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    A necessidade de revisão da legislação dos resíduos hospitalares

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    A necessidade de revisão da legislação dos resíduos hospitalares

    O que são resíduos hospitalares e por que exigem atenção especial?

    Os resíduos hospitalares são todos os resíduos produzidos por unidades prestadoras de cuidados de saúde, como hospitais, clínicas, consultórios médicos e dentários, laboratórios, farmácias, centros de diagnóstico, unidades veterinárias e outros estabelecimentos ligados à área da saúde. Também estão incluídos os resíduos produzidos por atividades que envolvam procedimentos invasivos, como acupunctura, piercings e tatuagens.

    Estes resíduos exigem atenção especial devido ao seu potencial risco biológico, químico e ambiental, podendo conter agentes patogénicos, substâncias tóxicas ou materiais perfurocortantes. Por esse motivo, a sua gestão deve cumprir regras rigorosas de separação, acondicionamento, transporte, tratamento e eliminação, de forma a garantir a proteção da saúde pública, dos profissionais envolvidos e do ambiente.

    Em Portugal, os resíduos hospitalares estão classificados em quatro grupos, definidos no Despacho n.º 242/96, de 5 de julho:

    • Grupo I – Resíduos equiparados a urbanos: São resíduos que não apresentam risco específico e podem ser tratados como resíduos indiferenciados, como restos de refeições, papéis, plásticos e outros materiais não contaminados.
    • Grupo II – Resíduos hospitalares não perigosos: São resíduos com origem em contextos clínicos, mas que não representam risco biológico, como batas descartáveis ou frascos de soro não contaminados.
    • Grupo III – Resíduos hospitalares de risco biológico: Incluem resíduos contaminados ou suspeitos de contaminação com agentes infeciosos, como materiais com sangue, fluidos corporais ou tecidos. Devem ser submetidos a tratamento (ex: incineração ou outro método eficaz) antes da eliminação.
    • Grupo IV – Resíduos hospitalares específicos: São resíduos perigosos que requerem incineração obrigatória, como peças anatómicas, medicamentos citotóxicos e citostáticos, e resíduos químicos altamente perigosos.

    O correto encaminhamento de cada grupo é essencial para garantir a segurança sanitária e ambiental e o cumprimento da legislação em vigor.

     

    Evolução da produção de resíduos hospitalares em Portugal

    A produção de resíduos hospitalares em Portugal tem aumentado de forma consistente, acompanhando o crescimento dos serviços de saúde, a intensificação dos cuidados prestados e a evolução das práticas clínicas. Esta tendência já era evidente antes da pandemia, como identificado no Plano Estratégico para os Resíduos Hospitalares 2011-2016 (PERH) (APA, 2016).

    Com a pandemia de COVID-19, este aumento acentuou-se. Em 2020, a produção de resíduos de risco biológico subiu 22% face a 2019, passando de 25 mil para 30,6 mil toneladas, sobretudo devido ao uso intensivo de equipamentos de proteção individual (EPI) (máscaras, luvas, fatos). No mesmo ano, os resíduos cortantes e perfurantes (ex.: seringas) aumentaram 15%, passando de 940 toneladas em 2019 para 1.079 toneladas em 2020, valores registados antes do impacto total da vacinação em massa (Expresso, 2022).

    De forma global, o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais registou um aumento de 40% nos resíduos hospitalares perigosos recolhidos em 2020 e 2021, face aos níveis anteriores à pandemia (Expresso, 2022).

    Atualmente, estima-se que as unidades de saúde portuguesas produzam cerca de 100 mil toneladas de resíduos hospitalares por ano. Diariamente, cada cama hospitalar produz entre 6 a 8 quilos de resíduos, o que evidencia a dimensão do desafio em termos de gestão e sustentabilidade (Público, 2023).

    Este crescimento acentuado reforça a necessidade de uma gestão rigorosa e sustentável dos resíduos hospitalares, essencial para proteger a saúde pública e o ambiente.

     

    Figura 1. Unidade de internamento hospitalar, onde cada cama pode gerar entre 6 a 8 quilos de resíduos por dia, evidenciando a importância da gestão eficiente dos resíduos hospitalares para a proteção da saúde pública e do ambiente. Fonte: Jornal de Negócios, 2023.

     

    Enquadramento legal atual: desatualizado e fragmentado

    A gestão dos resíduos hospitalares em Portugal é regulada por vários diplomas, nomeadamente:

    • Decreto-Lei n.º 178/2006, com as alterações do Decreto-Lei n.º 73/2011, que define o regime geral de gestão de resíduos;
    • Despacho n.º 242/96, que classifica os resíduos hospitalares em quatro grupos, segundo o seu grau de perigosidade;
    • Portaria n.º 289/2015, alterada pela Portaria n.º 28/2019, que regula o preenchimento obrigatório do MIRR (Mapa Integrado de Registo de Resíduos);
    • Lista Europeia de Resíduos (LER), que atribui códigos normalizados a cada tipo de resíduo.

    Apesar de tecnicamente estruturado, este quadro legal não acompanha a evolução tecnológica nem as mudanças operacionais no setor da saúde, como o aumento de descartáveis, dispositivos eletrónicos e serviços fora do ambiente hospitalar tradicional.

