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    Como os fenómenos extremos estão a inflacionar os alimentos

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    Como os fenómenos extremos estão a inflacionar os alimentos

    As alterações climáticas já não são uma preocupação distante. Estão a influenciar diretamente o nosso dia a dia, incluindo os preços dos alimentos que compramos. Fenómenos meteorológicos extremos, como secas prolongadas, ondas de calor, inundações e tempestades intensas, estão a tornar-se cada vez mais frequentes e severos. Ao afetarem regiões produtoras importantes, estes eventos comprometem colheitas, interrompem cadeias de abastecimento e, consequentemente, fazem subir, de forma acentuada, os preços de produtos essenciais.

     

    Evidência e exemplos globais

    Entre 2022 e 2024, foram registadas, pelo menos, 16 situações em que fenómenos meteorológicos extremos provocaram aumentos expressivos no preço dos alimentos em vários países. A análise, desenvolvida por investigadores do Barcelona Supercomputing Center em colaboração com o Banco Central Europeu e o Potsdam Institute, demonstra como fenómenos climáticos extremos estão a afetar diretamente a disponibilidade de produtos essenciais.

    A subida mais impressionante registou-se no preço do cacau, que mais do que triplicou entre abril de 2023 e abril de 2024. Este aumento resultou de temperaturas excecionalmente altas registadas na Costa do Marfim e no Gana, em fevereiro de 2024, associadas a uma seca prolongada no ano anterior. Sendo estes dois países os maiores produtores mundiais, o impacte sentiu-se à escala global, desde o chocolate até às sobremesas industriais.

     

    Figura 1. Produção de cacau na Costa do Marfim, um dos maiores produtores mundiais. A combinação de temperaturas recorde e falta de chuvas em 2024 provocou uma quebra significativa na colheita e fez triplicar os preços a nível global. Fonte: Aboissa, 2025.

     

    No Reino Unido, o preço das batatas aumentou 22% num período de 13 meses, devido a chuvas intensas no inverno, que alagaram os campos e dificultaram a colheita. Já nos Estados Unidos, os preços dos vegetais dispararam 80% em novembro de 2022, após uma longa seca que afetou a produção na Califórnia e no Arizona.

    Na Etiópia, a seca de 2022 fez-se sentir nas prateleiras em março de 2023, com os preços de alimentos básicos a subirem 40%. E, na Índia, a quebra da produção de cebolas, um alimento fundamental na dieta local, levou a um aumento de quase 90% no preço, afetando milhões de consumidores.

     

    Figura 2. A quebra da produção provocada por uma onda de calor severa levou a um aumento de quase 90% no preço da cebola em 2023, com impacte direto no custo de vida e nas tensões sociais. Na Índia, o preço da cebola tem mesmo influência política, sendo historicamente um tema sensível em períodos eleitorais. Fonte: ZAP, 2019.

     

    Também a produção de arroz, alface e fruta foi fortemente afetada por fenómenos extremos como cheias ou calor excessivo, resultando em quebras significativas e picos de preços em vários continentes. Em Espanha, a seca reduziu drasticamente a produção de azeite, o que resultou numa subida dos preços superior a 50%.

    Segundo Maximilian Kotz, autor principal do estudo, “até atingirmos emissões líquidas nulas, os fenómenos extremos vão continuar a intensificar-se e a prejudicar colheitas, provocando novos choques nos preços dos alimentos em todo o mundo”. De facto, 2024 foi o ano mais quente de que há registo e tudo indica que a tendência de aquecimento global continuará a agravar estas situações.

     

    Impactes sociais, económicos e políticos da crise climática nos alimentos

    A subida dos preços dos alimentos provocada por fenómenos meteorológicos extremos tem consequências diretas na vida das pessoas. Famílias com rendimentos mais baixos são frequentemente obrigadas a reduzir a qualidade nutricional da sua alimentação, o que agrava a insegurança alimentar e contribui para problemas de saúde pública. Em contextos mais frágeis, estes aumentos podem ainda desencadear instabilidade social, como já aconteceu em protestos associados ao custo de vida.

    Este impacte não é distribuído de forma equitativa. Os países e comunidades mais vulneráveis, e que menos contribuíram para a crise climática, são os que mais sofrem com as suas consequências. A combinação de secas, inundações e calor extremo está a comprometer o acesso a alimentos básicos e a aprofundar desigualdades sociais e regionais. Exemplos recentes, como a quebra de produção de arroz na Índia, Tailândia e Vietname, mostram como choques climáticos em zonas estratégicas geram aumentos de preços globais que atingem com mais força os países importadores, sobretudo no continente africano. Em média, os preços globais dos alimentos subiram cerca de 17% durante esses episódios, embora com aumentos bem mais acentuados em alguns produtos.

