Estamos na segunda semana da COP27, a cimeira do clima das Nações Unidas! O que já foi alcançado?
A dois dias do final da COP27, as negociações em Sharm-el-Sheik deram ainda poucos frutos. Continuando o repto da semana passada, fazemos um ponto de situação da 27.ª conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas.
Um plano de compensação de carbono dos EUA, uma falsa partida da China, uma união vaga entre Israel, Líbano e Iraque, e uma aliança global contra a seca
As “perdas e danos” são o tema central da COP27 e alguns países mais poluentes, sobretudo da Europa, já indicaram que tencionam compensar as nações mais afetadas pelas alterações climáticas. Agora, será necessário passar das palavras aos atos.
Os Estados Unidos da América apresentaram um novo plano de compensação de emissões de carbono, para ajudar países com menores rendimentos a acelerar a transição para as energias renováveis. Intitulado “Acelerador de Transição Energética”, este plano assenta num esquema de mercado de carbono: as emissões de dióxido de carbono lançadas por empresas são compensadas mediante o princípio ‘pagador poluidor’, com o dinheiro a reverter para as nações com economias emergentes. A Nigéria e o Chile já mostraram interesse neste plano, que pode estar operacional já a partir de 2023 e durar até 2035. As críticas já surgiram por parte de grupos ativistas e organizações ambientalistas, que defendem que os Estados Unidos devem focar-se nos problemas reais: reduzir a emissão de gases com efeito de estufa e apostar no financiamento climático aos países mais vulneráveis.
A China quase que se comprometia a contribuir para o financiamento climático. O enviado chinês, Xie Zhenhua, começou por dizer que o país estava disponível para apoiar o mecanismo que compensa as “perdas e danos” causados aos países mais vulneráveis às alterações climáticas. Mas mais tarde, um porta-voz da delegação chinesa acrescentou que apoiar a compensação climática não implica contribuir efetivamente com dinheiro.
Juntamente com outros países do leste do Mediterrâneo e do Médio Oriente, Israel, Líbano e Iraque concordaram em trabalhar em conjunto para combater o aquecimento global. Esta é uma decisão considerada histórica, tendo em conta as relações entre entes países: Israel e o Líbano estão oficialmente em guerra, enquanto Israel e o Iraque não têm quaisquer relações diplomáticas. O acordo diz que os países envolvidos trabalharão em conjunto para “fortalecer a cooperação regional” e “agir de forma coordenada” sobre as alterações climáticas. No entanto, não é concreto em que resultará esta união.
Espanha e o Senegal lançaram uma aliança global contra a seca, da qual Portugal faz parte. Já 29 países), incluindo Portugal, fazem parte da “Aliança Internacional para a Resiliência à Seca” (IDRA), assim como 30 organizações, desde ONGs a bancos de desenvolvimento. O objetivo da é unir esforços e preparar respostas, conjuntas, ao grave problema que é a seca. Para tal, Espanha prometeu contribuir com 5 milhões de euros e o Quénia comprometeu-se a plantar 5 000 milhões de árvores nos próximos cinco anos e 10 000 milhões numa década.
O Brasil, República Democrática do Congo e Indonésia lançaram, formalmente, uma parceria para cooperar na preservação da floresta após uma década de conversas intermitentes sobre uma aliança trilateral.
União Europeia eleva objetivos de redução de emissões para 57% até 2030
A União Europeia comprometeu-se esta terça-feira, 15 de novembro, na conferência do clima, a elevar as suas ambições climáticas e atingir a redução de emissões de gases com efeito de estufa em 57%, até 2030. O anúncio foi feito numa intervenção de Frans Timmermans, político neerlandês, que tem o pelouro do Pacto Ecológico Europeu. Timmermans destacou acordos recentes sobre a distribuição dos cortes de emissões de gases com efeito de estufa entre Estados-membros da UE, sobre objetivos de captura de carbono para solos e florestas e sobre o fim da utilização de veículos de combustão interna.
Há 636 lobistas de combustíveis fósseis na cimeira do clima
É claro que o elevado número de lobistas dos fósseis é incompatível com os objetivos climáticos que se deveriam alcançar nestas cimeiras, entre os quais travar a emissão de gases com efeitos de estufa e o aquecimento global. Já na COP26, em Glasgow (Escócia), estiveram presentes 503 participantes com interesses ligados à indústria fóssil. O número de delegados da indústria dos fósseis presentes nesta cimeira representa um aumento de 25% em relação à COP26. Nas duas COPs mencionadas, o número de lobistas dos combustíveis fósseis é superior ao número de representantes de qualquer um dos países na cimeira. Os dados deste ano foram compilados por três organizações diferentes: Global Witness, Corporate Accountability e Corporate Europe Observatory, que concluem que “a influência do petróleo e do gás nas COPs está a crescer”. Pode ler o comunicado na íntegra aqui.
Centenas de manifestantes juntam-se à família do ativista Alaa Abd-El Fattah
Alaa Abd-El Fattah é um ícone da revolução de 2011 no Egito, a Primavera Árabe, e opositor do Presidente egípcio. Centenas de ativistas têm-se juntado, na conferência COP27, à irmã do prisioneiro político, em perigo de morte após sete meses de greve de fome, para pedirem a sua libertação. Jornalistas da agência France Press (AFP) assistiram à chegada de uma “multidão que marchou entre os pavilhões oficiais”, em Sharm el-Sheikh, a gritarem “libertem todos” e “não há justiça climática sem direitos humanos”.
