Marketing Verde e Greenwashing – Parte II
A partir da década de 80 as empresas começaram a utilizar os meios de comunicação social para promover uma nova forma de vender os seus produtos através de um “discurso ambiental”. O desafio principal da comunicação verde passa pela educação do consumidor em relação aos atributos ecológicos dos produtos, o seu real impacte no ambiente, divulgando o que tem vindo a ser feito em prol deste e procurar sensibilizá-lo para que também participe neste processo, já que a responsabilidade de preservar os recursos é de todos.
Contudo, o mercado tem vindo a ser inundado por uma variedade de produtos com apelos ecológicos diferentes. A sobrecarga de produtos com “apelo ecológico” e o uso de demasiadas expressões como “amigo do ambiente” e “natural” parece ter reduzido a efetividade das campanhas verdes, cujas mensagens não cumprem propósitos de sensibilização e educação e acabam por causar confusão, frustração e inação por parte dos consumidores. Aquilo que deveria ser um compromisso genuíno com o ambiente é, muitas vezes, uma atitude que em inglês se designa greenwashing, considerada uma alegação infundada para enganar os consumidores a acreditar que certos produtos têm certas características mais “amigas do ambiente”.
Os sete pecados do Greenwashing
Em 2010, a consultora TerraChoice Environmental Marketing (2010) lançou um estudo denominado “Os sete pecados do Greenwashing”, onde foi constatado que mais de 99% dos 1 018 produtos de consumo considerados aleatoriamente para o estudo recorriam a práticas de greenwashing. O estudo considera a existência destes sete pecados:
1. Atributos “omitidos”
Este é considerado o principal pecado e consiste em destacar apenas um benefício ambiental e “esquecer” os restantes. Afirmações como “feito de material reciclado” ou “compostável” são, muitas vezes, enfatizadas na tentativa de encobrir outros fatores.
De acordo com o relatório da Terrachoice, o “pecado atributos omitidos” foi de longe o mais comum, com 57% dos exemplos de greenwashing. São exemplos deste pecado o proclamar que um produto é reciclável, mas por outro lado consumir muita energia na sua produção, produzir muitos resíduos sólidos e elevadas emissões de carbono, assim como recorrer a trabalhos que violam os direitos humanos (trabalho infantil, trabalhos forçados, condições de trabalho precárias, etc.).
2. Falta de provas
As certificações desempenham um papel importante neste pecado. Muitas marcas anunciam os seus produtos enaltecendo benefícios ambientais, embora não tenham provas factuais (comprovação científica ou certificação certificada) do que afirmam.
Neste pecado incluem-se produtos que afirmam ser produzidos com material reciclado, produtos que não são testados em animais, lâmpadas com maior eficiência energética e produtos/marcas que compensam as suas emissões, mas que não apresentam uma comprovação dos argumentos que promovem junto do consumidor.
3. Promessas vagas
Quando vamos a uma loja física ou navegamos numa loja online podemos encontrar inúmeros produtos que prometem ser “100% naturais” ou “sustentáveis”, “não-tóxicos” e produtos “livres de químicos”.
O Banco Mundial (World Bank, 2019) estima que a indústria têxtil e do vestuário é responsável por 10% das emissões globais de carbono e 20% das águas residuais. Com consumidores cada vez mais exigentes e alerta para estes números, algumas empresas começaram a oferecer produtos mais sustentáveis. O exemplo mais comum são as empresas de fast fashion, acusadas de utilizar alegações ambientais vagas em linhas de moda ambientalmente conscientes.
Esta banalização por parte das marcas dos termos “verde” e “amigo do ambiente” podem gerar confusão e induzir em erro os consumidores menos atentos.
4. Informações irrelevantes
Este pecado consiste em destacar um benefício que pode ser tecnicamente verdadeiro, mas não é relevante pela sua obrigatoriedade legal.
O exemplo mais comum é a afirmação “livre de CFCs” que foram banidos há mais de 30 anos. Esta é uma promessa irrelevante pois se não fossem livres de CFCs, estes produtos não teriam licença para ser comercializados. Embora este tipo de alegações pareçam inofensivas, criam a impressão de que o produto é mais ecológico do que os da concorrência.
5. Mentira
São os casos de fraude, como o caso de exibirem uma certificação ambiental internacional que não existe.
De acordo com o relatório da Terrachoice (2010), este é o pecado utilizado com menos frequência porque as empresas têm tendência a enganar em vez de mentir, principalmente porque a mentira deixa as marcas e empresas em posições muito mais vulneráveis.
6. “Duas faces”
São benefícios verdadeiros, mas aplicados em produtos cuja categoria tem a sua existência questionada, como é o caso dos cigarros orgânicos, inseticidas ou herbicidas orgânicos e aviões.
Todos estes produtos apresentam uma pegada ecológica elevada. Algumas empresas desenvolvem versões um pouco mais sustentáveis do que o produto original, ignorando o facto de a base do produto já ser muito prejudicial. As melhorias marginais num produto prejudicial para o meio ambiente são aceitáveis, mas não são suficientes!
7. Culto a falsos rótulos
Este é cometido por um produto que, por meio de palavras ou imagens, dá a impressão de endosso terceiro quando não existe realmente essa aprovação, ou seja rótulos falsificados ou apropriação inadequada dos mesmos.
Dieselgate: o caso mediático do Grupo Volkswagen
A Volkswagen (VW) integra vários fóruns e espaços mundiais de debate empresarial em torno das questões do ambiente, como o United Nations Global Compact, assim como apoia diferentes projetos de proteção da natureza e ecossistemas. Tem um Código de Conduta para gerir questões éticas e legais do trabalho diário, forma os seus vendedores em temas ambientais, encoraja práticas sustentáveis nas suas equipas e até oferece cursos de condução inteligente, para ensinar condutores a pouparem até 25 % de combustível.
