A importância do “net-zero” e o caminho de Portugal
Na semana passada, clarificámos alguns conceitos que, apesar de semelhantes, têm significados diferentes. Esta semana abordamos a importância do net-zero, assim como o caminho de Portugal para atingi-lo. Recorde este e outros conceitos aqui.
A importância do net-zero e o necessário para alcançá-lo
A ciência é clara: para limitar o aquecimento global a um aumento de 1,5 graus Celsius (°C) acima dos valores pré-industriais é necessário alcançar as zero emissões líquidas até meados deste século (IPCC, 2019). O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) garante que o limite de 1,5 °C marca um ponto de não retorno. Para evitar isto, durante a COP 26, em 2021, os governos chegaram a um consenso e propuseram atingir as zero emissões líquidas de carbono até 2050.
Mais de 130 países já estabeleceram esta meta. Entre os mais empenhados estão os da União Europeia (UE). Os 27 membros, tal como os Estados Unidos da América, pretendem alcançar a neutralidade climática até 2030, o que significa que, nessa altura, as emissões deverão estar reduzidas em 55%. A China estabelece esta meta para 2060. Destaque para o Reino Unido, que foi o primeiro país a comprometer-se, através da lei, com as zero emissões líquidas até 2050.
Para alcançar as zero emissões líquidas até 2050, é necessária uma ação climática concreta e imediata. O último relatório do Grupo de Trabalho III, com o título “Alterações Climáticas 2022: Mitigação das Alterações Climáticas. Neste relatório foram identificados caminhos para manter o aquecimento global em 1,5°C, entre outros limites de temperatura e avaliada a viabilidade, eficácia e os benefícios de diferentes estratégias de mitigação.
Indicamos algumas das principais conclusões:
- As emissões globais de GEE continuaram a aumentar no período 2010-2019, mas para limitar o aquecimento a 1,5°C é necessário limitar o crescimento em 2025;
- Não deverá haver novas infraestruturas baseadas em combustíveis fósseis;
- Existem opções em todos os setores para reduzir, pelo menos, metade das emissões até 2030;
- Mudanças de comportamento e estilo de vida têm um papel fundamental na mitigação das alterações climáticas;
- A evidência é clara: a hora de agir é agora. Temos de reduzir em metade as emissões até 2030.
É evidente que manter o aumento da temperatura global em 1,5°C ainda é possível, mas apenas se agirmos imediatamente. Será necessário atingir o pico das emissões de GEE até 2025, reduzir essas emissões em metade até 2030, atingir o zero líquido até meados do século e, ao mesmo tempo, assegurar uma transição justa e equitativa (Figura 1). Com riscos crescentes de secas, inundações, incêndios florestais e outros efeitos adversos das alterações climáticas, estes são prazos que não se podem ignorar.
Caminho de Portugal para o net-zero
De acordo com o estudo “Net-Zero Portugal – Caminhos de Portugal para a descarbonização”, elaborado pela McKinsey & Company com a colaboração do BCSD Portugal, o nosso país necessita de acelerar as tendências recentes de descarbonização, tendo condições para descarbonizar mais rapidamente e a um menor custo que UE. Assim, Portugal pode atingir a neutralidade carbónica, ou o “net-zero”, antes de 2050, enquanto alcança oportunidades de crescimento.
O estudo destaca que o objetivo net-zero pode ser atingido antes de 2050, dado o potencial de descarbonização a baixo custo que Portugal apresenta, relativamente aos restantes países europeus, podendo contribuir para o caminho de descarbonização mais eficiente da União Europeia. A descarbonização vai exigir de Portugal um investimento inicial, mas que ao longo dos anos trará poupanças significativas.
De seguida, apresenta-se as principais implicações do caminho de baixo custo de descarbonização de Portugal, segundo o estudo mencionado:
Portugal pode atingir o net-zero até 2050, sendo uma ambição maior viável
- A floresta terá um maior impacto do que na UE, permitindo gerir e equilibrar os esforços de descarbonização noutros setores;
- O potencial de baixo custo de sequestro de emissões em Portugal possibilita atingir o net-zero antes de 2050, mantendo o esforço dos setores emissores comparável aos congéneres europeus e contribuindo para a trajetória de menor custo da EU;
- O setor electroprodutor e os veículos elétricos irão liderar a descarbonização até 2030, e de forma mais rápida do que na UE, com os transportes mais pesados e a indústria a liderar após 2030.