    A plataforma SILiAmb, onde é feito o registo anual dos resíduos, continua a ser pouco acessível para pequenos produtores, como clínicas, estúdios de estética ou tatuagens, uma vez que apresenta uma estrutura complexa e pouco intuitiva para utilizadores que não possuem formação específica. A utilização requer o preenchimento detalhado de formulários técnicos (como o MIRR e as guias eletrónicas – e-GAR), com terminologia especializada e códigos específicos (LER – Lista Europeia de Resíduos), dificultando a compreensão e aumentando a possibilidade de erros. Adicionalmente, são comuns relatos de dificuldades técnicas, como lentidão e falhas do sistema, sobretudo em períodos críticos de submissão dos registos anuais. Estes fatores levam a que muitos pequenos produtores tenham dificuldade em cumprir adequadamente as suas obrigações legais.

    Assim, o atual enquadramento revela-se fragmentado, desatualizado e pouco adaptado à realidade contemporânea da produção de resíduos hospitalares, dificultando a sua gestão adequada e sustentável.

     

    Portugal precisa de uma estratégia moderna para os resíduos hospitalares

    A recente proposta do Conselho Económico e Social para a criação de uma Estratégia Nacional para a Sustentabilidade na Saúde reforça a necessidade de integrar a gestão de resíduos hospitalares numa abordagem sistémica e sustentável, alinhada com os princípios da economia circular e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), nomeadamente o ODS 3 (Saúde de qualidade) e o ODS 12 (Produção e consumo sustentáveis).

    Para isso, é fundamental :

    • Atualizar a classificação dos resíduos hospitalares, com base em risco e não apenas na origem;
    • Simplificar os processos legais e administrativos, facilitando o cumprimento por parte de todos os produtores;
    • Aumentar a fiscalização e a formação dos pequenos produtores (clínicas, estúdios de estética, unidades móveis, etc.);
    • Promover a reutilização e o uso de alternativas seguras aos descartáveis, reduzindo a pegada ecológica dos serviços de saúde;
    • Criar incentivos à inovação na gestão e tratamento de resíduos clínicos, com tecnologias mais eficientes e ambientalmente adequadas.
    • Promover a informação e a sensibilização dos profissionais de saúde e dos restantes colaboradores hospitalares, garantindo que todos, independentemente da sua função, compreendem a importância da correta separação, acondicionamento e encaminhamento dos resíduos;

     

    Conclusão

    A legislação portuguesa sobre resíduos hospitalares não acompanha as exigências atuais do setor da saúde e revela-se insuficiente face aos desafios ambientais e operacionais em constante evolução. A sua revisão é essencial para garantir uma gestão mais eficaz, segura e ambientalmente responsável.

    A atualização deste enquadramento legal deve contar com a participação ativa de profissionais de saúde, gestores de resíduos, entidades públicas e cidadãos, promovendo uma abordagem integrada que assegure um sistema de saúde sustentável e comprometido com a proteção do ambiente.

     

    Referências

    Agência Portuguesa do Ambiente, 2016. Plano Estratégico para os Resíduos Hospitalares 2011-2016 (PERH). URL: https://apambiente.pt/sites/default/files/_Residuos/Planeamento/PERH_2011-2016.pdf [Acedido em maio de 2025]

    Agência Portuguesa do Ambiente. (n.d.). Classificação de resíduos. https://apambiente.pt/residuos/classificacao-de-residuos

    Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de setembro. Diário da República. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/178-2006-540016

    Despacho n.º 242/96, de 5 de julho. Diário da República. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/despacho/242-1301985

    Expresso, 2022. Produção de resíduos hospitalares aumentou 40% durante a pandemia. Associações alertam para a necessidade de recuperar boas práticas. URL: https://expresso.pt/sociedade/2022-02-11-Producao-de-residuos-hospitalares-aumentou-40-durante-a-pandemia.-Associacoes-alertam-para-a-necessidade-de-recuperar-boas-praticas-f04b3d13 [Acedido em maio de 2025]

    Galharda, D., 2018. Avaliação da introdução das guias eletrónicas de acompanhamento de resíduos (e-GAR). Dissertação de Mestrado. Universidade Nova de Lisboa. URL: https://run.unl.pt/bitstream/10362/50891/1/Galharda_2018.pdf [Acedido em maio de 2025]

    Initial Portugal, 2025. Legislação sobre resíduos hospitalares. URL: https://www.initial.com/pt/servicos-de-higiene/gestao-de-residuos-hospitalares/legislacao-sobre-residuos-hospitalares [Acedido em maio de 2025]

    Observador, 2023. Cada cama hospitalar gera 6 a 8 quilos de lixo por dia, alerta Conselho Saúde e Ambiente. URL: https://observador.pt/2023/09/26/cada-cama-hospitalar-gera-6-a-8-quilos-de-lixo-por-dia-alerta-conselho-saude-e-ambiente/ [Acedido em maio de 2025]

    Público, 2023. Paciente internado gera-se até oito quilos de resíduos por dia. URL: https://www.publico.pt/2023/09/26/azul/noticia/paciente-internado-geramse-ate-oito-quilos-residuos-dia-2064609 [Acedido em maio de 2025]

    Público, 2025. Conselho propõe aos partidos criação de estratégia nacional para a sustentabilidade na saúde. Público. URL: https://www.publico.pt/2025/05/02/azul/noticia/conselho-propoe-partidos-criacao-estrategia-nacional-sustentabilidade-saude-2131673 [Acedido em maio de 2025]

    Stericycle Portugal, 2024. Resíduos hospitalares. URL : https://www.stericycle.pt/pt-pt/solucoes/residuos-hospitalares. [Acedido em maio de 2025]