
Geração per capita de resíduos em alta: o que o aumento de resíduos em 2024 revela sobre a pressão no sistema e como responder
Portugal produziu 5,55 milhões de toneladas de resíduos urbanos em 2024, um aumento de 3,97% face a 2023, atingindo 517 kg/hab×ano no continente, o que corresponde a cerca de 1,4 kg/hab×dia, o que intensifica a pressão sobre recolha, triagem, tratamento e destinos finais num sistema já tensionado pelas metas nacionais e europeias até 2030, estas são: preparar para reutilização e reciclar pelo menos 60% dos resíduos urbanos, reduzir fortemente a deposição em aterro rumo ao limite de 10% em 2035, e garantir recolha seletiva plena de biorresíduos.
A subida rompe a estabilização recente e expõe fragilidades estruturais: recolha seletiva estagnada nos 23%, dominância do fluxo indiferenciado, eficiência limitada de recuperação em Tratamento Mecânico e Biológico (TMB) e dependência persistente de aterro nos destinos finais (54%).
Esta semana analisamos as causas prováveis da subida, os seus impactes operacionais e financeiros para Sistema de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) e municípios, e as respostas técnicas e contratuais prioritárias para travar o crescimento e aliviar a pressão sistémica.
O aumento: sinais e causas
A produção subiu para 5,55 Mt (+3,97%), contrariando a trajetória de estabilização prevista no Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU) 2030; a APA aponta o crescimento populacional, o turismo e população não registada como fatores com impacte na produção per capita de resíduos, que no continente fixou-se em 517 kg/hab×ano em 2024, acima da estimativa europeia (511 kg/hab.ano em 2023), mantendo 1,4 kg/hab×dia estável em cinco anos.
A análise por SGRU demonstra aumentos de geração per capita de resíduos generalizados, com casos acima de 5% (p.ex., Ecoleziria, Gesamb, RESIESTRELA, Tratolixo, VALORLIS) e forte influência de sazonalidade e população flutuante no Algarve (2,39 kg/hab×dia), evidenciando riscos de subdimensionamento e necessidade de uma maior elasticidade operacional.

Figura 1 – Evolução da produção de RU (t) e capitação diária (kg/hab.dia) em Portugal Continental, entre 2020 e 2024. Fonte: APA – RARU 2024: Relatório Anual de Resíduos Urbanos (versão completa e fichas SGRU).
Onde o sistema cede: recolha e mistura
A recolha seletiva continua a crescer de forma ténue e permanece nos 23% do total, enquanto a indiferenciada representa 75%, mais do triplo da seletiva, perpetuando contaminação e perdas de valor. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) recomenda acelerar a implementação de sistemas como o PAYT (pay-as-you-throw), sistemas de depósito e reembolso (SDR), expansão do “porta‑a‑porta”, fiscalização e campanhas nacionais de sensibilização constantes nos Plano de Ação para a Aplicação do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PAPERSU).
A caracterização física confirma o “elefante na sala”: biorresíduos são 38% dos RU, com quase metade dessa fração ainda no indiferenciado, e o plástico mantém presença relevante tanto na seletiva como na indiferenciada, revelando sub-captação e exigindo um reforço de circuitos seletivos e qualidade de deposição na origem.
Tratamento VS. resultado: o gap de desempenho
Em 2024, o TMB tornou-se o destino operacional inicial mais representativo (32%), com uma queda de 7% no encaminhamento direto a aterro; contudo, nos destinos finais, aterro mantém-se em 54% (−4%), compensado por maior incineração, sugerindo baixa eficiência de recuperação de materiais e orgânicos no percurso tratamento‑retoma.
A própria APA assinala que a estratégia centrada no TMB não garantiu as taxas de recuperação esperadas e, face a novas regras europeias (contabilização de biorresíduos só se recolhidos seletivamente ou reciclados na origem a partir de 2027), a inversão para recolha seletiva e qualidade de saída torna‑se mandatória para cumprir metas nesta década.
Pressão operacional e financeira
Cada subida de geração per capita de resíduos traduz-se em mais contentorização, rotas e OPEX, com impacte em frotas e turnos; a estagnação seletiva agrava custos de tratamento por via de TMB menos eficientes e maior fração residual encaminhada a aterro e valorização energética, que ainda representa cerca de 75% do que entra nos SGRU quando se soma aterro, VE e refugos/rejeitados, apesar de decréscimo desde 2020.
