Rewilding nas cidades
Na semana passada, abordámos as perdas de biodiversidade geradas pelos incêndios e o papel do rewilding na luta contra os incêndios, tendo sido dado o exemplo dos cavalos Sorraia na prevenção passiva dos incêndios. O texto desta semana versa como o rewilding pode ser uma técnica a aplicar nas cidades.
Até 2050, de acordo com a ONU, quase 70% da população irá viver em áreas urbanas, embora as cidades ocupem menos de 2% da superfície terrestre. As cidades consomem 67% da energia mundial e emitem cerca de 70% das emissões de dióxido de carbono a nível mundial.
Tendo em conta o cenário das alterações climáticas e o crescimento insustentável de muitas cidades no mundo, eis que surge o rewilding urbano como uma possível solução. Embora esteja geralmente associado a meios rurais, o rewilding nas cidades pode ser igualmente dinâmico e útil, na medida em que pode contribuir para muitos dos mesmos objetivos.
A finalidade do rewilding urbano é restaurar os processos naturais e reintroduzir a natureza nas cidades, apresentando uma ampla gama de benefícios desde melhorar a saúde humana até constituir-se como uma medida poderosa no combate à degradação da biodiversidade e às alterações climáticas. O objetivo principal é equilibrar as necessidades do ser humano e da vida selvagem, de modo a criar paisagens urbanas mais adequadas para ambas as partes.
Quais os benefícios de aplicar o rewilding nas cidades?
A aplicação do rewilding nas cidades apresenta vários benefícios que se podem categorizar essencialmente em três: benefícios ambientais, benefícios sociais e benefícios económicos.
Benefícios Ambientais e Sociais
Considerando estes dois grupos de benefícios, a principal consequência positiva do rewilding está associada à mitigação dos efeitos das alterações climáticas nas cidades. Muitas das ameaças enfrentadas pelos grandes centros urbanos traduzem-se numa frequência cada vez maior de eventos climáticos extremos, uma ameaça crescente de doenças tropicais e provenientes dos animais, a subida do nível médio das águas do mar, entre outras.
São várias as vantagens que o rewilding urbano poderá oferecer ao meio ambiente, sendo que a principal se prende com o aumento da biodiversidade através da introdução de mais áreas verdes e da recuperação de espaços naturais, o que fornece habitats e alimento à vida selvagem, havendo a possibilidade de formar corredores verdes para unir espaços entre a natureza. Como consequência do aspeto referido acima e aliado à proteção da biodiversidade, ocorre a recuperação de áreas e processos naturais, tais como a captação e armazenamento de água da chuva pelas árvores assim como a redução da poluição do ar devido ao sequestro de carbono realizado pelas plantas e árvores existentes no local. Além destes benefícios, o rewilding urbano também pode recuperar a conexão dos habitantes das cidades com a natureza, permitindo que as pessoas tenham mais respeito e consideração por ela, reconhecendo a sua importância nas suas vidas e havendo maior consciência de gestão do mundo natural. Aliado ao aumento de espaços verdes vêm os benefícios sociais, que se prendem essencialmente com a saúde física e mental e, portanto, com a melhoria da qualidade de vida dos citadinos. Por exemplo, estar perto da natureza não só nos permite fazer exercício físico, como também pode melhorar o nosso humor, reduzir a solidão, aliviar a ansiedade e a depressão, o que, indiretamente, poderá diminuir a pressão sobre os serviços de saúde locais.
Benefícios Económicos
Um problema comum nos grandes centros urbanos é o efeito de “ilha de calor urbano”, um fenómeno que ocorre quando as cidades substituem a cobertura natural do solo por densas concentrações de pavimentos, edifícios e outras superfícies que absorvem e retêm calor. Este efeito aumenta os custos de consumo de energia, nomeadamente na refrigeração (ar condicionado, por exemplo), os níveis de poluição do ar e o número de doenças e/ou mortalidade relacionadas com o calor. As águas residuais urbanas que se encontram normalmente a temperaturas elevadas são muitas vezes libertadas em riachos, rios, lagos ou no mar, podendo criar desequilíbrios nos ecossistemas aquáticos.
