A pandemia e os plásticos
A pandemia de COVID-19 mudou, inevitavelmente, o quotidiano de todos nós, com impactes em todos os aspetos da vida moderna, na saúde física e psicológica, mas também no meio ambiente. A situação enfatizou o papel crucial dos plásticos na proteção dos profissionais de saúde e da população em geral, nomeadamente através dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) e outros materiais / equipamentos médicos de uso único.
Os dados mostram que a pandemia se traduz mensalmente, a nível mundial, na necessidade de cerca de 129 mil milhões de máscaras de proteção e de 65 mil milhões de luvas, fora as batas descartáveis e outros materiais de proteção, cuja “gestão desadequada tem como resultado em contaminação ambiental generalizada” (Kalina & Tilley, 2020).
“Plásticos”: Protetores da saúde ou poluidores do ambiente?
O uso frequente de desinfetantes para as mãos e EPI’s para profissionais de saúde da linha de frente e para a população foram umas das várias medidas de prevenção adotadas para evitar a disseminação do vírus SARS-CoV-2 e combater a propagação da COVID-19. Outro efeito evidente desta situação foi o comportamento dos consumidores, que aumentaram as compras online, optaram pelos serviços de take-away e pela entrega de bens essenciais ao domicílio.
Todos estes fatores, naturalmente, desencadearam um aumento na procura e produção de produtos de plástico de uso único, o que levou a um abrandamento na implementação das políticas da UE para os plásticos (Laato et al., 2020 e Tenenbaum, 2020). O confinamento, bem como os períodos alternados de confinamento e alívio das medidas levaram a picos na produção de resíduos plásticos, com consequências ambientais.
É importante realçar que a saúde, mesmo quando falamos em sustentabilidade, é um aspeto crucial e a atenção em primeiro lugar deve recair sobre o desempenho e eficácia de proteção dos equipamentos utilizados. Como tal, alguma da produção, para efeitos de saúde, é necessária.
1. Máscaras e luvas descartáveis
O aumento do uso de itens de plástico descartáveis tem impactes ambientais e climáticos que se relacionam com a extração de recursos, produção, transporte e gestão de resíduos.
Embora os países europeus tenham escolhido diferentes estratégias de gestão de “resíduos COVID-19”, a maioria aconselhou os seus cidadãos a descartar as máscaras e luvas de uso único no “lixo comum”, cujo destino final mais comum é a incineração e a deposição em aterro (Tsukiji et al., 2020).
Apesar de em alguns casos possa acontecer de forma não intencional, uma investigação de julho de 2020 revelou que 5% da população francesa (ou seja, mais de 2 milhões de pessoas) admitiu descartar máscaras na via pública (Connexion, 2020). Tal é visível também nas ruas portuguesas.
Efetividade de cada tipologia de marcas à parte, alguns estudos já foram efetuados para avaliar e comparar os impactes ambientais e climáticos da produção e utilização de máscaras descartáveis e máscaras reutilizáveis. É importante realçar que estas investigações não consideraram a funcionalidade ou eficácia das máscaras na prevenção da disseminação do vírus ou da sua conformidade com as diretrizes da OMS.
Allison et al. (2020) e Schmutz et al. (2020) realizaram estudos de avaliação do ciclo de vida comparando os impactes ambientais das máscaras descartáveis e reutilizáveis. Em ambiente hospitalar, as máscaras, luvas e roupas descartáveis contaminadas (ou potencialmente contaminadas) são encaminhadas para incineração. No entanto, não existe atualmente um fluxo de resíduos específico para estes produtos, quando utilizados pelo público em geral. Como tal, Schmutz et al. (2020) assumiu apenas o cenário de incineração como método de eliminação dos resíduos e não inclui o transporte. Allison et al. (2020) considerou a deposição em aterro e / ou incineração (43% aterro, 41% incineração com recuperação de energia e 16% apenas incineração) e o transporte foi incluído no estudo (desde a China – localização assumida para a produção de todas as máscaras consideradas).
De uma forma geral, chegaram à conclusão de que o tipo de material e o processo de produção são os aspetos com maior peso. Os resultados obtidos por Schmutz et al. (2020) consideram que a incineração dos resíduos tem uma contribuição menor no impacte ambiental nos dois tipos de máscaras. De acordo com Allison et al. (2020) o transporte tem um peso no impacte ambiental das máscaras descartáveis e se as máscaras reutilizáveis forem lavadas à mão, o impacte negativo da lavagem é muito significativo, dando vantagem às máscaras descartáveis.
A Figura 1 compara as emissões de gases de efeito estufa de uma máscara de algodão reutilizável (incluindo produção, lavagem a 60°C após cada utilização e incineração) com as de uma máscara cirúrgica descartável que é substituída após cada uso (incluindo produção e incineração de resíduos) durante 30 utilizações.
Da análise do gráfico observa-se que o ponto de inflexão é por volta da 13ª utilização, o que implica que uma máscara de algodão tenha uma vida útil mínima de 13 utilizações para conseguir um impacte menor do que usar um número igual de máscaras descartáveis. Após 30 utilizações, quase 90% do impacte geral da máscara de algodão é atribuído à produção, 10% à lavagem e 0,2% à incineração. Para as máscaras descartáveis, 63% do impacte está relacionado com a produção e 37% com a incineração.