    Este cenário desafia diretamente os governos e instituições financeiras. As ferramentas tradicionais de controlo da inflação, como o aumento das taxas de juro ou a intervenção nos mercados, têm pouca eficácia perante choques na oferta provocados pelo clima. A resposta exige soluções de médio e longo prazo: investimento em tecnologias agrícolas resilientes, apoio aos pequenos produtores e reforço das redes de proteção social, especialmente onde a vulnerabilidade é maior.

     

    Um Novo Conceito: Climateflation

    Neste contexto, começa a consolidar-se um novo conceito — climateflation — que descreve a inflação associada diretamente aos efeitos das alterações climáticas. De acordo com instituições como a FAO e o Banco Central Europeu, este fenómeno está a ganhar expressão à medida que os eventos extremos se tornam mais frequentes, afetando a produção agrícola, o transporte, a oferta e, inevitavelmente, os preços para o consumidor final.

    A climateflation evidencia um problema que é simultaneamente ambiental, económico e geopolítico. Ao afetar o acesso a alimentos básicos, expõe falhas nas estruturas de abastecimento e na preparação para eventos climáticos extremos. Mas levanta também uma questão central de justiça climática: quem deve pagar o custo desta nova realidade? Os países com rendimentos mais elevados e industrialmente mais desenvolvidos, que mais contribuíram para o aquecimento global, têm uma responsabilidade acrescida em apoiar financeiramente a adaptação nos países mais afetados, comummente com rendimentos mais baixos, tanto através de fundos climáticos como de parcerias técnicas e tecnológicas?

    A segurança alimentar global está hoje profundamente interligada com a evolução da crise climática. Mitigar as emissões, adaptar a produção e reforçar a cooperação internacional são passos essenciais para evitar que os impactes se agravem. A climateflation não é uma ameaça futura, é já um desafio presente, que exige respostas coordenadas, justas e ambiciosas.

     

    Conclusão

    A inflação alimentar provocada por fenómenos climáticos extremos tornou-se uma das expressões mais visíveis da crise climática no quotidiano. Para além de encarecer o custo de vida, está a agravar desigualdades, a comprometer a saúde pública e a desafiar a estabilidade económica de muitos países. O conceito de climateflation resume bem esta nova realidade, onde clima, economia e justiça social estão profundamente interligados.

    Perante este cenário, é urgente abandonar respostas isoladas e reativas. Proteger o direito à alimentação exige ações coordenadas que incluam a adaptação dos sistemas agrícolas, o reforço das redes de apoio social e o compromisso financeiro dos países mais responsáveis pelas emissões. A segurança alimentar no século XXI dependerá, em grande parte, da forma como enfrentarmos a crise climática, com ambição, equidade e solidariedade global.

     

    Referências

    Chazan, G. (2025). Extreme weather drives food price surges across the globe. Financial Times. URL: https://www.ft.com/content/66b06e7d-7fa5-4b53-a4c2-55477af59649 [Consultado em julho de 2025]

    Harvey, F. (2025). Rising food prices driven by climate crisis threaten world’s poorest, report finds. The Guardian. URL: https://www.theguardian.com/business/2025/jul/21/rising-food-prices-driven-by-climate-crisis-threaten-worlds-poorest-report-finds [Consultado em julho de 2025]

    National Post. (2025). Extreme weather increases food prices. URL: https://nationalpost.com/life/food/extreme-weather-increases-food-prices [Consultado em julho de 2025]

    Nordsip. (2023). What is climateflation? URL: https://nordsip.com/2023/03/31/what-is-climateflation/ [Consultado em julho de 2025]

    Público. (2025). Preços dos alimentos chegaram a aumentar 300% por causa de fenómenos climáticos extremos. URL: https://www.publico.pt/2025/07/21/azul/noticia/precos-alimentos-chegaram-aumentar-300-causa-fenomenos-climaticos-extremos-2140853 [Consultado em julho de 2025]

    Wall Street Journal. (2025). Extreme weather is driving global food price spikes, report says. URL: https://www.wsj.com/articles/extreme-weather-is-driving-global-food-price-spikes-report-says-d0988a0c [Consultado em julho de 2025]