No seu relatório de sustentabilidade de 2020 (Volkswagen, 2020), a empresa defende que o crescimento só é possível com responsabilidade e proteção ambiental. Como tal, assume “uma gestão orientada pela sustentabilidade, transparente e responsável”, nas suas marcas, junto dos colaboradores, nos locais de produção e nos vários níveis e fases da sua cadeia de valor: das áreas de desenvolvimento e produção, até ao uso e reciclagem de veículos existente.
A 18 de Setembro 2015 rebentou o escândalo Dieselgate. A VW foi responsável por uma fraude metódica e meticulosa no desenvolvimento de softwares para enganar os testes de emissões de gases poluentes e gases com efeito de estufa. A empresa vendeu no período entre 2009 e 2015 mais de 11 milhões de viaturas a diesel com softwares fraudulentos, que emitiam até 40 vezes a quantidade de óxidos nitrosos (NOx) legalmente permitida.
De acordo com o relatório “Mind the Gap 2015: Closing the chasm between test and real-world car CO2 emissions”, da organização internacional Transport and Environment (2015), a VW é a ponta do iceberg de uma indústria automóvel e não está sozinha nesta e noutras fraudes de emissões: a Audi, a Opel, a BMW, a Citroen e a Mercedes-Benz emitem muito acima das emissões de NOx legalmente permitidas.
Segundo o mesmo relatório (Transport & Environment, 2015), o Mercedes Class A, C e E, os BMW série 5 e os Peugeot 308 consomem mais 50% de combustível do que nos testes laboratoriais, emitindo consequentemente o dobro do gases com efeito de estufa. Estendendo a todo o sector dos automóveis, estima-se que a diferença entre os testes oficiais e a performance real de emissões de dióxido de carbono é de 40%, isto é o impacte do sector automóvel (15% de todas as emissões europeias de CO2, o maior emissor do sector dos transportes), é ainda maior.
O Greenwashing está em todo o lado!
A Comissão Europeia (CE) realizou um estudo de análise de páginas web e concluiu que a profusão de conceitos que induzem sustentabilidade e cuidados com o ambiente são usados de forma abusiva por muitas marcas. A Comissão Europeia realizou o estudo com o auxílio de autoridades nacionais de proteção do consumidor, estando Portugal representado através da Direção-Geral do Consumidor.
Esta prática foi pela primeira vez investigada pela CE no relatório anual Sweep sobre hábitos de consumo nos portais das empresas e identificou que em 42% dos casos as alegações utilizadas pelas empresas foram exageradas, falsas ou enganosas e podem, portanto, ser consideradas práticas ilegais, ao abrigo da diretiva da UE sobre práticas comerciais desleais.
Embora o relatório se refira aos principais setores da economia, quase 25% das alegações falsas são do setor da moda. Segundo a CE, a tendência para a utilização desta prática é cada vez maior, em consonância com sociedades cada vez mais comprometidas com o meio ambiente.
Através deste relatório foi ainda possível concluir que em 57% dos casos as empresas analisadas não forneceram informação suficiente sobre o seu compromisso com o ambiente e em 37% dos casos as empresas apresentaram afirmações vagas ao usar termos como ‘consciente’, ‘ecológico’ ou ‘sustentável’. Além disso, em mais de 50% dos casos analisados o operador económico não forneceu informações suficientes aos consumidores para julgar a exatidão das alegadas práticas ecológicas e em 59% dos casos simplesmente não há o fornecimento de provas para fundamentar as afirmações de práticas ecológicas.
Segundo o relatório, as autoridades nacionais entrarão em contato com os operadores económicos visando reportar os problemas detetados e insistir para que sejam corrigidos quando necessário.
O Greenwashing está em todo o lado. Enquanto consumidores, precisámos de saber identificá-lo e devemos não só exigir acesso às informações, mas também que estas sejam mais claras.
Fontes:
EU (2021). Screening of websites for ‘greenwashing’: half of green claims lack evidence. URL: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_21_269 [consultado a 01 de fevereiro de 2022]
Imagens de marca (2013). Greenwashing. URL: http://imagensdemarca.sapo.pt/entrevistas-e-opiniao/opiniao-1/greenwashing/ [consultado a 01 de fevereiro de 2022]
Terrachoice (2010). Sins of Greenwashing. URL: https://www.ul.com/insights/sins-greenwashing [consultado a 01 de fevereiro de 2022]
The Guardian (2015). Volkswagen under investigation over illegal software that masks emissions. URL:https://www.theguardian.com/business/2015/sep/18/epa-california-investigate-volkswagen-clean-air-violations [consultado a 01 de fevereiro de 2022]
The Guardian (2015). VW admission suggests cheats went much further than emissions. URL: https://www.theguardian.com/business/2015/nov/03/vw-c02-emmission-problems-800000-vehicles [consultado a 01 de fevereiro de 2022]
Transport & Environment (2015). Mind the Gap 2015: Closing the chasm between test and real-world car CO2 emissions. URL : https://www.transportenvironment.org/discover/mind-gap-2015-closing-chasm-between-test-and-real-world-car-co2-emissions/ [consultado a 01 de fevereiro de 2022]
World Bank (2019). How Much Do Our Wardrobes Cost to the Environment?. URL: https://www.worldbank.org/en/news/feature/2019/09/23/costo-moda-medio-ambiente [consultado a 01 de fevereiro de 2022]