Clima mediterrânico em risco no caminho atual, ameaçando principalmente os setores do turismo e agricultura
- Na agricultura, no setor da vitivinicultura, por exemplo, as capacidades de vinificação estão ameaçadas, estando certas áreas em risco de colapso;
- O turismo poderá colapsar com o aumento do número de dias com temperaturas superiores a 37°C;
- Potencial de mais de seis meses de seca por ano até 2050;
- Relativamente aos incêndios florestais prevê-se que a área ardida possa duplicar até 2050.
É necessário um afastamento claro e urgente das trajetórias atuais
- Portugal precisa de aumentar a velocidade de descarbonização em ~20% (face ao registado entre o ano de 2005 e 2019);
- O país apresenta:
- Emissões mais baixas per capita – 5,4 tonelada de CO2 equivalente (tCO2e) per capita face a 8,5 toneladas na Europa;
- A intensidade carbónica da eletricidade mais baixa, cerca de 200 tCO2e por GWh face 300 toneladas na UE, maioritariamente devido ao menor peso do carvão;
- Maior contribuição dos transportes, com veículos ligeiros de mercadorias com um peso maior e veículos pesados um peso menor;
- Maior contribuição da indústria, sendo o cimento e os resíduos mais relevantes, enquanto o ferro, o aço e a mineração são menos relevantes;
- Menor peso das emissões dos edifícios devido a um menor consumo de energia e, proporcionalmente maior em biomassa, quando comparado com outros combustíveis fósseis.
São necessárias 5-6 vezes mais adições de capacidade eólica e solar por ano para eletrificar a economia
A eletrificação e as energias limpas são fulcrais. O ritmo de adições anuais recente de capacidade solar e eólica não é suficiente para permitir a eletrificação limpa crescente de por exemplo veículos elétricos a bateria.
Tecnologias existentes são responsáveis pela maior parte da descarbonização, mas não são suficientes, sendo necessárias novas cadeias de valor (CCUS, H2 verde, outras)
- Verifica-se a dependência de tecnologias que precisam de atingir maturidade e escala custo-eficiente, em que, apesar de ser necessária mais pesquisa, Portugal poderá ter vantagens competitivas, como o hidrogénio verde, combustíveis com baixo teor de carbono e CCUS (captura, utilização e/ou armazenamento de carbono);
- No hidrogénio verde poderá ser competitivo graças ao baixo custo, pelo menos inicial, das energias renováveis na Península Ibérica. Potencial utilização como combustível para transporte rodoviário pesado, caldeiras e fornos industriais;
- No CCUS, para além do maior peso do setor do cimento em Portugal (e Ibéria), principal potencial utilizador desta tecnologia, Portugal apresenta grande capacidade de armazenamento custo eficaz em locais offshore (4 GtCO2); CCUS poderá ser também uma solução custo eficaz para o setor electroprodutor;
- Nos combustíveis de baixo carbono, tais como os combustíveis sintéticos ou a biomassa produzida de forma sustentável, as vantagens competitivas poderão vir das tecnologias anteriores, mas também de um maior potencial de produção de biomassa. Apresentam também potencial utilização como combustível para caldeiras e fornos, e para a aviação.
A floresta e uso do solo é fundamental para sequestrar emissões, sendo os incêndios um maior motivo de preocupação
- A absorção florestal apresenta um elevado potencial, exigindo uma estratégia clara de uso do solo que assegure a descarbonização ao mesmo tempo que mantém o foco noutras prioridades, como por exemplo a biodiversidade;
- O aumento do risco de incêndio devido às alterações climáticas eleva o impacto dos incêndios florestais.
Alterações comportamentais podem facilitar o caminho, reduzindo as emissões em >10%
- As preocupações ambientais motivam a redução, a reutilização e a reciclagem;
- Maior foco na circularidade e fornecedores net-zero;
- Taxas de reciclagem muito baixas em Portugal recuperam rapidamente relativamente à média europeia.
