
Conferência dos Oceanos 2025
Entre os dias 9 e 13 de junho, a cidade de Nice, em França, recebeu a Conferência dos Oceanos 2025 das Nações Unidas, um momento crucial para renovar o compromisso global com a proteção dos ecossistemas marinhos, num contexto marcado pela crise planetária tripla: alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição. O encontro reuniu representantes de governos, comunidades científicas, povos indígenas, organizações da sociedade civil e líderes do setor privado, com o objetivo de impulsionar a ação coletiva em prol dos oceanos.
A conferência centrou-se na aceleração da implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14, que visa conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, os mares e os recursos marinhos. O foco esteve em reforçar acordos já existentes, promover novas áreas marinhas protegidas e melhorar a governança internacional dos oceanos.

Figura 1. Atividades humanas e ciência oceânica lado a lado: da pesca artesanal à investigação subaquática e ao transporte marítimo global. Fonte: United Nations Ocean Conference, 2025
Visão geral da Conferência dos Oceanos 2025
A Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC3) foi a maior cimeira global alguma vez organizada sobre o oceano, reunindo 175 Estados-membros da ONU, 64 chefes de Estado e Governo, 115 ministros e mais de 12 mil delegados, representando mais de 90% das zonas económicas exclusivas do planeta.
A conferência estruturou-se em torno de três grandes prioridades, com o objetivo de produzir o ambicioso Plano de Ação de Nice para o Oceano:
- Concluir processos multilaterais em curso relacionados com a proteção dos oceanos, como o Tratado do Alto Mar (BBNJ), reforçando a ambição global em matéria de governança oceânica.
- Mobilizar financiamento para o ODS 14 e promover uma economia azul sustentável, inclusiva e regenerativa.
- Reforçar o conhecimento científico marinho, incluindo o saber tradicional, para informar decisões políticas baseadas em evidência e inovação.
Durante a semana da conferência, os temas centrais abordaram:
- Governança oceânica e a entrada iminente em vigor do Tratado BBNJ;
- Poluição marinha e o apelo de 96 países por um tratado global sobre plásticos;
- Moratória à mineração em mar profundo, com o apoio de 37 países;
- Pesca sustentável e trabalho digno no mar;
- Ciência e inovação, com destaque para a missão “Neptune” e a rede internacional de universidades marinhas;
- Financiamento azul, com €8,7 mil milhões anunciados para projetos sustentáveis;
- Participação de comunidades locais, indígenas, jovens e mulheres em processos de decisão;
- Educação, ciência e inovação, com destaque para a criação da missão “Neptune” de exploração oceânica, o lançamento da rede internacional de universidades marinhas, e o congresso “One Ocean Science” com mais de 2 000 cientistas.
Mais de 1 000 eventos paralelos ocorreram em Nice e arredores, em espaços como a “Baleia” e os seus 16 pavilhões temáticos, visitados por cerca de 130 000 pessoas. Os compromissos foram formalizados em sessões plenárias, fóruns temáticos e cimeiras regionais, incluindo a Cimeira para a África Azul, o Fórum Mundial das Ilhas, a Cimeira das Mulheres pelo Oceano e o Fórum de Resiliência Costeira e Subida do Nível do Mar.
Principais conquistas da Conferência dos Oceanos 2025
- Ratificação acelerada do Tratado do Alto Mar (BBNJ)
Durante a conferência, 50 Estados ratificaram formalmente o Tratado sobre a Biodiversidade para Além da Jurisdição Nacional (BBNJ), também conhecido como Tratado do Alto Mar. Este tratado, adotado em 2023, é um marco jurídico que visa proteger os ecossistemas marinhos em áreas internacionais, que representam cerca de 64% da superfície oceânica. Com o compromisso adicional de vários países em ratificá-lo até setembro de 2025, prevê-se que o tratado entre oficialmente em vigor já em janeiro de 2026, um ritmo invulgarmente rápido para um acordo internacional desta dimensão
- Financiamento robusto com destaque europeu
A União Europeia apresentou um pacote de quase 1 mil milhão de euros em novos compromissos voluntários para apoiar a conservação dos oceanos, a ciência marinha e o desenvolvimento de uma economia azul sustentável. Paralelamente, o Banco Europeu de Investimentos (BEI) comprometeu 3 mil milhões de euros e outros bancos de desenvolvimento europeus também anunciaram financiamento adicional, especialmente direcionado para o combate à poluição por plásticos até 2030. Este conjunto de investimentos reforça a posição da Europa como um dos principais financiadores globais da ação oceânica.
- Combate à poluição plástica
Foi lançada a segunda fase da iniciativa Clean Oceans, com 3 mil milhões de euros adicionais para reduzir o impacte dos plásticos nos ecossistemas marinhos. Além disso, 96 países assinaram o “Apelo de Nice”, exigindo um tratado internacional ambicioso e juridicamente vinculativo que aborde todo o ciclo de vida dos plásticos, desde a produção até ao descarte. Esta mobilização representa um forte sinal político a poucos meses das negociações formais em Genebra.
- Mineração em mar profundo em análise
Com crescentes preocupações sobre os impactes ambientais da exploração dos fundos marinhos, 37 países apelaram a uma moratória sobre a mineração em mar profundo, defendendo que esta atividade só deve avançar quando houver conhecimento científico suficiente para garantir a proteção dos ecossistemas abissais. Este apelo foi reforçado por bancos e instituições que se comprometeram a não financiar projetos neste setor sem garantias ambientais.
- Expansão de áreas marinhas protegidas (AMP)
Graças aos compromissos anunciados em Nice, a proteção oceânica global ultrapassou os 10%, com destaque para a criação da maior área marinha protegida de sempre, na Polinésia Francesa, com cerca de 5 milhões de km². Outros países, incluindo Portugal, comprometeram-se a expandir significativamente as suas redes de AMP, com o objetivo de alcançar os 30% de proteção marinha global até 2030, conforme definido no Quadro Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal.
- Ciência e conhecimento para ação
A conferência reforçou o papel da ciência como base para a tomada de decisões informadas. Foram lançadas novas plataformas, como a Plataforma Internacional para a Sustentabilidade dos Oceanos (IPOS), e promovida a ambiciosa missão científica “Neptune”, que visa explorar e mapear áreas pouco conhecidas do oceano com tecnologias avançadas. Paralelamente, foi criada uma rede internacional de universidades marinhas e anunciado o Starfish Barometer, um relatório científico anual sobre o estado do oceano.

