As maiores ameaças globais – Relatório de Riscos Globais 2024 do Fórum Económico Mundial
No contexto atual de crescente complexidade global, o Inquérito do Fórum Económico Mundial (FEM) surge como uma ferramenta crucial para entender as principais ameaças que moldarão a próxima década. Este relatório, habitualmente publicado antes da reunião anual do FEM em Davos (o 54.º encontro tem lugar esta semana, entre 15 e 19 de janeiro, como abordado no texto do blog da semana passada), analisa as perceções de risco e destaca os desafios que se avizinham, abrangendo desde as rápidas mudanças tecnológicas, às incertezas económicas, passando pelo aquecimento do planeta e pelos conflitos emergentes. Como um barómetro das preocupações globais, o inquérito evidencia que à medida que novas ameaças surgem, os avanços no desenvolvimento global estagnam.
Neste contexto, analisaremos as conclusões deste inquérito, as principais ameaças identificadas e os potenciais impactos que podem comprometer o progresso global.
Relatório de Riscos Globais 2024
Há quase duas décadas que o Relatório de Riscos Globais 2024, também conhecido como Inquérito Global de Perceção de Riscos (GRPS), tem sido a principal fonte de dados autênticos sobre os desafios globais para o FEM. Este ano, contando com a contribuição de 1 490 especialistas de diversas áreas – desde académicos e empresários até representantes governamentais, da comunidade internacional e da sociedade civil – o GRPS revela uma perspetiva maioritariamente negativa para os próximos dois anos, agravando-se ao longo da próxima década.
Realizado em setembro de 2023, o Inquérito mostra que 54% dos inquiridos preveem alguma instabilidade e um risco moderado de catástrofes globais, enquanto outros 30% esperam condições ainda mais turbulentas. As perspetivas são marcadamente mais negativas no horizonte de 10 anos, com quase dois terços dos inquiridos a preverem um panorama sombrio.
O relatório contextualiza esta análise através de quatro forças estruturais que irão moldar a concretização e gestão dos riscos globais nos próximos dez anos. Estas incluem:
- Alterações Climáticas: Trajetórias relacionadas com o aquecimento global e consequências ligadas aos sistemas terrestres;
- Bifurcação demográfica: Alterações na dimensão, crescimento e estrutura das populações em todo o mundo;
- Aceleração tecnológica: Vias de desenvolvimento das tecnologias de ponta;
- Mudanças geoestratégicas: Evolução material da concentração e das fontes de poder geopolítico.
À medida que a sociedade procura adaptar-se a estas mudanças, a capacidade de preparação e resposta aos riscos globais será afetada. O futuro mostra-se desafiador, exigindo uma abordagem proativa e colaborativa para enfrentar as complexidades que se aproximam.
Os maiores riscos globais que enfrentamos em 2024 e nos anos seguintes
Apesar dos riscos associados às alterações climáticas permanecerem um tema preponderante, o Relatório de 2024 destaca a desinformação e a falta de informação como a ameaça mais grave a curto prazo, como observável na Figura 1. Esta crescente preocupação é impulsionada, em grande medida, pelo potencial da inteligência artificial (IA), quando utilizada de forma prejudicial para, por exemplo, para disseminar narrativas falsas nos sistemas de informação globais.
O relatório prevê que nos próximos dois anos “atores estrangeiros e nacionais utilizarão a desinformação para ampliar divisões sociais e políticas”. Este risco é agravado pelo elevado número de eleições agendadas, com mais de 3 mil milhões de pessoas a votar em 2024 e 2025, incluindo em economias importantes como os Estados Unidos da América, a Índia e o Reino Unido, podendo comprometer a legitimidade dos governos recém-eleitos.
A disseminação global da desinformação poderá resultar em agitação civil e impulsionar a censura governamental, propaganda interna e restrições ao livre fluxo de informação.
Continuando a analisar o ranking das maiores ameaças dos próximos dois anos, a seguir à desinformação e falta de informação, destacam-se os fenómenos meteorológicos extremos, a polarização social e a cibersegurança (Figura 1).