Redução do desperdício alimentar
O objetivo da ONU de reduzir o desperdício alimentar em 50% é atingido em Portugal, considerando que 15-20% da produção anual de alimentos é desperdiçada.
Adoção acelerada de veículos elétricos
- Mudanças de estilo de vida adicionais como, por exemplo, alterações na dieta alimentar, nomeadamente com a diminuição no consumo de carne de vaca, a utilização de novos materiais de construção e a utilização de transportes públicos, poderão diminuir o custo da transição;
- O crescimento contínuo dos modelos de veículos elétricos responde às preferências da procura;
- Os incentivos colocam o custo total de posse de um veículo elétrico abaixo do dos automóveis com motor de combustão interna.
O CAPEX (Despesa de capital) representa ≈ 1% do PIB, trazendo poupanças significativas
Cerca de 7% do PIB terá de ser investido em tecnologia de baixo carbono. São esperadas poupanças que excedem largamente os custos.
Oportunidade para capturar 10-15% de crescimento do PIB através da localização, crescimento, investimento em clusters de I&D
Oportunidade de localizar e escalar ainda mais as cadeias de valor existentes, ou até de criar vantagens competitivas em cadeias de valor novas, como CCUS, Hidrogénio Verde e Combustíveis de baixo carbono.
É necessária ação decisiva dos setores privado e público e da sociedade civil
É fundamental que todos os stakeholders atuem para abordar a complexidade e a multidisciplinaridade da mudança necessária.
E qual é o papel das empresas na jornada para o net-zero? Quais a principais iniciativas neste sentido? Na próxima semana abordaremos, em detalhe, estes tópicos.
Fontes:
Aplanet (2022). O que é a política Net Zero e como cumpri-la: estratégias para alcançar um volume líquido de emissões igual a zero. URL: https://aplanet.org/ptbr/recursos/o-que-e-a-politica-net-zero-e-como-cumpri-la-estrategias-para-alcancar-um-volume-liquido-de-emissoes-igual-a-zero/ [acedido em janeiro de 2023]
Aplanet (2022). O que é o Net Zero e como alcançá-lo: estratégias para alcançar zero emissões. URL: https://aplanet.org/pt/recursos/o-que-e-o-net-zero-e-como-alcanca-lo-estrategias-para-alcancar-zero-emissoes/ [acedido em janeiro de 2023]
BCSD Portugal (2021). Portugal tem condições para descarbonizar de forma mais rápida e com um menor custo que a EU. URL: https://bcsdportugal.org/noticias/net-zero-portugal-caminhos-de-portugal-para-a-descarbonizacao-elaborado-pela-mckinsey-company-com-a-colaboracao-do-bcsd-portugal/ [acedido em janeiro de 2023]
IPCC (2022). The evidence is clear: the time for action is now. We can halve emissions by 2030. URL: https://www.ipcc.ch/2022/04/04/ipcc-ar6-wgiii-pressrelease/ https://www.ipma.pt/pt/media/noticias/news.detail.jsp?f=/pt/media/noticias/textos/Relatorio_IPCC_2022.html [acedido em janeiro de 2023]
IPMA (2022). Relatório IPCC Alterações Climáticas 2022: Mitigação das Alterações Climáticas Relatório para Decisores (Notícia). URL: https://www.ipma.pt/pt/media/noticias/news.detail.jsp?f=/pt/media/noticias/textos/Relatorio_IPCC_2022.html [acedido em janeiro de 2023]
McKinsey & Company (2021). “Net-Zero Portugal – Caminhos de Portugal para a descarbonização. URL: https://bcsdportugal.org/wp-content/uploads/2021/05/Net-Zero-Portugal-PT_final.pdf [acedido em janeiro de 2023]
PlanA (2022). Net-Zero journey, explained. URL: https://plana.earth/academy/net-zero-journey-explained [acedido em janeiro de 2023]
PlanA (2022). What does net-zero emissions mean, and how to achieve it?. URL: https://plana.earth/academy/what-does-net-zero-emissions-mean-how-to-achieve-it [acedido em janeiro de 2023]
The Guardian (2022). Climate limit of 1.5C close to being broken, scientists warn. URL: https://www.theguardian.com/environment/2022/may/09/climate-limit-of-1-5-c-close-to-being-broken-scientists-warn [acedido em janeiro de 2023]