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    A FIFA e a sustentabilidade ambiental

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    A FIFA e a sustentabilidade ambiental

    Na semana passada falamos das questões económicas e sociais à volta das quais tem girado a 22ª edição do Campeonato do Mundo de Futebol, que decorre até dia 18 de dezembro no Catar. Esta semana, focamo-nos na questão ambiental: o Catar (e a FIFA) prometeram-nos o primeiro mundial neutro em carbono. Uma realidade ou mais uma manobra de greenwashing? Será mesmo possível que o impacte ambiental negativo deste evento seja residual? Estará mesmo um grande produtor de petróleo a organizar um evento neutro em carbono? A Carbon Market Watch (CMW) diz que não.

    Em janeiro de 2020 a FIFA, junto com o Comité Supremo para Entrega e Legado e o Comité organizador do evento, divulgou uma série de estratégias a adotar nas diversas fases do evento, com o objetivo de diminuir a pegada de carbono. Estavam incluídas:

    1. Construções sustentáveis. Os oito estádios construídos para sediar os jogos do Mundial foram feitos com materiais reciclados da demolição de estádios antigos, utilizados principalmente para fazer a fundação das obras. Durante as obras, procurou reduzir-se a redução dos consumos de água e energia e os e procurou promover a reciclagem de água e materiais.
    2. Mobilidade urbana. Como o Catar é um país pequeno, os oito estádios onde acontecerão os jogos foram construídos na região de Doha, capital do país, interligados por linhas de metro, para diminuir as distâncias e promover uma mobilidade fácil para equipas e adeptos.
    3. Acessibilidade. O evento prioriza a viabilidade de acesso para pessoas com mobilidade reduzida. Em 2008, o Catar assinou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas.
    4. Redução da emissão de carbono. O objetivo da FIFA prende-se com a neutralidade carbónica do evento.
    5. Eficiência energética. Utilização de energia solar para abastecer toda a infraestrutura do evento. Uma das iniciativas foi a construção de uma central solar fotovoltaica com capacidade de geração de 800 MW em um espaço de 10 km². Os sistemas de refrigeração e iluminação de alguns estádios também funcionarão com recurso a energia solar. Os projetos também foram construídos para aproveitar ao máximo a iluminação natural, além de serem eficientes no uso de água.

     

    Um relatório publicado pela CMW lança dúvidas relativamente à afirmação de neutralidade, deixando implícito que a mesma será atingida por “contabilidade criativa” e não por realmente ser conseguida uma pegada de carbono (líquida) igual a zero. O relatório revela os cálculos usados para fazer o evento parecer neutro em carbono ignoram algumas das principais fontes de emissões e que os créditos atualmente adquiridos para os compensar têm um baixo nível de integridade ambiental, o que significa que é pouco provável que beneficiem o clima.

    A pegada dos estádios permanentes construídos especificamente para o torneio foi alocada ao evento com base em “use-share”, isto é, o número de dias do torneio foi dividido pela vida útil estimada dos estádios para chegar à parcela do total de emissões associadas à construção das instalações do Campeonato do Mundo, segundo o relatório mencionado. Este facto revela ser problemático uma vez que os estádios foram construídos apenas para serem utilizados neste evento. O uso extensivo futuro de tantos estádios num espaço geográfico tão pequeno é incerto.

    De acordo com o mesmo relatório, é improvável que os estádios sejam os locais mais eficientes ou eficazes para os serviços comunitários previstos nos planos; a pegada total dos estádios permanentes construídos pode ser subestimada por um fator de oito, totalizando 1,6 MtCO2e, em vez de 0,2 MtCO2e. Além deste aspeto, existem outras fontes de emissões que podem ter sido subestimadas, nomeadamente as decorrentes da exclusão de emissões da manutenção e operação dos estádios nos anos seguintes a este evento.

    Outro aspeto que o relatório da CMW refere é relativo ao viveiro das árvores de grande escala no meio do deserto. Embora a irrigação use água de esgoto tratada, a alegação de que essa água absorverá as emissões de CO2 da atmosfera e contribuirá para reduzir o impacte negativo do evento não é credível, uma vez que é improvável que esse armazenamento de carbono seja permanente em espaços verdes artificiais e vulneráveis.

    Para compensar as emissões remanescentes associadas ao Campeonato do Mundo, os organizadores contribuíram para estabelecer um novo padrão de crédito de carbono, o Global Carbon Council. Ainda que deva entregar pelo 1,8 milhões de créditos para compensar as emissões, a poucos meses do início do torneio existiam apenas dois projetos registados e emitiu pouco mais de 130 000 créditos (CMW).

    Localizado no Médio Oriente e banhado pelas águas do Golfo Pérsico, o Catar é um país desértico, com clima quente e seco na maior parte do ano, onde praticamente não existem as quatro estações do ano. Os meses mais quentes são de junho a setembro, motivo pelo qual a prova ocorre numa altura do ano incomum. Num país com este clima, os gatos de energéticos e hídricos necessários para manter as boas condições da relva dos estádios são enormes. Oito estádios e 136 campos de treino, onde para que os relvados possam resistir às temperaturas, existe a necessidade de refrigerar e regar com água dessalinizada (processo muito dispendioso energeticamente), tendo sido revelado pelo engenheiro civil sudanês (Haitham Al Shareef) que está a cuidar destes relvados, que cada um requer 10 mil litros diários de água dessalinizada no Inverno e 50 mil litros diários no Verão. Acresce ainda segundo a Reuters que o Catar importar anualmente “140 toneladas de sementes de relva” oriundas dos Estados Unidos, que atravessam o Atlântico em aviões climatizados.”. Para garantir o conforto de todos, os estádios estão dotados de sistemas de ar condicionado que a organização alega serem eficientes, que recorrem a uma tecnologia inovadora de resfriamento de estádios que funciona com energia solar, algo como “resfriar com o sol”, mas cujo consumo não é conhecido.

     

    Não deveria uma organização com a dimensão e peso da FIFA preocupar-se com a temática ambiental e contribuir para que, de facto, os seus eventos se aproximassem da neutralidade? É necessário repensar o que fica dos grandes eventos, pois os impactes negativos não acontecem só a curto prazo. Reconhece-se algumas boas decisões em prol da sustentabilidade tomadas nesta edição do Mundial, mas a dúvida relativamente à neutralidade ou não irá persistir.

     

    Fontes:

    https://www.publico.pt/2022/11/19/azul/noticia/qatar-mundial-neutro-carbono-mundial-greenwashing-2028339

    Carbon Market Wash. URL: https://carbonmarketwatch.org/2022/05/31/fifa-world-cup-in-qatar-scores-own-goal-with-misleading-carbon-neutrality-claim-new-report/ [consultado em novembro de 2022];

    Carbon Market Wash. Executive Summary. URL: https://carbonmarketwatch.org/publications/poor-tackling-yellow-card-for-2022-fifa-world-cups-carbon-neutrality-claim/ [consultado em novembro de 2022];