Economia Donut
A sociedade atual rege-se, ainda, por um modelo económico focado no crescimento e no Produto Interno Bruto (PIB). Embora este modelo tenha desempenhado um papel crucial, especialmente até à década de 80, ao melhorar o nível de vida das populações, elevar os níveis de emprego, reduzir as taxas de pobreza e gerar receitas fiscais para investimentos públicos, este modelo revela-se cada vez mais inadequado para enfrentar os desafios complexos do século XXI.
Desenvolvido pelo economista Simon Kuznets, em 1930, representou um marco significativo no desenvolvimento económico global, mas as suas limitações tornaram-se cada vez mais evidentes. A utilização do PIB como métrica suscita várias críticas, derivado deste: considerar apenas o valor monetário da produção nacional, contabilizar todas as atividades de igual forma e não distinguir as atividades “boas” das “más”, não registar a depreciação do capital natural, não reconhecer o valor das atividades e dos serviços informais, entre outras.
Deste modo, face às limitações evidentes do PIB, torna-se cada vez mais premente repensar o modelo económico atual. Perante este cenário, destaca-se uma alternativa inovadora: a “Economia Donut”. Este novo paradigma sugere uma abordagem distributiva e regenerativa, procurando não só o crescimento económico, mas também o bem-estar social e planetário.
O que é a Economia Donut?
O conceito de Economia Donut foi introduzido pela economista britânica Kate Raworth, apresentado primeiro num artigo, em 2012, e depois num livro, publicado em 2017. Kate Raworth deu a conhecer uma “nova” estrutura visual sobre o desenvolvimento sustentável – o Donut – ao relacionar dois conceitos-chave: teto ecológico e base social.
A Economia Donut consiste em dois anéis:
- O círculo interior do Donut – base social – representa os aspetos essenciais da vida que não deveriam faltar a ninguém. Criados a partir de prioridades sociais e, mais tarde, após 2015, relacionados com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, estes aspetos essenciais consistem no seguinte: alimentação suficiente, água potável e saneamento, acesso a educação e a cuidados de saúde, habitação digna, rendimento mínimo e emprego digno, acesso a redes de informação e a redes de apoio social. Este modelo incentiva a que estes aspetos sejam atingidos considerando a igualdade de género, a equidade social, a voz política, a paz e a justiça.
- O círculo exterior do Donut – teto ecológico – é ilustrado pelos nove interdependentes Limites do Planeta, estabelecidos, em 2009, por um grupo de cientistas liderado por Johan Rockström e que refletem os principais processos do Sistema Terrestre que deveriam ser garantidos de modo a estabilizar o “espaço operacional seguro”. Estes limites dizem respeito às alterações climáticas, à acidificação do oceano, à poluição química, ao ciclo de azoto e fósforo, ao uso de água doce, à alteração do uso do solo, à perda de biodiversidade, à poluição atmosférica e à destruição da camada de ozono.
- Entre os dois círculos – o espaço seguro e justo para a humanidade – onde as necessidades humanas são atendidas e a estabilidade do Sistema Terrestre é respeitada. Ou seja, onde o bem-estar social e o bem-estar planetário são assegurados e onde ocorre desenvolvimento sustentável e equilibrado, assente numa economia distributiva e regenerativa.
Princípios práticos da Economia Donut
Qualquer iniciativa que pretenda pôr em prática a Economia Donut, de modo a garantir a integridade das ideias deste modelo, deve trabalhar de acordo com os seguintes princípios:
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- Abraçar o objetivo do século XXI: procurar satisfazer as necessidades de todas as pessoas dentro dos recursos do planeta. As organizações devem procurar alinhar o seu propósito, redes, governação, propriedade e finanças com este objetivo;
- Ter uma visão abrangente: reconhecer os potenciais papéis do agregado familiar, dos bens comuns, do mercado e do Estado – e as suas muitas sinergias – na transformação das economias. Assegurar que as finanças servem o trabalho em vez de o dirigirem;
- Cultivar a natureza humana: promover a diversidade, a participação, a colaboração e a reciprocidade. Reforçar as redes comunitárias e trabalhar com um espírito de grande confiança. Preocupar-se com o bem-estar da equipa;
- Pensar em sistemas: experimentar, aprender, adaptar-se, evoluir e ter como objetivo a melhoria contínua. É necessário ter atenção a efeitos dinâmicos, ciclos de feedback e pontos de viragem;
- Ser distributivo: trabalhar no espírito da criação aberta e partilhar o valor criado com todos os envolvidos. Ter consciência do poder e procurar redistribuí-lo para melhorar a equidade entre as partes interessadas;
- Ser regenerativo: procurar trabalhar com e dentro dos ciclos do mundo vivo. Assumir uma postura de partilha, reparação, regeneração e administração. Reduzir as viagens, minimizar os voos e adotar práticas inteligentes em termos de clima e energia;
- Prosperar, em vez de crescer: não permitir que o crescimento se torne um objetivo em si mesmo. Saber quando permitir que o trabalho se difunda através de outros em vez de aumentar de tamanho;
- Ser estratégico na prática: equilibrar a abertura com a integridade, para que o trabalho se dissemine sem ser capturado. Partilhar a aprendizagem e a inovação para libertar o poder da inspiração entre pares.
