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    Entrevista a Maria Eugénia Saraiva, presidente da Liga Portuguesa contra a Sida

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    Entrevista a Maria Eugénia Saraiva, presidente da Liga Portuguesa contra a Sida

    Maria Eugénia Saraiva é psicóloga clínica e da saúde, licenciada pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT), com especialidade avançada em Intervenção Comunitária e Sexualidade e pós-graduação na área das Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST), nomeadamente no VIH e SIDA.

    Voluntária da Liga Portuguesa Contra a Sida (LPCS) desde a sua fundação, em 1990, é também a presidente da LPCS desde 2006. Atualmente, é Gestora de Projetos de Saúde, Coordenadora e Psicóloga do Centro de Atendimento e Apoio Integrado de Lisboa “Espaço Liga-te” e da Unidade Móvel de Rastreios “Saúde + Perto”. Ao longo da sua experiência profissional tem desenvolvido e colaborado em vários estudos, campanhas e projetos de promoção e educação para a saúde, em Portugal, e nos países que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), nomeadamente em Cabo Verde, na área da Sexualidade e do VIH e SIDA, dos mais e menos jovens, abordando a Saúde Sexual e Reprodutiva e a Prevenção do VIH e SIDA, Hepatites Víricas e outras IST, em populações referidas como mais vulneráveis. (HSH, Sem abrigo, Imigrantes, UDI, TS).

     

    1. “Uma Só Saúde” é a abordagem que reconhece a ligação entre pessoas, animais, plantas e o ambiente que as acolhe, com o objetivo de alcançar mais e melhores resultados na área da saúde. Será este conceito capaz de prevenir e dar resposta aos desafios do séc. XXI?

    Quero acreditar que sim pelo bem da Humanidade e, julgo que cada vez mais as novas gerações estão despertas para esta realidade e isso é uma garantia que é possível alterar determinados comportamentos se conseguirmos mudar também algumas mentalidades. O conceito de que a saúde humana, animal e do planeta estão intimamente ligadas não é novo e tem sido bastante debatido e isso levou a que o movimento “One Health”, no dia 3 de novembro de 2016, institucionalizasse este dia, como o Dia Mundial de Uma Só Saúde. Em Portugal, existe um caminho a percorrer, nomeadamente no âmbito da literacia em Saúde, contudo o envolvimento e a articulação de sectores como Segurança Alimentar, Saúde Animal, Medicamentos Veterinários, e entidades como a DGS, o INFARMED, o INSA, APA, que tem vindo a colaborar entre si e para o Plano de Acão Nacional, bem como a participação em grupos de trabalho (inter) nacionais, são fundamentais para fazer dos desafios, oportunidades para promover a educação para uma só Saúde.

    A Saúde é a ausência de doença para muitos e a Saúde de todos os cidadãos é uma constante preocupação da sociedade, sendo que a “aposta” na prevenção e deteção atempada das mais diversas patologias é seguramente, um dos fatores cada vez mais importantes e fulcrais na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Com o avanço nas novas tecnologias nas áreas de Investigação e Qualidade, de Meios de diagnostico e da Saúde e aqui englobo toda a Saúde, alargou-se de maneira considerável nos países desenvolvidos, a longevidade e idade media de vida do ser humano. Em paralelo, ao longo destas últimas décadas, surgiram novos desafios, quer para a comunidade científica, quer para a sociedade em que estamos inseridos, com a descoberta de novos vírus e pandemias que estão interligados à saúde do planeta e que não podem ser dissociados.

     

    2. Para o público em geral é, por vezes, difícil explicar a relação entre a saúde humana e o planeta, assim como o surgimento de novas doenças dado o aumento do conhecimento científico e do investimento na saúde. Qual a importância da literacia na saúde e como se pode integrar esta noção na sociedade?

    De facto, se por um lado temos a noção de quão difícil é explicar a relação entre a saúde humana, animal e a do planeta e integrá-la no nosso dia a dia, por outro, diariamente entra-nos pela nossa casa, a explicação de como neste momento o planeta está doente, assim como a saúde humana e animal e isso deveria nos bastar. As alterações climáticas, os sismos, o uso excessivo de antibióticos em animais que comemos, e a resistência dos humanos a estes fármacos, a utilização de pesticidas na agricultura, entre outros fatores, tem um enorme efeito na saúde dos seres humanos, através de várias pandemias e sindemias, o processo de interação sinérgica entre duas ou mais doenças que se desenvolvem em simultâneo em indivíduos de um dado grupo populacional marcado por certas condições socioeconómicas específicas, afetando negativamente a evolução de cada uma dessas doenças, sendo o caso mais paradigmático a recente pandemia que enfrentámos, causada segundo médicos, epidemiologistas e cientistas, pela destruição de habitats em florestas tropicais e consumo de animais selvagens que aí se abrigavam. Infelizmente a perceção de risco sobre a importância de tomar medidas de prevenção antes de os problemas surgirem, por exemplo, no que diz respeito a consumo de substâncias psicoativas ou álcool ou ainda em relação à adesão a sessões de rastreios, leva-nos a concluir que cada vez mais temos que investir em saber comunicar e isso passa por consciencializar a sociedade para a atual realidade e mais uma vez adequando a mensagem que queremos passar aos públicos alvo e às diferentes faixas etárias.