2. Packaging
A maioria das lojas físicas, exceto de bens e serviços essenciais, fecharam durante os períodos mais restritos do confinamento (OECD, 2020). O e-commerce teve um aumento exponencial, com empresas como o Grupo Deutsche Post DHL a reportar aumentos de 15% face ao ano anterior. Os aumentos das vendas online levaram, naturalmente, a um aumento na utilização de embalagens plásticas, resultando em cerca de 11 400 a 17 600 toneladas de embalagens plásticas adicionais entre março e setembro de 2020.
Impactes ambientais
De entre os vários impactes ambientais que já estão relatados na bibliografia destacam-se:
- Máscaras e luvas descartáveis encontradas em diferentes matrizes ambientais e ampliação dos microplásticos secundários nos oceanos devido a processos de degradação mecânica, química ou biológica (Adyel, 2020; Canning-Clode et al., 2020);
- Consequências na vida animal aquática e terrestre. Este tipo de materiais foi incluído na lista de itens a relatar na monitorização do “lixo marinho” (OSPAR, 2020), por exemplo, na aplicação EEA Marine Litter Watch app.;
- Como resultado do aumento de utilização de máscaras descartáveis na Europa, num período de 6 meses (entre abril e setembro de 2020) foram contabilizadas cerca de 2,4 a 5,7 milhões de toneladas de CO2e adicionais, 2020 (+118%) quando comparado com o período homólogo anterior;
- Outras consequências do uso de máscaras descartáveis, como o potencial de toxicidade humana e potencial de acidificação mostram a mesma tendência crescente;
- Os impactes ambientais das embalagens plásticas adicionais para o comércio eletrónico são os decorrentes de sua produção e transporte (gases de efeito estufa e outras emissões) e do tratamento de resíduos adicionais, principalmente por meio de incineração.
Preparar um futuro incerto
A recolha de dados e conclusões sobre a utilização de produtos de plástico descartáveis durante o período pandémico e impactes ambientais associados tem sido um desafio. Para permitir avaliações futuras, quer seja no caso de pandemias, quer no caso de outros eventos catastróficos é necessário um conhecimento mais profundo e a contínua monitorização da utilização de plásticos de uso único.
Como é normal durante uma crise de saúde pública, a maioria das pesquisas foca os aspetos de higiene / protetores (Patrício Silva et al., 2021). Uma vez que o desempenho e eficácia de proteção do equipamento está assegurado, a atenção também deve recair para os impactes ambientais e sociais que resultam da sua utilização.
Os cidadãos têm um papel crucial a desempenhar neste contexto, uma vez que deles depende também o correto encaminhamento dos produtos descartáveis, da mesma forma que as autoridades e empresas têm a responsabilidade de fornecer opções de descarte adequadas.
A pandemia constitui uma oportunidade sem precedentes para reavaliar a economia, as alterações climáticas e qualidade de vida das pessoas. O abrandamento na implementação das políticas da UE para os plásticos deve ser utilizado para reavaliar e calibrar as mesmas, tendo em vista um melhor ajuste e adaptação a esta nova realidade.
Fontes:
Kalina, M., & Tilley, E. (2020). “This is our next problem”: Cleaning up from the COVID-19 response. Waste Management. doi:10.1016/j.wasman.2020.05.006
Tsukiji, M., et al. (2020) Waste management during the COVID-19 pandemic: From response to recovery, Institute for Global Environmental Strategies, acedido a julho de 2021
Connexion, J. (2020,) ‘French firm finds way to recycle single-use masks’, acedido a julho 2021
Allison, A. L., et al. (2020). ‘The environmental dangers of employing single-use face masks as part of a COVID-19 exit strategy’, UCL Open: Environment Preprint (DOI: 10.14324/111.444/000031.v1).
Patrício Silva, A. L., et al. (2021). ‘Increased plastic pollution due to COVID-19 pandemic: challenges and recommendations’, Chemical Engineering Journal 405, p. 126683 (DOI: 10.1016/j.cej.2020.126683).
Schmutz, M., et al. (2020). ‘Cotton and surgical masks — what ecological factors are relevant for their sustainability?’, Sustainability 12(24), p. 10245 (DOI: 10.3390/su122410245).
OECD (2020). ‘Tackling coronavirus (COVID-19): contributing to a global effort’, acedido a julho de 2021
Adyel, T. M. (2020). ‘Accumulation of plastic waste during COVID-19’, Science 369 (6509), pp. 1314-1315 (DOI: 10.1126/science.abd9925).
Canning-Clode, J., et al. (2020). ‘Will COVID-19 containment and treatment measures drive shifts in marine litter pollution?’, Frontiers in Marine Science 7, pp. 1-4 (DOI: 10.3389/fmars.2020.00691).
OSPAR (2020). ‘CEMP Guidelines for marine monitoring and assessment of beach litter’, acedido a julho de 2021
EEA (2021). ‘Impact of COVID-19 on single-use plastics and the environment in Europe‘, Eionet Report – ETC/WMGE 2021/4, European Topic Centre Waste and Materials in a Green Economy. Disponível em https://www.eionet.europa.eu/etcs/etc-wmge/products/impact-of-covid-19-on-single-use-plastics-and-the-environment-in-europe, acedido a julho de 2021
Laato, S., et al. (2020). Unusual purchasing behavior during the early stages of the COVID-19 pandemic: the stimulus-organism-response approach. J. Retail. Consum. Serv. 57, 102224. https://doi.org/10.1016/j. jretconser.2020.102224.
Tenenbaum, L. (2020). The Amount of Plastic Waste Is Surging Because Of The Coronavirus Pandemic. Forbes, disponível em https://www.forbes.com/sites/lauratenenbaum/2020/04/25/plastic-waste-during-thetime-of-covid-19/#7c4e661f7e48, acedido a julho de 2021