
Resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos
O volume dos resíduos resultantes do uso de tecnologias e outros equipamentos elétricos e eletrónicos tem vindo a aumentar exponencialmente, desde que a posse de aparelhos tecnológicos se assumiu como indispensável à sobrevivência humana. Em muitos casos, o senso de pertença transmite o status de felicidade e não possuir estes bens significa estar isolado do mundo. Perante esta realidade, a necessidade do consumo acelerado destes bens provoca a produção desnecessária de resíduos, criando, assim, um elevado impacte ambiental negativo.
O que são os resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos?
De acordo com Forti et al. (2020; p. 11), no relatório The Global E-Waste Monitor 2020, os Equipamentos Elétricos e Eletrónicos (EEE) incluem “quase todo equipamento doméstico ou empresarial que possua circuitos ou componentes elétricos que funcionem com baterias ou energia”.
Os EEE tornam-se em Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos (REEE) quando são descartados. A definição de REEE pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) corresponde a “quaisquer Equipamentos Elétricos e Eletrónicos (EEE) de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer, incluindo todos os componentes, subconjuntos e materiais consumíveis que fazem parte integrante do equipamento no momento em que este é descartado” (APA, 2020).
A partir de agosto de 2018 (Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro), a sua classificação acontece numa das seguintes 6 categorias:
- Equipamentos de regulação da temperatura;
- Ecrãs, monitores e equipamentos com ecrãs de superfície superior a 100 cm2;
- Lâmpadas (fluorescentes, de descarga de alta intensidade e LED);
- Equipamentos de grandes dimensões (qualquer dimensão externa superior a 50 cm), com exceção dos equipamentos das categorias 1, 2 e 3;
- Equipamentos de pequenas dimensões (nenhuma dimensão externa superior a 50 cm), com exceção dos equipamentos abrangidos pelas categorias 1, 2, 3 e 6; e
- Equipamentos informáticos e de telecomunicações de pequenas dimensões (nenhuma dimensão externa superior a 50 cm).
Salienta-se que os sistemas e esquemas de REE ainda não abrangem nenhum tipo de baterias, acumuladores ou componentes elétricos de veículos. Atualmente, esta categorização está em conformidade com a diretiva WEEE, adotada pelos Estados-Membros europeus (Parlamento Europeu, 2003).
Resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos: factos e números
Em 2019 foram gerados aproximadamente 53,6 milhões de toneladas (Mt) de resíduos eletrónicos (excluindo painéis fotovoltaicos) a nível mundial, isto é, 7,3 kg per capita. Em 2030, estima-se que este valor ultrapasse os 74 Mt, com um aumento de quase 2 Mt por ano.
A recolha formal e reciclagem, em 2019, representou apenas 17,4% do total de REE gerados em todo o mundo. A grande maioria dos REE gerados (44,3 Mt) foram recolhidos fora do sistema oficial de recolha e, em alguns casos, geridos da forma ambientalmente menos correta.
A maior parte deste lixo eletrónico foi gerado na Ásia (24,9 Mt), enquanto o continente europeu é o que mais gera em kg per capita (16,2 kg per capita). A Europa é também o continente que apresenta o maior volume de documentação formal sobre a taxa de recolha e reciclagem de lixo eletrónico (42,5%), nos restantes continentes a disponibilidade de dados é substancialmente menor.
Na União Europeia
Como observável na Figura 1, na União Europeia (UE), os equipamentos de grandes dimensões como máquinas de lavar e fogões elétricos, são os mais recolhidos, constituindo mais de metade de todos os REE recolhidos. Seguem-se os equipamentos informáticos e de telecomunicações (portáteis, impressoras), os equipamentos de consumo e os painéis fotovoltaicos (câmaras de vídeo, lâmpadas fluorescentes) e os pequenos eletrodomésticos (aspiradores, torradeiras, entre outros). As restantes categorias, como as ferramentas elétricas e os dispositivos médicos, representam, no total, apenas 8% dos REE recolhidos (Parlamento Europeu, 2022; Eurostat, 2020).

