Fertilização in vitro: uma nova esperança para salvar os rinocerontes da extinção
Uma crise global na biodiversidade?
A biodiversidade, que representa a enorme variedade de espécies animais e vegetais na Terra, é essencial para o equilíbrio dos ecossistemas e para o bem-estar humano. No entanto, as atividades humanas têm colocado uma pressão sem precedentes sobre a natureza, levando a uma aceleração drástica na extinção de espécies. A urbanização, a destruição de habitats, a poluição e as alterações climáticas estão entre os fatores que mais contribuem para esta crise global.
Apesar de décadas de investigação, ainda não sabemos exatamente quantas espécies habitam o nosso planeta, o que dificulta a medição da verdadeira escala desta crise. Em 1980, os cientistas ficaram surpreendidos ao descobrir uma diversidade imensa de insetos nas florestas tropicais, como num estudo de apenas 19 árvores no Panamá, onde 80% das 1.200 espécies de besouros identificadas eram desconhecidas. De facto, sabemos mais sobre o número de estrelas na nossa galáxia do que sobre a quantidade total de espécies na Terra (World Resources Institute (WRI), n.d).
Estima-se que existam entre 2 e 100 milhões de espécies, mas mesmo com esta incerteza, a taxa de extinção atual é alarmante. Especialistas estimam que a perda de espécies está entre 1.000 e 10.000 vezes acima da taxa natural de extinção (a chamada taxa de extinção de fundo). Dependendo do número total de espécies, isto significa que entre 200 e 100.000 espécies podem estar a desaparecer todos os anos (WWF, 2022). Estes números evidenciam a gravidade da crise, pois cada espécie perdida representa uma degradação nos ecossistemas, comprometendo serviços essenciais como a polinização, a regulação de pragas, a qualidade dos solos e a estabilidade climática.
Para monitorizar esta crise, organizações como a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) desenvolveram ferramentas como o Red List Index (RLI), que mede a mudança no risco de extinção de grupos de espécies ao longo do tempo. Embora o panorama global da biodiversidade permaneça sombrio, o RLI demonstra que os esforços de conservação, como a proteção de habitats e a regulamentação da caça e pesca, podem dar resultados positivos e desacelerar o ritmo de extinção.
Este contexto revela a urgência de cada esforço de preservação, especialmente quando a nossa intervenção é a única solução para espécies que enfrentam a extinção total.
A luta pela preservação dos rinocerontes-brancos-do-norte
A situação dos rinocerontes-brancos-do-norte é extremamente crítica. Restam apenas dois exemplares desta subespécie (Ceratotherium simum cottoni) em todo o mundo — Najin e Fatu, mãe e filha. Ambas são protegidas 24 horas por dia na unidade de conservação Ol Pejeta, no Quénia, onde Sudan, o último macho da subespécie, viveu até 2018. Sem capacidade para se reproduzirem naturalmente, os rinocerontes-brancos-do-norte estavam condenados à extinção. Contudo, uma inovadora gravidez por fertilização in vitro (FIV) trouxe uma nova esperança para a sua sobrevivência. Esta técnica, aplicada com sucesso pela primeira vez num rinoceronte-branco-do-sul, promete revolucionar os esforços de conservação, oferecendo uma última oportunidade para evitar a extinção da subespécie.
A fertilização in vitro tem sido desenvolvida pelo projeto Biorescue, uma colaboração internacional que envolve o Instituto Leibniz de Investigação Zoológica e Vida Selvagem (IZW) na Alemanha. A equipa conseguiu criar embriões viáveis em laboratório, utilizando óvulos recolhidos de Najin e Fatu e sémen de machos da mesma subespécie, preservado antes da sua morte. Existem 30 embriões preservados em azoto líquido, na Alemanha e em Itália. Estes embriões estão agora prontos para serem implantados em fêmeas de rinoceronte-branco-do-sul, uma subespécie com milhares de indivíduos e geneticamente próxima dos rinocerontes-brancos-do-norte.
