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    Neutralidade carbónica e as suas desigualdades

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    Neutralidade carbónica e as suas desigualdades

    Como temos vindo a falar nas últimas semanas, vivemos num contexto de emergência climática. O caminho para a neutralidade carbónica não deve criar desigualdades, aumentar as assimetrias e falhar na transição justa.

     

    Neutralidade carbónica e justiça social

    Em julho de 2021, Jeff Bezos (fundador da Amazon) subia a bordo da cápsula Blue Origins para descolar, com mais três passageiros, em direção ao espaço. A viagem não foi longa, mas foi suficiente para emitir cerca de 75 toneladas de dióxido de carbono (CO2) por passageiro, se forem também consideradas as emissões indiretas (prévias à viagem).

    No outro lado da “montanha”, cerca de mil milhões de indivíduos, na camada mais pobre da população, não chegam a produzir uma tonelada de gases com efeito de estufa (GEE) por pessoa num ano. Ao longo da sua vida útil, cada uma destas pessoas pode nem chegar a enviar para a atmosfera a mesma quantidade CO2que a viagem de Jeff Bezos emitiu.

     

    Então, será mesmo verdade que os 10% mais ricos são responsáveis pela maioria das emissões?

    Os dados do World Inequality Report (“Relatório da Desigualdade Mundial”, em português) referente a 2022, produzido pelo World Inequality Lab, não deixam dúvidas: mais riqueza está associada a mais emissões a nível global e regional. O capítulo deste relatório sobre a desigualdade de carbono global compara as emissões não só entre países, mas entre camadas socioeconómicas da população mundial. Os resultados deste relatório indicam ainda que os indivíduos que mais poluem estão entre os 10% mais ricos (cerca de 630 milhões de pessoas, refere o estudo “Confronting carbon inequality – Putting climate justice at the heart of the COVID-19 recovery” da Oxfam, de 2020, sobre o mesmo assunto) sendo apenas ultrapassados pelos que fazem parte dos 1%, apenas 63 milhões de pessoas.

    Figura 1. Emissões por grupo, 2019. Fonte: World Inequality Report,2022

     

    Figura 2. Contribuição de cada grupo para as emissões globais, 2019. Fonte: World Inequality Report, 2022

     

    Figura 3. Emissões per capita por região, 2019. Fonte: World Inequality Report, 2022

     

    Globalmente, as desigualdades são evidentes. Como observável nas figuras anteriores, as estimativas para o ano de 2019 indicam que os 10% mais ricos contribuem para quase metade das emissões de GEE a nível global (47,6%), com 31 toneladas por pessoa por ano. Apesar de as emissões por indivíduo por ano serem maiores (110 toneladas CO2eq), a contribuição dos 1% mais ricos para os números globais é mais pequena, dado o número de pessoas ser menor. Por outro lado, cada pessoa da metade mais pobre do planeta (3,1 mil milhões de indivíduos) contribui com apenas 1,6 toneladas num ano.

    Figura 4. Emissões per capita no mundo, 2019. Fonte: World Inequality Report,2022

     

    Através de uma comparação entre as diferentes regiões do mundo (Figura 3), é possível constatar a América do Norte ocupa o primeiro lugar no pódio. Em média, cada habitante dessa região emite 20,8 toneladas de CO2/ano. A Europa apresenta uma emissão média de 9,7 toneladas per capita por ano.

    Destaca-se também que os 50% mais pobres nos Estados Unidos emitem ao mesmo nível que os 40% de indivíduos de classe média europeus, mesmo sendo duas vezes mais pobres (Figura 4). Nesses casos, os 50% mais pobres já emitem abaixo do objetivo nacional para 2030 (como é o caso dos Estados Unidos) ou estão muito perto disso, como é o caso da França. Na Índia e na China, as diferenças dentro do mesmo território são ainda mais marcantes, com as classes média e baixa já muito abaixo da meta de emissões nacional, ao passo que os 10% mais ricos devem reduzir mais de metade das suas emissões para atingir esse patamar.