Olhando para a próxima década, são os riscos climáticos e ambientais que estão no topo das preocupações. Os fenómenos climáticos extremos destacam-se como o fator de risco que levanta mais preocupações, tendo sido referido por 2/3 dos analistas inquiridos, seguido das alterações críticas nos sistemas terrestres, a perda de biodiversidade e o colapso de ecossistemas, e a escassez de recursos naturais (Figura 1).
Estes riscos, combinados com a crescente disparidade económica, clivagens no acesso a tecnologias essenciais e outros perigos, indicam que os mais pobres e mais vulneráveis do mundo poderão enfrentar crescente exclusão de oportunidades. O relatório adverte que essa situação poderá alimentar migrações, criminalidade, radicalização e outros fenómenos, assim como a diminuição da confiança nas instituições.
Resposta aos Riscos
O Relatório apela a que os líderes repensem a ação para enfrentar os riscos globais. Recomenda, também, que se concentre a cooperação global na rápida construção de proteções para os riscos emergentes mais disruptivos, tais como acordos que abordem a integração da IA na tomada de decisão em caso de conflito. No entanto, o Relatório aborda, também, outros tipos de ação que não precisam de depender exclusivamente da cooperação transfronteiriça, como o reforço da resiliência individual e estatal, através de campanhas de literacia digital sobre desinformação e informação falsa, ou a promoção de uma maior investigação e desenvolvimento de modelos e tecnologias climáticas com potencial para acelerar a transição energética, com a contribuição dos setores público e privado.
O mundo está a passar por múltiplas transformações estruturais a longo prazo: o surgimento da IA, as alterações climáticas, uma mudança na distribuição geopolítica de poder e transições demográficas. Estas forças estruturais são globais, abrangentes e carregadas de dinamismo. Neste contexto, os riscos conhecidos e emergentes exigem preparação e mitigação.
Estratégias localizadas, esforços inovadores, ações coletivas e coordenação transfronteiriça desempenham todos um papel na abordagem destes riscos. Estratégias localizadas, utilizando investimento e regulamentação, são cruciais para reduzir o impacte negativo dos riscos globais, e tanto o setor público quanto o privado podem desempenhar um papel fundamental para estender estes benefícios a todos. Ao dar prioridade ao futuro focando-se em pesquisas e desenvolvimentos inovadores, as iniciativas de entidades individuais têm o potencial de tornar o mundo mais seguro. As ações de cidadãos individuais e empresas – embora talvez pareçam insignificantes por si só – podem influenciar significativamente a redução global de riscos se atingirem uma massa crítica.
Por fim, a coordenação transfronteiriça permanece a única via viável para os riscos mais críticos para a segurança e prosperidade humanas.
Referências
Dias, Sónia (2024). Desinformação e eventos climáticos extremos lideram riscos globais. Negócios, 12 de janeiro de 2024. URL: https://www.jornaldenegocios.pt/sustentabilidade/ambiental/detalhe/desinformacao-e-eventos-climaticos-extremos-lideram-riscos-globais. [Acedido em janeiro de 2024]
Mercer (2024). Relatório Global Risks 2024. URL: https://www.mercer.com/pt-pt/about/newsroom/relatorio-global-risks-2024-ja-esta-disponivel/. [Acedido em janeiro de 2024]
Público (2024). Clima, IA, conflitos, divisões na política: maiores ameaças ao progresso global. Público, 11 de janeiro de 2024. URL: https://www.publico.pt/2024/01/11/azul/noticia/clima-ia-conflitos-divisoes-politica-maiores-ameacas-progresso-global-2076444. [Acedido em janeiro de 2024]
World Economic Forum (2024) The Global Risk Report 2024. URL: https://www3.weforum.org/docs/WEF_The_Global_Risks_Report_2024.pdf. [Acedido em janeiro de 2024]
World Economic Forum (2024). These are the biggest global risks we face in 2024 and beyond. URL: https://www.weforum.org/agenda/2024/01/global-risks-report-2024/?utm_content=10%2F01%2F2024+16%3A00&utm_medium=social_scheduler&utm_source=linkedin&utm_term=Global+Cooperation [Acedido em janeiro de 2024]