Economia Donut – Da teoria à prática
O conceito de Economia Donut tem chamado à atenção aos formuladores e decisores políticos, tendo sido já adotado por algumas cidades. A cidade de Amesterdão foi pioneira ao formalmente adotar a Economia Donut no início de abril de 2020. Esta abordagem inovadora estabeleceu metas ambiciosas, incluindo uma redução de 50% no desperdício de alimentos até 2030 e iniciativas para facilitar o consumo consciente, como lojas de segunda mão e serviços de reparação. A capital holandesa demonstrou que a Economia Donut vai além da teoria, implementando ações concretas para criar uma sociedade mais sustentável.
O alcance deste movimento estende-se para além das fronteiras de Amesterdão, com 30 lugares de todo o mundo a explorarem o potencial do Donut através de várias ferramentas e métodos. Para além de Amesterdão, destacam-se exemplos como: Barcelona, Copenhaga, Portland, Nanaimo, a região de Bruxelas e a região da Cornualha. Estes casos relevam que o Donut pretende auxiliar na gestão e no planeamento, orientar estratégias, identificar as tendências atuais e desejadas relativas às trajetórias de desenvolvimento sustentável, informar os decisores, promover o diálogo e a discussão através da participação pública, entre outros.
As experiências revelam um processo altamente participativo com o envolvimento de partes interessadas dentro e fora da esfera governativa. Além dos decisores políticos e funcionários públicos, alguns casos contam com o apoio de especialistas e de instituições de ensino, enquanto outros pretendem envolver um maior número de atores através de vários mecanismos de participação onde a comunidade tem um papel preponderante, principalmente, na discussão de temas/prioridades e na seleção de indicadores de desenvolvimento sustentável.
Assim, a Economia Donut transcende a teoria, sendo uma abordagem prática e participativa no encontro de sociedades mais equitativas e sustentáveis.
Concluindo…
A Economia Donut revela-se uma grande e oportuna possibilidade para adaptação e evolução do modelo económico atual. Contudo, alguns desafios ainda necessitam de consideração, uma vez que este modelo procura a descentralização e redistribuição de poderes e recursos, coordenação multinível e uma visão orientadora que seja apartidária e robusta face a mudanças políticas. Outros obstáculos como a escassez de dados, a falta de harmonização de indicadores e a incerteza científica relativamente ao modelo são também aspetos desafiantes.
No entanto, o Donut revelou ser uma importante ferramenta técnica, participativa e governativa assente numa visão forte da sustentabilidade, que reconhece a existência de um sistema maior, finito e altamente interdependente e que não se cinge ao modelo “tradicional” e meramente económico.
Referências
Bravo Madeira, M. (2023). Economia Donut: Um Modelo Económico Alternativo em Prol da Humanidade e do Planeta. Smart Cities. URL: https://smart-cities.pt/opiniao-entrevista/economia-donut-um-modelo-economico-alternativo-em-prol-da-humanidade-e-do-planeta-20-07/. [Acedido em novembro de 2023]
Doughnut Economics Project (2023). About Doughnut Economics. URL: https://doughnuteconomics.org/about-doughnut-economics. [Acedido em novembro de 2023]
Santo, Mariana (2021). Em vez do PIB, já há cidades europeias que preferem a economia donut. Sapo Eco. URL: https://eco.sapo.pt/2021/04/17/em-vez-do-pib-ja-ha-cidades-europeias-que-preferem-a-economia-donut/. [Acedido em novembro de 2023]