     

    A verdade é que a legislação ambiental nem sempre tem em conta estas diferenças socioeconómicas. Um exemplo é o da taxa de carbono, na forma de um imposto uniforme entre indivíduos. Independentemente da situação socioeconómica, os cidadãos pagam a mesma taxa sobre o carbono, por exemplo, quando abastecem o carro com combustíveis fósseis. Segundo o World Inequality Report, numa sociedade desigual, isto pode significar “dar direitos de poluição” a quem tem mais dinheiro, dado estes indivíduos serem menos afetados por um aumento dos preços do carbono do que aqueles que têm baixos rendimentos.

     

    O exemplo de Portugal

    Em Portugal, ocorre um fenómeno semelhante ao apresentado anteriormente, mas em que em menor escala. O relatório Confronting Carbon Inequality in the European Union, publicado em 2020 pela Oxfam, revela que os 5% de portugueses mais ricos foram responsáveis por 20% das emissões no país em 2015, ao passo que os 5% mais pobres contribuíram apenas 0,6%, o que se reflete numa pegada carbónica 33 vezes inferior.

    A habitação, alimentação e transportes são as áreas onde se notam mais diferenças. Se a neutralidade carbónica não for devidamente enquadrada por políticas públicas adequadas, pode conduzir a um aumento das desigualdades sociais. A título de exemplo, na panóplia de opções que já existem para descarbonizar a economia, verifica-se que os veículos elétricos, na mobilidade, os equipamentos classe A++, na eficiência energética, são soluções que requerem uma disponibilidade financeira maior do que a opção mais convencional. Casas maiores e com mais consumo de água e energia, maior quantidade e variedade de comida e o uso mais intensivo do carro e do avião contribuem para que os indivíduos em estratos económicos mais altos também poluam mais – claro que nem sempre esta é uma relação de proporcionalidade direta, havendo sempre exceções.

    Outro caso exemplar são os edifícios onde a população portuguesa vive, que na sua esmagadora maioria têm problemas muito graves em relação ao conforto térmico e à pobreza energética. Apolítica pública (instrumentos para a eficiência energética) não é adequada às classes de menor rendimento. Primeiro., exige um nível razoável de literacia energética para fazer a candidatura a esse incentivo. Depois exige um investimento grande à cabeça para que dois ou três anos mais tarde, receba esse incentivo.

    Num país de baixos salários – o salário médio anual ronda os 19.300 euros brutos (Eurostat, 2022) – estes não são os instrumentos mais adequados. Como tal, é necessário compreender que classes sociais ou classes profissionais podem ficar para trás e quais os aspetos que são necessário ter em consideração. Em Portugal, há cerca de 20% de famílias que vivem em pobreza energética, o que tem custos ao nível do bem-estar e de saúde pública.

     

    Pequenas reduções podem significar melhorias significativas: se a pegada per capita dos 10% mais ricos descesse para um nível consistente com a meta de aquecimento de 1,5°C do Acordo de Paris de 2015, as emissões de carbono anuais em todo o planeta seriam reduzidas em mais de um terço, diz o relatório da Oxfam já mencionado anteriormente. Por outro lado, os impactes ambientais de acabar com a pobreza no mundo seriam irrisórios. De acordo com o estudo “Impacts of poverty alleviation on national and global carbon emissions”, publicado em 2022, atingir o primeiro Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, tirando mil milhões de pessoas da pobreza, levaria a que as emissões aumentassem apenas cerca de 2% ou ainda menos.

     

    Fontes:

    Eurostat (2022). Average annual full-time adjusted salary per employee, 2021

    Oxfam (2021). Confronting Carbon Inequality – Putting climate justice at the heart of the COVID-19 recovery

    World Inequality Lab (2023). World Inequality Report 2022. Chapter 6: Global carbon inequality

    Público Azul (2023). Dúvida: é verdade que os 10% mais ricos são responsáveis pela maioria das emissões?. URL: https://www.publico.pt/2023/02/02/azul/noticia/duvida-verdade-10-ricos-sao-responsaveis-maioria-emissoes-2034971 [acedido em fevereiro de 2022]