Figura 2. Recife de coral em Mayotte, arquipélago francês no Oceano Índico, entre Madagáscar e a costa de Moçambique. Ecossistemas deste tipo estiveram no centro dos debates da Conferência dos Oceanos 2025, que destacou a urgência de medidas para a sua conservação. Fonte: Ocean Image Bank/Gaby Barathi.
Portugal acelera proteção marinha e aproxima-se da meta dos 30%
A Conferência dos Oceanos 2025 teve um impacte direto em Portugal, acelerando o processo de criação e formalização de novas áreas marinhas protegidas. Segundo a Ministra do Ambiente, até ao final do ano o país poderá atingir entre 27% e 30% de proteção das suas águas, um salto significativo face aos 5% registados no início de 2024 e aos 19% atuais. Entre as áreas em destaque estão o Banco de Gorringe e a zona costeira de Cascais, Sintra e Mafra, cujos processos de classificação estão em fase avançada. A rede dos Açores, com 287 mil km², também deverá ser integrada na legislação nacional em breve. Estes avanços foram destacados em Nice como um exemplo internacional de compromisso com a conservação marinha, colocando Portugal entre os países mais avançados na implementação do Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal.

Figura 3. Costa portuguesa junto ao Cabo da Roca, o ponto mais ocidental da Europa continental. Com uma extensa Zona Económica Exclusiva, Portugal tem um papel estratégico na proteção dos ecossistemas marinhos e no avanço da economia azul sustentável. Fonte: Freepik, 2025.
Conclusão
A Conferência dos Oceanos 2025 reafirmou a importância de uma ação global coordenada e baseada na ciência para proteger os ecossistemas marinhos num momento decisivo para o planeta. Com compromissos ambiciosos, avanços concretos na governança e um forte impulso político e financeiro, a conferência reforçou a urgência e a possibilidade de alcançar as metas do ODS 14 até 2030. Resta agora garantir que os compromissos assumidos em Nice se traduzam em ações eficazes, contínuas e fiscalizadas, dentro e fora da superfície oceânica.
Referências
United Nations Ocean Conference, 2025. Nice commitments for the ocean – Towards a new chapter of ocean action. URL: https://unfoundation.org/2025-un-ocean-conference/?gad_source=1&gad_campaignid=19556432845&gbraid=0AAAAAD9kiAco9_hoG6AXLbBlNfG0pD1ZU&gclid=CjwKCAjwpMTCBhA-EiwA_-MsmXe_Scyi1gQFGmr_7P_RkOXOLfVo_xQ9aLUykCgkluqc3uoAFUD9XhoC0YIQAvD_BwE [Acedido em junho de 2025]
United Nations Ocean Conference, 2025. Nice commitments for the ocean – Towards a new chapter of ocean action.URL: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://unocnice2025.org/app/uploads/2025/06/Nice-Commitments-for-the-Ocean_compressed-1.pdf [Acedido em junho de 2025]
Público, 2025.Até fim‑de‑ano, Portugal poderá ter “entre 27 e 30 %” de áreas marinhas protegidas. Público. URL: https://www.publico.pt/2025/06/12/azul/noticia/ate-fim-ano-portugal-podera-27-30-areas-marinhas-protegidas-2136317 [Acedido em junho de 2025]