Uma síntese dos dias temáticos
Dia das Finanças
- As negociações sobre a mitigação de emissões, adaptação, “perdas e danos” foram centrais. Vários stakeholders discutiram a importância de fechar a atual lacuna financeira, a fim de cumprir o Artigo 9 do Acordo de Paris;
- O Dia das Finanças da COP26, no ano passado, assistiu ao lançamento da Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ). Levar a GFANZ de zero para 550 membros em 18 meses é um passo enorme, mas o desafio agora passa por transformar os compromissos das instituições financeiras em ações concretas;
- O International Sustainability Standards Board (ISSB) definiu o seu roadmap de implementação, incluindo um novo quadro global de parcerias. O objetivo é acelerar a adoção, a nível global, de normas de divulgação relacionadas com o clima, facilitando o reporte e a interpretação para todas as partes interessadas;
- O compromisso das empresas com o seu próprio progresso em relação aos objetivos da neutralidade carbónica continua a ser um tema crítico. O Grupo de Trabalho do Plano de Transição – Transition Plan Taskforce (TPT) – lançou as suas “práticas de ouro” para o planeamento da neutralidade carbónica, de forma a ajudar as empresas a planear a transição, a executar a sua estratégia de transição e a divulgá-la às partes interessadas.
- Como mencionado o texto anterior, foi lançada a plataforma Climate Trace destinada a revolucionar a questão interminável dos dados, e que tem como objetivo utilizar imagens de satélite, inteligência artificial (IA) e fontes públicas de dados para ajudar as pessoas a estimar os dados de emissões diretamente na sua origem;
- Um novo relatório denominado Assets to Flows, publicado pela ONU, identificou projetos, programas, fundos e empreendimentos que os investidores podem apoiar para ajudar os países a reduzir as emissões e se adaptar aos impactos das mudanças climáticas;
- Um grupo de mais de 85 seguradoras africanas subscreve US$ 14 mil milhões em coberturas para ajudar as comunidades mais vulneráveis do continente a lidar com os riscos de desastres climáticos até 2030;
- O mercado de carbono, agora regulado pelo Artigo 6, foi apresentado como uma das formas de apoiar os países em transição do carvão;
- A African Carbon Markets Initiative (ACMI), inaugurada na CO27, visa apoiar o crescimento da produção de créditos de carbono e criar empregos em África. Esta iniciativa identifica 13 programas de ação para apoiar o crescimento dos mercados voluntários de carbono neste continente.
Dia da Ciência
- Foi lançada a One Health Initiative na sessão “Saúde e Alterações Climáticas – Uma Saúde para Todos: Uma Visão e Uma Resposta”. A sessão, liderada pelo Ministro da Saúde e População do Egito, juntamente com a OMS, PNUD e FAO, expôs a ambição de melhorar a saúde de todos – humanos e animais – face ao impacte das alterações climáticas;
Dia da Juventude e das Gerações Futuras
- Jovens representantes da Conferência da Juventude (COY17) apresentaram a Declaração Global da Juventude, destacando as principais políticas e temas que devem ser incluídos nas discussões da COP27;
- Os jovens apresentaram as suas exigências, nomeadamente: Ação para o Empoderamento Climático, Adaptação, Resiliência e Financiamento Acessível;
- Nas diferentes sessões, os jovens participantes sublinharam a interligação entre as alterações climáticas e os direitos humanos, assim como o papel da juventude como catalisador da ambição, da justiça climática e da responsabilidade;
- Este dia ampliou a narrativa sobre a África como um centro de oportunidades e soluções inovadoras.
Dia da Descarbonização
- O dia iniciou com um discurso de John Kerry, enviado presidencial dos EUA;
- A Presidência da COP27 lançou várias iniciativas, incluindo o Roteiro de Redução de Metano de Sharm El-Sheikh e a iniciativa regional de descarbonização do East Mediterranean Gas Forum;
- O foco esteve nas indústrias intensivas em carbono e na necessidade de ações urgentes para reduzir as emissões.
Dia da Adaptação e da Agricultura
- O programa do dia focou-se nos desafios existentes e emergentes da segurança alimentar global, nomeadamente como alimentar, de forma sustentável, 8 mil milhões de pessoas;
- A Presidência lançou quatro iniciativas chave que abordam a segurança alimentar, nutrição, vida digna e paz;
Dia do Género e da Água
- A iniciativa “Prioridades de Adaptação Climática das Mulheres Africanas” (AWCAP, na sigla em inglês) foi lançada. Esta iniciativa visa produzir conhecimento, recolha de dados, melhorar a informação e tecnologias climáticas, assim como impulsionar a troca de experiências entre governos e instituições;
- 41 organizações exigem que os governos aumentem o financiamento climático para movimentos e iniciativas locais de mulheres;
- Foi lançada a iniciativa AWARe (Action on Water Adaptation or Resilience), uma iniciativa que defende a cooperação inclusiva para enfrentar os desafios e encontrar soluções relacionados com a água na adaptação às alterações climáticas.
A conferência termina esta sexta-feira. As notícias vão chegando pela imprensa, normalmente associadas à participação dos principais líderes políticos, mas a expectativa nas suas deliberações é muito modesta. Parece improvável que desta cimeira resulte a “COP da implementação”, com um roteiro político credível com vista à eliminação dos combustíveis fósseis.