     

    3. Desde 2020 que é incontornável não falar da pandemia de Covid-19. Uma das lições é que não há só Covid-19. Há outras doenças e o seguimento médico e/ou de enfermagem não pode ser interrompido, como foi. Qual foi o impacto nas doenças que acompanha? Dentro do domínio da saúde pública, o nosso país está a aproveitar as lições da pandemia?

    Eu diria que existem várias lições e aprendizagens que podemos retirar desta pandemia, cuja doença é designada por Covid-19 e o vírus o SARS-CoV-2. A primeira foi o impacto social e mediático a nível mundial. A segunda é que comparativamente com a que vivemos há 40 anos, a pandemia da SIDA, esta trouxe igualmente inúmeras mudanças sociais, culturais, económicas e naturalmente de saúde, nomeadamente a prevenção, o estigma e a discriminação, as fragilidades, tendo em conta que se tratava de uma doença associada a uma morte prematura, o tratamento, as políticas de cada País e de um Mundo que se quer global, mas cujo as diferenças económicas, sociais e culturais, as idiossincrasias foram acentuadas, deixando os mais vulneráveis ainda mais isolados, demonstrando o fosso que existe entre quem tem poder e tem maior acessibilidade à Saúde, relativamente às vacinas quando surgiram, por exemplo. A prioridade era investigar, testar e tratar atempadamente e continuar a prestar o apoio possível, procurando dar respostas efetivas para controlar esta pandemia e aqui julgo que todos tivemos um papel importante e a Liga também porque já havia vivido a pandemia da SIDA, porque esteve sempre presente no terreno, complementando o SNS, realizando sessões de rastreio às várias infeções sexualmente transmissíveis (IST) e à Covid-19, levando medicação e bens alimentares e de higiene. Claro que tivemos que nos reinventar, existiram adaptações e reajustamentos do lado da Liga e dos utentes e nesse sentido foram disponibilizadas as teleconsultas, os workshops presenciais deram lugar aos webinars mensais e houve uma boa adesão por parte dos nossos utentes. Devido à pandemia, houve de facto uma redução sensivelmente de 75% do número de sessões de rastreios às IST, por oposição a um aumento significativo do número de materiais preventivos (preservativos e géis) distribuídos e, apesar de todas as dificuldades de referenciação e de aceitação por parte dos hospitais de norte a sul, conseguimos referenciar todos os casos reativos para consultas. Acreditamos que a boa articulação com o SNS, com os hospitais e os profissionais de saúde, nomeadamente os médicos, ao longo destes últimos 33 anos de trabalho desenvolvido pela Liga, contribuiu certamente para a qualidade de vida dos nossos principais destinatários.

     

    4. Ao falar da Covid-19 voltamos ao tema da prevenção. Da sua longa experiência à frente da Liga Portuguesa Contra a Sida, qual o papel dos jovens na matéria da prevenção e promoção de “Uma Só Saúde”?

    Eu diria que o nosso papel é envolver os jovens na prevenção e promoção e educação de “Uma Só Saúde”. Ouvi-los, fazê-los participar em campanhas e debates, fazê-los pensar e fomentar a autocritica, e escutar o que eles têm para nos dizer. Vários estudos indicam que os pares têm uma grande influencia quando transmitem a informação e essa é também a experiência da Liga, quando vamos falar às universidades, às escolas secundárias, sobre prevenção de IST, apoio nutricional e segurança alimentar, porque a alimentação é tratamento. Quando os mais velhos transmitem aos pares e/ou aos mais jovens o que apreenderam, captam a atenção de quem os ouve de uma forma diferente.

    Temos vários exemplos, na atualidade o nome que surge entre os jovens é o da Greta Thunberg, que é o ícone da luta da juventude contra as mudanças climáticas. E ela não está só. Milhares de jovens em todo o mundo, preocupados com o futuro do planeta, estão com ela ampliando e fomentando a consciencialização sobre este problema global.

    A Geração Z tem um mantra: é tempo de agir e tem de ser agora. O compromisso dos jovens com o meio ambiente não é novo e não se limitou única e exclusivamente à organização de mobilizações e greves. Basta olhar para o passado que encontramos importantes projetos e iniciativas liderados por jovens que representaram um ponto de viragem nas suas comunidades. Gosto sempre de lembrar que foram os mais jovens que numa altura de pandemia pela gripe das aves, aprenderam nas escolas desde cedo e transmitiram aos seus pais, como espirrar para dentro do cotovelo, ou ainda quando os ensinaram a reciclar e eles nos chamavam à atenção, se não o fizéssemos de forma correta. Com efeito, este parece-me ser o melhor caminho e para isso temos de estar disponíveis para interagir e escutar o que têm para nos ensinar. Porque os jovens de hoje são os adultos de amanhã, que certamente não compartimentarão a saúde e lutarão para que ela seja “Uma Só Saúde”.