
Do tratamento à reciclagem: como fechar o gap entre operações e resultados
Em Portugal, muitos resíduos entram em instalações de tratamento, mas uma parte menor chega realmente à reciclagem material ou à valorização orgânica, o que mantém a deposição em aterro demasiado elevada no balanço final. Esta diferença entre “encaminhar para tratamento” e “reciclar de facto” resulta de contaminação, falhas na triagem e falta de mercado para materiais recuperados, o que pede medidas claras para encurtar o caminho entre o que tratamos e o que reciclamos. No artigo desta semana exploramos estes termos, o que significam e como poderemos resolver este paradigma em Portugal.
Tratamento inicial não é destino final
“Encaminhar para operações de gestão” é o primeiro passo (por exemplo, tratamento mecânico biológico, triagem ou outras formas de valorização), enquanto “destinos finais” são o resultado efetivo: reciclagem material, valorização orgânica, valorização energética ou aterro.
Em 2024, o tratamento mecânico biológico foi o encaminhamento mais usado, mas o aterro continuou a ser o destino final dominante. Esta diferença acontece porque muitos materiais que entram em tratamento ou triagem saem como rejeitados, devido à contaminação ou à baixa qualidade, acabando em valorização energética ou em aterro e sem contar para as metas de reciclagem.
Onde se perdem materiais
A mistura na origem aumenta a contaminação, sobretudo em biorresíduos e plásticos, reduzindo a qualidade e a recuperação nas linhas de triagem. Mesmo com mais tratamento mecânico biológico, a retoma de materiais não acompanha e grande parte continua fora da reciclagem material.
Nos destinos finais, o peso do aterro resulta tanto dos rejeitados do tratamento e da triagem, como do não cumprimento de requisitos mínimos de qualidade para a retoma.
O tratamento mecânico biológico não garante altas taxas de reciclagem
O tratamento mecânico biológico trata resíduos indiferenciados, mas separa pior as frações com valor (plásticos, papel/cartão, metais, biorresíduos) do que a recolha seletiva feita logo na origem; por isso, mais tratamento mecânico biológico não significa mais reciclagem.
Além disso, as regras europeias só consideram para as metas os biorresíduos recolhidos seletivamente ou reciclados na origem, o que limita o que é possível “salvar” a jusante do indiferenciado.

Figura 1 – Tapete de triagem. Fonte: Banco de imagens Freepik.
Como fechar o gap: intervenções prioritárias
Separar melhor na origem:
Alargar o porta-a-porta para materiais e biorresíduos, aplicar modelos “PAY-AS-YOU-THROW” e melhorar a contentorização e a comunicação para baixar a contaminação e aumentar a pureza dos resíduos recolhidos. É necessário que esta ação seja acompanhada de sensibilização da população.
Garantir qualidade e destino:
Medir qualidade à saída (contaminação, humidade, granulometria), fazer auditorias regulares e fechar contratos de retoma com especificações claras para vidro, papel/cartão, plásticos por polímero, metais e biorresíduos.
Afinar a triagem e o tratamento:
Investir em tecnologia (ótica por polímero, separadores balísticos e por indução) e ajustar linhas para aumentar a retoma com menos rejeitados.
Tratar bem os biorresíduos:
Captar com qualidade (baldes ventilados, sacos adequados, rotas dedicadas HORECA e doméstico), assegurar tratamento específico (compostagem/digestão) e garantir especificações do composto para escoamento.
Lidar com rejeitados:
Enquanto existirem, orientar para valorização energética ou combustível derivado de resíduos quando fizer sentido, evitando o aterro e sem perder o foco na recolha seletiva.
Cooperar e partilhar:
Quando faltar capacidade, partilhar infraestruturas entre sistemas para triagem e valorização, reduzindo deposição direta e cumprindo o pré-tratamento.
Conclusão
Para aproximar o que separamos/tratamos do que realmente reciclamos, é preciso apostar na separação na origem, na qualidade das frações e em contratos e mercados que valorizem os materiais, apoiados por tecnologia e métricas de desempenho à saída.
Com biorresíduos bem captados e triagem afinada, perdem-se menos materiais, baixam os rejeitados e o aterro, sobe a reciclagem efetiva e ficamos mais perto das metas nacionais e europeias que tão ambiciosas são.
Referências:
- Agência Portuguesa do Ambiente, 2025. Dados sobre resíduos urbanos (2024). URL: https://apambiente.pt/residuos/dados-sobre-residuos-urbanos [Acedido em outubro de 2025]
- Agência Portuguesa do Ambiente, 2025. RARU 2024 – Relatório Anual de Resíduos Urbanos. URL: https://apambiente.pt/sites/default/files/_Residuos/Producao_Gest%C3%A3o_Residuos/Dados%20RU/2024/raru_2024.pdf [Acedido em outubro de 2025]
- Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030), 2023. URL: https://files.dre.pt/1s/2023/03/06000/0000700139.pdf [Acedido em outubro de 2025]