentação da população local e mundial. Todavia, é necessário aliar este desafio a um tipo de técnica agrícola que não gere consequências irreversíveis para o meio ambiente. A alternativa mais óbvia à agricultura intensiva é a agricultura orgânica. O rótulo orgânico, ou bio, é familiar em muitos supermercados, mas representa apenas 2% das vendas de alimentos no Reino Unido e cerca de 5,5% nos Estados Unidos da América (Harvey, 2019).
Da agroecologia (como prática agrícola que tem por base os sistemas tradicionais de gestão de recursos naturais em conjunto com conhecimentos científicos de ecologia e agronomia), passando pela permacultura, pela agricultura em espaço urbano e até pela utilização de GPS, drones e dados detalhados de topografia e solos, a inovação pode ser a chave para preencher a lacuna entre a produção e o consumo. Como tal, na próxima semana, iremos explorar quais poderão ser as alternativas à agricultura intensiva.
Fontes:
Agência Portuguesa do Ambiente (APA). (2021). Cultivo de OGM em Portugal. URL: https://apambiente.pt/prevencao-e-gestao-de-riscos/cultivo-de-ogm-em-portugal [consultado em setembro de 2022];
Factory Farming Awareness Coalition. Intensive Agriculture: Characteristics, Examples, and Why Is It Bad? URL: https://ffacoalition.org/articles/intensive-agriculture/ [consultado em setembro de 2022];
FAO (2019). Global Soil Partnership: Sustainable agricultural solutions to meet food demands. URL: https://www.fao.org/global-soil-partnership/resources/highlights/detail/en/c/1179073/ [consultado em setembro de 2022]
Harvey, F. (2019). Can we ditch intensive farming – and still feed the world?. The Guardian. URL: https://www.theguardian.com/news/2019/jan/28/can-we-ditch-intensive-farming-and-still-feed-the-world [consultado em setembro de 2022]
National Geographic. The Development of Agriculture. URL: https://education.nationalgeographic.org/resource/development-agriculture [consultado em setembro de 2022];
Stray Dog Institute. Intensive Agriculture’s Impact on the Common Good. URL: https://straydoginstitute.org/intensive-agriculture/ [consultado em setembro de 2022].
World Resources Institute (2019). World Resources Report: Creating a Sustainable Food Future. URL: https://www.wri.org/research/creating-sustainable-food-future [consultado em setembro de 2022]