Desenvolvimentos históricos e avanços recentes na Litigância Climática
No seguimento da nossa publicação anterior sobre litigância climática, hoje abordamos três decisões significativas proferidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) a 9 de abril de 2024. Estes julgamentos refletem diferentes dimensões dos desafios impostos pela luta contra as alterações climáticas e enfatizam o papel crucial do sistema jurídico na salvaguarda dos direitos humanos.
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- Em setembro de 2020, seis jovens portugueses interpuseram uma ação contra 33 países no TEDH, excluindo a Ucrânia devido ao conflito recente. Os jovens acusaram estes Estados de falharem nas suas obrigações internacionais relativas à redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE), alegando que tal inação exacerbou as alterações climáticas e provocou fenómenos extremos que ameaçam diretamente as suas vidas e bem-estar.
- Damiene Carême, eurodeputado ecologista e antigo autarca de Grande-Synthe, no norte de França, iniciou uma ação legal devido aos riscos associados ao aumento do nível do mar, que ameaçam a sua comunidade. Este caso destaca os desafios específicos enfrentados pelas comunidades locais perante as mudanças climáticas. O Conselho de Estado francês decidiu a favor do município, mas rejeitou o caso pessoal de Carême, que posteriormente chegou ao TEDH.
- Um grupo de mulheres idosas, conhecidas por “Avós do Clima” ou “KlimaSeniorinnen Schweiz”, contestou as metas de combate às alterações climáticas estabelecidas pelo governo suíço, considerando-as insuficientes. Afirmam que estas políticas inadequadas resultam em impactes negativos significativos na sua saúde, particularmente devido ao aumento das ondas de calor. Após várias batalhas judiciais na Suíça e a sua derrota no Tribunal Federal, decidiram levar o caso ao TEDH.
As decisões do TEDH
1. Caso dos seis jovens portugueses
O TEDH considerou o caso inadmissível por duas razões principais:
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- Competência extraterritorial: O tribunal não identificou na Convenção Europeia dos Direitos Humanos qualquer base que permitisse exercer competência extraterritorial sobre os países requeridos. Ou seja, o TEDH avaliou que não tinha autoridade para julgar ações de Estados fora do seu território nacional em relação a políticas ambientais, especialmente quando tais ações envolvem múltiplos países.
- Esgotamento das vias legais nacionais: Os requerentes não tinham esgotado todas as opções legais disponíveis em Portugal antes de recorrer ao TEDH. Segundo a Convenção Europeia, é necessário que todas as possibilidades de recurso interno sejam utilizadas antes de se recorrer ao tribunal europeu, para que este atue como uma instância de último recurso.
2. Caso de Damien Carême
O TEDH também declarou este caso inadmissível por razões semelhantes às já referidas no caso anterior, adicionando ainda um detalhe relevante:
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- Falta de ligação relevante com o município: O tribunal concluiu que, uma vez que Carême não possuía ligações relevantes com o município no momento da ação e não residia na área, ele não podia ser considerado uma “vítima” sob os termos do Artigo 34 da Convenção Europeia. Isso reflete a necessidade de um vínculo direto e pessoal com o dano alegado para se qualificar como vítima nos termos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
3. Caso das “Avós do Clima”
Em contraste com os dois casos anteriores, este foi aceite e resultou numa decisão favorável do TEDH. As razões para a aprovação e sucesso deste caso incluem:
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- Violação de artigos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos: O tribunal aceitou o argumento de que as autoridades suíças não cumpriram as obrigações positivas que lhes incumbiam por força da Convenção para mitigar os efeitos das alterações climáticas. Foi reconhecido que as políticas inadequadas do governo suíço poderiam ter um impacto direto e adverso na vida, na saúde, no bem-estar e na qualidade de vida das reclamantes.
- Direito a um processo equitativo e acesso aos tribunais: O TEDH considerou que as reclamantes não tinham acesso a um tribunal adequado na Suíça para apresentar as suas queixas, violando o Artigo 6.º (direito a um processo equitativo) e o Artigo 8.º (direito ao respeito pela vida privada e familiar) da Convenção.
Esta decisão destacou o dever dos Estados de fornecer proteções eficazes contra os graves efeitos adversos das alterações climáticas, afirmando que o direito a um ambiente saudável é parte integrante dos direitos protegidos pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
A continuidade da Litigância Climática em Portugal
A trajetória da litigância climática em Portugal está a intensificar-se como uma ferramenta essencial para garantir que o Estado cumpre as suas obrigações ambientais. Embora o caso dos seis jovens portugueses não tenha sido considerado admissível pelo TEDH, os esforços para promover a justiça climática continuam a avançar, mostrando a resiliência e a persistência dos ativistas nesta área. Em novembro de 2023, as organizações Último Recurso, Quercus e Sciaena desafiaram o governo em tribunal por não implementar adequadamente a Lei de Bases do Clima. A demora inicial e a subsequente rejeição da ação pelo Tribunal Cível de Lisboa, que a descreveu como “abstrata e genérica”, apenas reforçaram a determinação destes grupos em procurar justiça.
Este caso ilustra não apenas as dificuldades da litigância climática a nível nacional, mas também a persistência dos defensores do ambiente em procurar respostas. As organizações planeiam agora levar o caso ao Supremo Tribunal de Justiça e, se necessário, ao TEDH, ecoando a recente vitória das “Avós pelo Clima” na Suíça. Este paralelo sublinha uma crescente solidariedade e semelhança nos esforços jurídicos climáticos a nível global, destacando a importância de legislações específicas como a Lei de Bases do Clima para fundamentar tais ações. Este episódio aponta para um futuro em que a litigância climática pode ser uma força catalisadora para mudanças ambientais significativas em Portugal.
Por fim…
Em resumo, a evolução da litigância climática, tanto em Portugal como internacionalmente, demonstra uma crescente sensibilização e atuação perante a crise climática. As decisões do TEDH e as iniciativas de organizações em Portugal evidenciam um movimento global em direção à responsabilização dos Estados por políticas climáticas eficazes. Este movimento reforça o papel crucial do sistema judicial na promoção da justiça ambiental, assegurando a proteção dos direitos humanos e a sustentabilidade para as futuras gerações.
Referências
José Soeiro (2024). Vivam as avós do clima. Expresso, 10 de abril de 2024. URL: https://expresso.pt/opiniao/2024-04-10-Vivam-as-avos-do-clima-e654a46c. [Acedido em abril de 2024]
Jornal de Negócios (2024). Primeiro caso de litigância climática em Portugal segue para Supremo Tribunal de Justiça. URL: https://www.jornaldenegocios.pt/sustentabilidade/ambiental/detalhe/primeiro-caso-de-litigancia-climatica-em-portugal-segue-para-supremo-tribunal-de-justica. [Acedido em abril de 2024]
PRA – Raposo, Sá Miranda e Associados (2024). Três importantes decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre as alterações climáticas. URL: https://pra.pt/tres-importantes-decisoes-do-tribunal-europeu-dos-direitos-do-homem-sobre-as-alteracoes-climaticas/. [Acedido em abril de 2024]
Público (2024). Tribunal Europeu decide três casos que marcam o futuro da luta climática em tribunais. URL: https://www.publico.pt/2024/04/08/azul/noticia/tribunal-europeu-decide-tres-casos-marcam-futuro-luta-climatica-tribunais-2086289. [Acedido em abril de 2024]