Menos de 40 % de todos os resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos na UE são reciclados e os restantes não são triados. As práticas de reciclagem variam entre os Estados-Membros: em 2017, a Croácia reciclou 81,3 % de todos os resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, Portugal reciclou cerca de 44%, enquanto Malta apenas reciclou 20,8 %.

Porque é necessário reciclar os REEE?
O consumo de tecnologias tem-se tornado uma preocupação para os diversos setores da sociedade, devido à exploração excessiva de recursos naturais, às pressões económicas de mercados, assim como ao elevado consumo de energia e produção de resíduos perigosos para a saúde humana (Forti et al., 2020; Baldé et al., 2017). Veja a fotorreportagem de Kevin McElvaney sobre Agbogbloshie, umas das maiores lixeiras de equipamentos elétricos e eletrónicos do mundo.
Os impactes ambientais negativos que resultam da cadeia de produção destes equipamentos vão desde a extração dos minérios, com impacte negativo muito significativo no solo e recursos hídricos, até aos problemas sociais, ao promoverem uma rede de descarte inadequada que fomenta o trabalho em condições precárias e com elevado risco para a saúde humana (Forti et al., 2020; Ilankoon et al.,2018; ONU News, 2019).
Os equipamentos elétricos e eletrónicos descartados contêm materiais potencialmente nocivos que poluem o ambiente e aumentam os riscos para as pessoas envolvidas na reciclagem de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos. Para tentar minimizar este este problema, a UE adotou legislação destinada a impedir a utilização de alguns produtos químicos, como o chumbo. Por outro lado, muitos minerais raros que são necessários nas tecnologias modernas são oriundos de países que apresentam leis laborais muito frágeis. Para evitar apoiar inadvertidamente conflitos armados e violações de direitos humanos, a UE adotou regras que exigem que os importadores europeus de minerais raros efetuem verificações dos antecedentes dos seus fornecedores.
Entre estas tecnologias, os smarthphones constituem uma das maiores preocupações devido ao grande volume de produção e venda a cada ano (ONU News, 2019). Acredita-se que 70% da população global possua pelo menos um smartphone e, em alguns países, esta percentagem chega aos 90% entre jovens de 18 a 35 anos. Com a substituição de aparelhos a cada dois anos, estes dispositivos apresentam um ciclo devida extremamente curto para uma tecnologia que requisita elevados gastos de energia e recursos no seu processo de produção (Jardim, 2017).
Na União Europeia foram vendidos aproximadamente 420 milhões de telemóveis e outros dispositivos eletrónicos portáteis no ano de 2020. Em média, cada consumidor tem três carregadores de telemóveis, dos quais utiliza dois regularmente.
Num inquérito realizado pela UE, 38 % dos consumidores reportaram ter problemas, pelo menos uma vez, no carregamento dos seus telemóveis porque os carregadores disponíveis eram incompatíveis. A Comissão Europeia (2021), concluiu também que os consumidores gastam anualmente cerca de 2 400 milhões de euros em carregadores autónomos que não são vendidos com os seus dispositivos eletrónicos (Comissão Europeia, 2021). Além disso, estima-se que os carregadores eliminados e não utilizados representem cerca de 11 000 toneladas de resíduos eletrónicos por ano. Prevê-se que a solução comum de carregamento reduza este desperdício em quase mil toneladas por ano. Pode saber mais sobre esta solução aqui!
Responsabilidade Partilhada
O cenário de produção e consumo excessivo conduz ao descarte precoce e incorreto de EEE em perfeitas condições de uso. Neste sentido, é necessário que se promovam formas de mitigar o problema da crescente quantidade de REEE, sendo o processo de responsabilidade partilhada entre fabricante, comércio e consumidor o caminho mais viável.
Promover a recolha seletiva de REEE e reintroduzi-los nas cadeias de produção e consumo deve estar entre as prioridades dos gestores públicos e privados. No entanto, existe muito ainda a ser concretizado para uma implementação efetiva da logística reversa dos REEE, sendo necessário um maior compromisso dos setores geradores, assim como da sociedade ao promover a retirada destes recursos da natureza, através da entrega dos mesmos às entidades de reciclagem.