Em janeiro de 2024, o projeto alcançou um marco importante ao realizar com sucesso uma gravidez de FIV num rinoceronte-branco-do-sul, após 13 tentativas, confirmando a viabilidade desta técnica para grandes mamíferos. No entanto, a tragédia marcou este progresso: a mãe-substituta morreu devido a uma infeção bacteriana, apesar de o feto se estar a desenvolver saudavelmente e ter uma probabilidade de 95% de nascer vivo. Este sucesso inicial deu aos cientistas a confiança de que a FIV pode ser aplicada em embriões de rinoceronte-branco-do-norte, oferecendo uma real possibilidade de salvar a subespécie.
Uma dificuldade adicional é que nenhuma das duas últimas fêmeas sobreviventes de rinoceronte-branco-do-norte tem condições de saúde adequadas para suportar uma gestação, devido à idade e a problemas de saúde. Por isso, o embrião será implantado no útero de uma fêmea de rinoceronte-branco-do-sul, que atuará como mãe-substituta para carregar a gravidez até ao nascimento, numa tentativa de ver nascer o primeiro rinoceronte-branco-do-norte em décadas.
Sublinha-se ainda a importância de concretizar esta missão enquanto Najin e Fatu ainda estão vivas, permitindo que um futuro vitelo de rinoceronte-branco-do-norte aprenda a “linguagem” e o comportamento da sua subespécie diretamente com as últimas representantes.
Ainda que o projeto enfrente desafios, como a limitada diversidade genética dos rinocerontes-brancos-do-norte, os investigadores exploram também alternativas inovadoras. Um dos avanços em estudo inclui a utilização de células estaminais para criar novos óvulos e espermatozoides, o que poderá aumentar a diversidade genética e as hipóteses de uma população viável no futuro. No entanto, alguns especialistas questionam o uso de tantos recursos numa subespécie tecnicamente extinta, sugerindo que esse investimento poderia beneficiar outras espécies em risco, mas que ainda têm populações viáveis.
Contudo, para os defensores do projeto, salvar os rinocerontes-brancos-do-norte representa mais do que um avanço científico. Destacam que a extinção desta subespécie foi causada pela ação humana, motivada pela ganância e pela procura dos chifres de rinoceronte, e não por pressões evolutivas naturais. Assim, consideram que a humanidade tem a responsabilidade de tentar reverter esse dano, utilizando todos os recursos científicos disponíveis.
Este avanço científico oferece uma nova esperança não só para os rinocerontes-brancos-do-norte, mas também para outras espécies em risco de extinção. A FIV e o uso de células estaminais são marcos na biotecnologia da conservação e podem abrir portas para uma preservação mais eficaz da biodiversidade global.
Referências
BBC, 2024. World’s first IVF rhino pregnancy ‘could save species’. URL: https://www.bbc.com/news/science-environment-68064432. [Acedido em outubro de 2024]
Diário de notícias, 2024. Fertilização in vitro bem sucedida pode salvar rinocerontes da extinção. URL: https://www.dn.pt/2875559822/fertilizacao-in-vitro-bem-sucedida-pode-salvar-rinocerontes-da-extincao/. [Acedido em outubro de 2024]
Observador, 2024. Primeira fertilização in vitro em rinoceronte pode salvar rinocerontes-brancos do norte. URL: https://observador.pt/2024/01/29/primeira-fertilizacao-in-vitro-em-rinoceronte-pode-salvar-rinocerontes-brancos-do-norte/. [Acedido em outubro de 2024]
IUCN, 2024. The IUCN Red List of Threatened Species (Version 2024-2). URL: https://www.iucnredlist.org. ISSN 2307-8235. [Acedido em outubro de 2024]
Parlamento Europeu, 2024. Perda de biodiversidade: quais as causas e as consequências? URL: https://www.europarl.europa.eu/topics/pt/article/20200109STO69929/perda-de-biodiversidade-quais-as-causas-e-as-consequencias. [Acedido em outubro de 2024]
WWF. (2022). What is biodiversity?. World Wildlife Fund. URL: https://wwf.panda.org/discover/our_focus/biodiversity/biodiversity/. [Acedido em outubro de 2024]