Financiamento da Litigância Climática
A maioria das litigâncias revela-se mais longa, dispendiosa e exigente em termos de recursos do que inicialmente previsto pelas partes envolvidas. Aquelas que visam alterar legislações ou políticas, afetando assim a vida de inúmeras pessoas, frequentemente ultrapassam as partes diretamente implicadas e assumem custos particularmente elevados. Os réus, em casos que potencialmente impactam muitos, geralmente possuem recursos substanciais e um forte incentivo, seja financeiro ou político, para defenderem-se com vigor.
Adicionalmente, a litigância climática, pela sua natureza, envolve uma complexidade jurídica significativa e frequentemente depende de evidências científicas avançadas e outros testemunhos técnicos especializados, o que acarreta elevados custos. Este tipo de litigância tende a prolongar-se por extensos períodos, atravessar múltiplas instâncias de recurso, incluir questões provisórias e apresentar elementos transnacionais, ampliando assim a probabilidade de despesas relacionadas com conflitos de leis, traduções e até viagens.
Perante este cenário, surgem questões pertinentes, cada vez mais colocadas por réus, juízes, políticos e jornalistas: Quem financia tudo isto? Qual a motivação para tal financiamento? Quais os benefícios obtidos? E que impactos surgem no decorrer e substância da litigância devido às origens dos fundos? Estas perguntas sublinham a complexidade e a profundidade dos desafios enfrentados na litigância climática.
Quem financia a litigância climática?
Em geral, os réus são entidades estatais ou empresas com recursos substanciais. As corporações, muitas vezes motivadas pelo lucro, defendem-se energicamente em processos que normalmente envolvem oposição a regulamentações ambientais que limitam suas atividades. Por outro lado, os litigantes estatais envolvem-se nestes processos por razões políticas, com as motivações e os recursos disponíveis a dependerem da orientação política da administração em vigor.
Quanto ao volume de litígios, as organizações não governamentais (ONGs) estão também fortemente envolvidas, sendo financiadas principalmente de duas formas: através da colaboração pro bono de profissionais jurídicos e académicos e por meio de doações. Estas últimas incluem muitas pequenas contribuições, num modelo de crowdfunding, e algumas grandes doações provenientes de fundações filantrópicas.
Um exemplo disso é o caso de litigação McGaughey & Davies vs USS no Reino Unido, onde os queixosos, membros de um esquema de pensões, levantaram 261 921 libras de 6 323 doadores através de crowdfunding. Na Holanda, a Fundação Urgenda conseguiu uma decisão judicial histórica em 2019 que obrigou o governo a reduzir as emissões, financiada por “doações de todo o mundo”. De forma semelhante, líderes das Primeiras Nações na Austrália processaram o governo australiano por falta de ação na mitigação das mudanças climáticas, com o apoio financeiro do Fundo Grata, especializado em litígios estratégicos.
Estes exemplos mostram como a litigância climática, apesar de dispendiosa e complexa, é suportada por uma combinação de dedicação profissional e filantropia, refletindo um compromisso crescente com a justiça climática à escala global.
Questões legais no financiamento da Litigância Climática:
- Ética dos advogados: É imperativo que os advogados mantenham a sua independência ao representar os seus clientes. Para prevenir conflitos de interesse existem normas rigorosas que proíbem os financiadores de influenciar as decisões legais dos advogados que apoiam financeiramente. Esta medida salvaguarda a relação fundamental entre advogado e cliente, assegurando que o advogado atue sempre com o máximo zelo e em conformidade com os melhores interesses do seu cliente, livre de influências externas.
- Transparência na divulgação: A obrigatoriedade de transparência está a tornar-se mais rigorosa a nível global, com tribunais de diversos países a requererem que os litigantes informem explicitamente se o seu caso é apoiado por financiamento externo. Esta política visa assegurar que todos os envolvidos no processo judicial tenham conhecimento claro das possíveis influências externas, promovendo assim a integridade e a transparência dentro do sistema judicial. Esta abordagem pretende prevenir conflitos de interesse e garantir que as decisões judiciais sejam tomadas com base nos méritos do caso, e não influenciadas por interesses financeiros ocultos.
- Privacidade da informação: Ao longo da litigância, os financiadores muitas vezes têm acesso a informações privilegiadas para tomar decisões sobre o seu apoio ao caso. Embora as práticas variem conforme a jurisdição, geralmente as comunicações entre financiadores e litigantes são protegidas pelo privilégio legal, o que impede a divulgação dessas informações a terceiros e preserva a confidencialidade vital para a justiça.
- Custos e garantias financeiras: A regra de que “quem perde, paga” predomina em muitas jurisdições, obrigando os financiadores a ponderarem cuidadosamente os custos potenciais de uma derrota judicial. Um exemplo disso foi o caso em 2023, em que a ClientEarth foi obrigada a suportar os custos judiciais da Shell no Reino Unido, após uma decisão adversa. Para minimizar riscos, os financiadores podem ter de fornecer garantias para cobrir custos adversos ou até financiar prémios de seguros.
Estas questões ilustram a complexidade intrínseca do financiamento de litígios por terceiros, destacando a sua conexão profunda com a ética, transparência e integridade judicial. A discussão destes tópicos não só esclarece desafios específicos, como também sublinha a evolução contínua das práticas judiciais em resposta ao envolvimento de financiadores externos.
Referências
Aristova, E., & Lim, J. (Eds.). (2024). Climate Litigation in Europe Unleashed: Catalysing Action against States and Corporations. Bonavero Institute for Human Rights. URL: https://www.law.ox.ac.uk/sites/default/files/2024-03/Climate%20Litigation%20in%20Europe_Catalysing%20Action%20against%20States%20and%20Corporations.pdf [Acedido em abril de 2024]