O rewilding nas áreas urbanas pode desempenhar um papel importante na resolução destes problemas, gerando, ao mesmo tempo, benefícios noutras áreas.
Com a introdução de mais vegetação principalmente nos telhados dos edifícios, as plantas podem reduzir o efeito de “ilha de calor urbano”, fornecendo sombra e resfriando o ar através da sua evapotranspiração. Para além de poderem favorecer a purificação do ar, sequestro de carbono e regulação de água nas cidades (retenção das águas pluviais e filtração dos poluentes da água da chuva).
Com o rewilding nas cidades, poderá haver diminuição da necessidade e dos custos de uma gestão ativa dos espaços verdes, que incluem o corte da relva, o uso de pesticidas, a irrigação e o controlo de ervas infestantes, uma vez que áreas reflorestadas podem ter maior biodiversidade e maior capacidade de autorregulação.
Outra consequência interessante do rewilding urbano é a de poder tornar os lugares mais atraentes e gerar turismo baseado na natureza, aumentando as receitas nos centros urbanos.
O rewilding urbano em Singapura
A cidade de Singapura é amplamente considerada uma das cidades mais verdes do planeta, para além de ter uma economia avançada e uma das populações mais densas do mundo.
É conhecida como “Cidade Biofílica” e “Cidade num Jardim” pelo facto de existir uma combinação perfeita entre o ambiente urbano e o ambiente natural.
Numa tentativa de aumentar a qualidade de vida e restaurar a vegetação nativa na cidade, os Jardins da Baía transformaram Singapura, passando de uma “Cidade Jardim” para uma “Cidade num Jardim”. Cerca de 18 supertrees estão espalhadas por toda a paisagem ao longo de Marina Bay, algumas com até 49 metros, abrigando mais de 158 000 plantas e imitando as funções das árvores regulares, fornecendo sombra, filtrando a água da chuva e absorvendo calor.
O Parque Bishan-Ang Mo Kio, construído num antigo terreno industrial, também é um exemplo de rewilding urbano em Singapura. Incorpora elementos de design urbano sensível à água e reduz o efeito “ilha de calor urbano”. O parque é construído ao redor do rio Bishan, que agora flui livremente como um sistema de riacho natural, desimpedido de barreiras antrópicas.
Após a implementação de rewilding no parque, nos primeiros dois anos, a biodiversidade aumentou em 30%, embora nenhuma vida selvagem tenha sido introduzida. Quanto aos visitantes das cidades vizinhas de Bishan Yushin e Ang Mo Kio, estes recebem um descanso natural da vida na cidade.
Além dos parques, Singapura mantém mais de 145 km de Nature Ways: corredores cobertos que conectam espaços verdes, facilitando o movimento de animais e borboletas de uma área natural para outra em toda a cidade. Estas rotas imitam as camadas do ecossistema com arbustos, sub-bosques, copas e camadas emergentes, proporcionando habitats para diferentes espécies em suas várias alturas.
Como é possível verificar são muitos os prós que o rewilding reúne para que haja uma gestão mais sustentável dos grandes centros urbanos. O exemplo de Singapura ainda que possa ser o mais icónico não é o único, dado que algumas cidades a nível mundial já recorrem a esta solução harmoniosa entre os seres humanos e a vida selvagem. Para fechar esta temática, o texto da próxima semana irá abordar o caso português alvo de Rewilding, o Grande Vale do Côa.
Fontes:
Mossy Earth. Rewilding Cities. URL: https://mossy.earth/rewilding-knowledge/rewilding-cities [consultado em agosto de 2022];
EPA. Reduce Urban Heat Island Effect. URL: https://www.epa.gov/green-infrastructure/reduce-urban-heat-island-effect [consultado em agosto de 2022];
8 cities rewilding their urban spaces. URL: https://www.weforum.org/agenda/2021/06/8-cities-rewilding-their-urban-spaces/ [consultado em agosto de 2022].