Persistem incumprimentos relevantes: em 3 SGRU mais de 80% dos RU foram diretamente para aterro em 2024, violando exigências de pré‑tratamento; embora tenha havido redução para 28% de deposição sem pré‑tratamento adequado, o Processo de Infração europeu permanece, pressionando orçamentos e exigindo soluções como partilha de instalações e upgrades tecnológicos.
Biorresíduos: a alavanca sistémica
Apesar de evoluções positivas (mais 32 municípios iniciaram recolha seletiva de biorresíduos em 2024 e mais 42 kt recolhidas), a taxa de captura municipal concentra-se entre 1–5% na maioria dos concelhos e ainda existem 41 municípios sem modelo implementado, o que limita a redução de impropriedades no indiferenciado e os “benefícios em cascata” sobre outras frações.
A reciclagem na origem arrancou com 157 municípios em 2024, mas, em média, representa frações ainda modestas do potencial; elevar a captação para 10 – 15% em 24 meses requer desenho de serviço por tipologia urbana, contratos de destino robustos e métricas de pureza para garantir valorização orgânica de qualidade e escoamento agrícola.
Figura 2 – Evolução do quantitativo de biorresíduos recolhidos seletivamente (t) e número de municípios a efetuar esta recolha entre 2022 e 2024.
Fonte: APA – RARU 2024: Relatório Anual de Resíduos Urbanos (versão completa e fichas SGRU).
Respostas imediatas: um roteiro técnico para municípios e SGRU
Acelerar medidas estruturais previstas nos PAPERSU: tarifário PAYT ou semelhante, alargamento porta‑a‑porta, SDR, fiscalização e campanhas nacional e locais, priorizando biorresíduos HORECA e domésticos com kits adequados e logística dedicada, reduzindo impropriedades e custo unitário por tonelada recuperada.
Otimizar o “mix” de tratamento e destinos: reforço de triagem fina, contratos de retoma com critérios de qualidade, produção de CDR a partir de refugos de TM/TMB quando adequado e partilha inter‑SGRU para mitigar dependências de aterro e cumprir pré‑tratamento, enquanto se planeiam investimentos que evitem “lock‑in”.
Conclusão
O aumento da geração per capita de resíduos em 2024 expõe um sistema que ainda depende em excesso da recolha indiferenciada, de TMB com recuperação limitada e de aterro nos destinos finais, colocando pressão operacional e financeira e risco de incumprimento face a metas nacionais e europeias; a resposta passa por travar a produção per capita, acelerar a recolha seletiva com foco em biorresíduos e elevar a qualidade dos materiais recuperados. Para SGRU e municípios, o caminho prático combina PAYT, porta‑a‑porta, reforço contratual de destinos, upgrades de triagem e partilha de capacidade, acompanhados de métricas de pureza e captação que assegurem valor e compliance até 2030.
Referências:
- Agência Portuguesa do Ambiente, 2025. Dados sobre resíduos urbanos (2024). URL: https://apambiente.pt/residuos/dados-sobre-residuos-urbanos[Acedido em outubro de 2025]
- Agência Portuguesa do Ambiente, 2025. RARU 2024 – Relatório Anual de Resíduos Urbanos. URL: https://apambiente.pt/sites/default/files/_Residuos/Producao_Gest%C3%A3o_Residuos/Dados%20RU/2024/raru_2024.pdf[Acedido em outubro de 2025]
- Agência Portuguesa do Ambiente, 2025. Resíduos urbanos — Relatório do Estado do Ambiente. URL: https://rea.apambiente.pt/content/res%C3%ADduos-urbanos[Acedido em outubro de 2025]
- Agência Portuguesa do Ambiente, 2024. Relatório do Estado do Ambiente 2024 — Destaques. URL: https://apambiente.pt/sites/default/files/_A_APA/Comunicacao/Destaques/2024/REA%202024/rea_2024_destaques.pdf[Acedido em outubro de 2025]
- República Portuguesa, 2023. PERSU 2030 — Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos. URL: https://files.dre.pt/1s/2023/03/06000/0000700139.pdf