Fogo, uma catástrofe ou um fenómeno de equilíbrio?
O fogo é uma palavra frequentemente ouvida na abertura dos telejornais quando o verão inicia em Portugal. De uma perspetiva mais imediata, constitui um flagelo gerador de consequências nefastas não só para zonas da floresta portuguesa que rapidamente se transformam em cinzas, mas também para residentes nas imediações e pessoas que dependem diretamente dos recursos florestais. Alguns especialistas defendem que é essencial aprender a viver com o fogo considerando o seu paradoxo: uma força muito destrutiva, mas também uma ferramenta poderosa na gestão da floresta. Nesta semana, iremos abordar este tema sob dois prismas: o fogo como problema e a sua gestão integrada.
A Gestão Florestal e o Ordenamento Florestal
Sendo o fogo um fenómeno inerente à floresta, importa, em primeiro lugar, clarificar dois conceitos importantes: a Gestão Florestal e o Ordenamento Florestal.
Define-se por Gestão Florestal a utilização racional dos recursos florestais existentes, como forma de alcançar os propósitos estabelecidos. Tem por objetivo equilibrar as diferentes funções dos espaços florestais – produção, proteção, conservação, silvo-pastorícia, caça e pesca, lazer e paisagem – com a conservação dos recursos e ecossistemas, assim como com a satisfação das necessidades da sociedade.
O Ordenamento Florestal é a forma como se organiza a floresta no território e como se estabelecem as relações entre ela e os indivíduos. Este conceito surgiu sob a forma de modelos de gestão florestal sustentada que tinham como finalidade estabilizar a oferta de madeira ao longo do tempo. Mais recentemente, os diversos interesses e as decisões participativas ampliaram o conceito de Ordenamento Florestal, que tenta integrar as vertentes ecológica e socioeconómica da gestão responsável para planear as áreas afetas à floresta e o seu enquadramento com as restantes ocupações do território, sejam elas naturais ou edificadas.
Nos últimos anos, o número de grandes incêndios (incêndios cuja dimensão de área ardida é igual ou superior a 100 ha) tem aumentado, atingindo as áreas rurais, como observável na Figura 1. Pela dimensão e intensidade do fogo, esta nova geração de incêndios dá origem a áreas ardidas mais extensas, com impacte socioeconómico negativo significativo e perda de vidas, pelo que é fundamental reforçar e aplicar estratégias de Ordenamento Florestal mais eficientes.
Neste sentido, é necessário distinguir o conceito de fogo e de incêndio. O fogo é uma combustão controlada no espaço e no tempo, que pode ter características benéficas, como, por exemplo, o seu uso na produção silvopastoril com vista à renovação da vegetação para alimentar os animais. Um incêndio é uma combustão não planeada e descontrolada, com características negativas, que requer uma resposta de supressão ou outras.
A Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIF) e o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR)
A AGIF é composta por vários membros tais como o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Guarda Nacional Republicana (GNR), Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegenética e Biodiversidade (ANPC), Infraestruturas de Portugal (IP), Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), cidadãos, bombeiros e autarquias. Tem como principal missão acelerar a transição para a gestão integrada de fogos rurais, envolvendo as instituições e a sociedade, através da coordenação e avaliação estratégica e procurando a sustentabilidade do sistema. Assegurar implementação e funcionamento do SGIRF para proteger pessoas e património, natural e construído, face a incêndios rurais graves é o seu principal propósito.
O SGIRF é um sistema que apresenta como missão a redução do impacto dos incêndios rurais, e assenta essencialmente em dois eixos: a Gestão de Fogos Rurais (GFR) e a Proteção Contra Incêndios Rurais (PCIR). Os princípios na base desta segmentação são o profissionalismo da especialização e o da coordenação integrada, salientando a dimensão da conservação e ordenamento florestal como condição necessária ao sucesso do sistema, dado o seu papel de construção de uma paisagem rural sustentável. Este sistema foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 12/2019, de 21 de janeiro, e mais recentemente pelo Decreto-Lei nº 82/2021, de 13 de outubro.
A cadeia de processos do SGIRF integra três capacitadores, como a governança, a qualificação e sistemas de informação e comunicação, assim como 6 fases:
- Planeamento;
- Prevenção;
- Preparação;
- Pré-supressão;
- Supressão e Socorro;
- Pós-evento.
Quando controlado, o fogo constitui uma ferramenta necessária e útil na gestão de resíduos agrícolas, florestais e pastoris, através de queimadas dos mesmos, assim como nas queimadas para acessibilidade e para proteção contra incêndios. Estas tipologias estão definidas no Apêndice 16 do Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incêndios (PMDFCI) – Guia Técnico, do ano de 2012.
O fogo é um elemento fundamental da natureza, tal como o sol ou a água, estando sempre presente nas florestas. Contribui para preservar o equilíbrio de certos ecossistemas, constituindo um dos fatores ecológicos determinantes na composição de muitas das alterações que ocorrem na vegetação e nas paisagens. A sua importância faz com que os incêndios florestais sejam dos processos mais relevantes na compreensão dos ciclos globais de dióxido de carbono e de nutrientes. A principal diferença está no facto de que a ocorrência de incêndios varia de acordo com o ecossistema em causa.
Na próxima semana abordaremos o “fogo descontrolado”, a origem e previsão do risco de incêndio, os seus impactes negativos, assim como do papel dos incêndios no contexto das alterações climáticas.
Fontes:
AGIF. Sobre a AGIF: missão. URL: https://www.agif.pt/pt/sobre-a-agif/missao [consultado em julho de 2022];
AGIF. Sobre o SGIFR. URL: https://www.agif.pt/pt/sobre-o-sgifr [consultado em julho de 2022];
Assembleia da República – Observatório Técnico Independente (2020). Estudo Técnico – Análise de indicadores de desempenho do Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios na transição (2018-2020) para o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais.
Assembleia da República – Observatório Técnico Independente (2019). Estudo Técnico – A valorização da primeira intervenção no combate a incêndios rurais.
CAREFOREST. E-book – Fire. URL: https://www.careforest.eu/e-book/ [consultado em julho de 2022];
Decreto-Lei nº 82/2021 – Diário da República, Nº 199, 1ª Série de 13-10-2021;
Direção de Unidade de Defesa da Floresta. Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incêndios (PMDFCI) – Guia Técnico. (2012). Apêndice 16 – Codificação e definição das categorias das causas dos incêndios florestais;
Florestas.pt. Conhecer. Fogo, a evolução dos incêndios rurais em Portugal. URL: https://florestas.pt/conhecer/fogo-a-evolucao-dos-incendios-rurais-em-portugal/ [consultado em julho de 2022];
Florestas.pt. Saiba mais. Qual a diferença entre gestão florestal e ordenamento florestal. URL: https://florestas.pt/saiba-mais/qual-a-diferenca-entre-gestao-florestal-e-ordenamento-florestal [consultado em julho de 2022];
Resolução do Conselho de Ministros nº 12/2019 – Diário da República nº 14/2019, Série I de 21-01-2019.