Uma parte do problema prende-se, também, com o desconhecimento, por parte da população, sobre o que se deve ou não fazer aos REEE, para onde devem ser encaminhados, quais os impactes no dia-a-dia, nas empresas, nos retalhistas, no ambiente e até na carteira de cada um. Estas são algumas das dúvidas que pode esclarecer nas quatro “e-Waste Talks” da ERP Portugal.
A obsolescência, muitas das vezes gerada ou impulsionada pelo próprio mercado ao diminuir o período de vida dos bens, opera de forma a criar necessidade e dependência contribuindo para a degradação ambiental. Na próxima semana, falaremos de algumas soluções que estão a ser colocadas em prática pelas empresas, contribuindo para a reutilização e a reciclagem num contexto de economia circular.
Fontes:
Agência Portuguesa do Ambiente [APA] (2021). Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos. URL: https://apambiente.pt/residuos/residuos-de-equipamentos-eletricos-e-eletronicos, consultado a julho de 2022.
Baldé, C. P. et al., Forti, V., Gray, V., Kuehr, R. and Stegmann, P. (2017). The global e-waste monitor. United Nations University (UNU), International Telecommunication Union (ITU) & International Solid Waste Association (ISWA), Bonn/Geneva/Vienna.
COM (2021)547 – Proposal for a Directive amending Directive 2014/53/EU on the harmonisation of the laws of the Member States relating to the making available on the market of radio equipment, disponível em https://ec.europa.eu/docsroom/documents/46755
Comissão Europeia (2021). Comissão propõe solução comum de carregamento para dispositivos eletrónicos – perguntas e respostas. URL: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/pt/QANDA_21_4614, consultado a julho de 2022.
Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de dezembro, Regime da gestão de fluxos específicos de resíduos. URL: https://dre.pt/home/-/dre/114337042/details/maximized, consultado a julho de 2022.
European Recycling Platform [ERP] (2021). e-Waste Talks. URL: https://erp-recycling.org/pt-pt/, consultado a julho de 2022.
Forti V., Baldé C.P., Kuehr R., Bel G. The Global E-waste Monitor 2020: Quantities, flows and the circular economy potential. United Nations University (UNU)/United Nations Institute for Training and Research (UNITAR) – co-hosted SCYCLE Programme, International Telecommunication Union (ITU) & International Solid Waste Association (ISWA), Bonn/Geneva/Rotterdam.
Ilankoon, I. M. S. K., Ghorbani, Y., Chong, M. N., Herath, G., Moyo, T., & Petersen, J. (2018). E-waste in the international context –A review of trade flows, regulations, hazards, waste management strategies and technologies for value recovery. Waste Management 82, 258-275.
ONU News (2019a). Agência da ONU alerta sobre impactes dos smartphones no meio ambiente. URL: https://news.un.org/pt/story/2019/01/1657472, consultado a julho de 2022.
ONU News (2019b). OIT: somente 20% do lixo eletrónico é reciclado formalmente. URL: https://news.un.org/pt/story/2019/04/1668641, consultado a julho de 2022.
Parlamento Europeu (2022). Deal on common charger: reducing hassle for consumers and curbing e-waste. URL: https://www.europarl.europa.eu/news/en/press-room/20220603IPR32196/deal-on-common-charger-reducing-hassle-for-consumers-and-curbing-e-waste, consultado a julho de 2022.
Parlamento Europeu (2022). Resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos na UE: factos e números (infografia). URL: europarl.europa.eu/news/pt/headlines/society/20201208STO93325/residuos-de-equipamentos-eletricos-e-eletronicos-na-ue-factos-e-numeros, consultado a julho de 2022.
Costa, J., Gonçalves, V. (2020). Environmental Education: a reflection for the conscious consumption of technologies and other electronic equipment. EDUSER: revista de Educação, Vol 12(2), 2020
EUROSTAT (2022) Statistics Explained: Waste statistics – electrical and electronic equipment. URL: https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Waste_statistics_-_electrical_and_electronic_equipment#Collection_of_WEEE_by_country, consultado a julho de 2022.