O Custo Ambiental da Democracia: Quanto Pesa uma Eleição?
É indiscutível que as eleições são um dos pilares fundamentais da democracia, mas têm um custo ambiental que raramente é discutido. O impacte ambiental, que é o conjunto de recursos consumidos e aos efeitos sobre o ambiente gerados por uma atividade.
Neste artigo, exploramos o custo ambiental associado às eleições, analisando aspetos como o consumo de papel, o gasto energético e as emissões relacionadas com o transporte dos eleitores.
Como referência, usaremos os dados das eleições presidenciais de 2021 em Portugal, em que cerca de 9,4 milhões de eleitores estavam inscritos e pouco mais de 4 milhões votaram, refletindo uma taxa de abstenção superior a 50%.
O papel que sustenta a democracia
Nas eleições presidenciais de 2021, com cerca de 9,4 milhões de eleitores inscritos, podemos assumir que foram impressos, no mínimo, 9,4 milhões de boletins de voto, cada um ocupando uma folha A4.

Figura 1 – Produzir esta quantidade de papel envolve um consumo significativo de recursos.
Analisando a pegada hídrica, o consumo de água virtual necessário para a produção desta quantidade de papel podemos estimar que ronda os 94 milhões de litros, pois estima-se que cada folha A4 use cerca de 10 litros de água para ser produzida.
94 milhões de litros é o equivalente a quase 38 piscinas olímpicas!

Figura 2. Uma piscina olímpica, com 50 m de comprimento, 25 m de largura e pelo menos 2 m de profundidade, tem capacidade para cerca de 2,5 milhões de litros de água. A produção do papel necessário para as eleições presidenciais representa um consumo hídrico equivalente a encher aproximadamente 38 piscinas olímpicas deste tamanho.
Em termos de consumo de papel, se usarmos uma folha de gramagem inferior, por exemplo, 5 gramas por folha, multiplicando pelo valor de boletins, estima-se que seriam necessárias cerca de: 47 TONELADAS DE PAPEL.
As emissões de dióxido de carbono associadas ao consumo desta quantidade de papel representam um valor substancial.
A pegada de carbono da produção de papel é variável, mas uma estimativa média aceite é que a produção de 1 kg de papel gera cerca de 1,5 kg de CO₂ equivalente.
47.000 kg × 1,5 kg CO₂/kg = 70.500 kg CO₂
47 TONELADAS DE PAPEL = 70,5 TONELADAS DE CO₂!
A emissão de carbono de um veículo é calculada com base no seu consumo e no tipo de combustível. Para efeitos de comparação, podemos usar um cenário de referência, como o de um veículo que percorre 20 km por dia emitindo cerca de 4,55 kg de CO₂. Para gerar 70,5 toneladas de CO₂, esse veículo poderia conduzir 20 km por dia durante cerca de 2122 anos diariamente.
A Conta da Luz: Energia nas Assembleias de Voto
Para compreender melhor o consumo energético ligado às eleições, podemos olhar para o caso de uma escola básica que funciona como assembleia de voto. As eleições presidenciais de 2021 decorreram a 24 de janeiro, pleno inverno, quando anoitece por volta das 17h00.

Figura 3 – Nas eleições de 2021 4,262 milhões de pessoas votaram.
As assembleias de voto funcionam comummente das 8h00 às 19h00, sendo que nas últimas cinco horas (das 15h00 às 20h00, incluindo a contagem dos votos) é necessária iluminação artificial constante. Além disso, com temperaturas baixas em janeiro, o aquecimento dos espaços é essencial para garantir o conforto de eleitores e membros das mesas.
Numa escola básica típica, utilizada como assembleia de voto, o consumo total de energia elétrica ao longo do dia situa-se entre 50 e 80 kWh, considerando a iluminação, o aquecimento e os equipamentos necessários ao funcionamento das mesas eleitorais. Multiplicando este valor pelas milhares de assembleias de voto espalhadas por todo o país, o consumo total de energia elétrica para as eleições representa um gasto significativo.
Se considerarmos, por exemplo, 3.000 assembleias de voto em todo o território nacional, com um consumo médio de 65 kWh cada, teríamos um total de 195.000 kWh consumidos apenas no dia das eleições.
Este valor equivale ao consumo elétrico médio de cerca de 65 habitações durante um mês inteiro.
O peso de ir votar de carro
Nas presidenciais de 2021, cerca de 4 milhões de pessoas deslocaram-se às urnas para exercer o seu direito de voto. Cada uma destas deslocações, por mais curta que seja, tem um impacte ambiental associado, especialmente quando realizada de automóvel.

Figura 4 – O setor dos transportes é responsável pelo maior número de emissões de gases de efeito estufa.
Se considerarmos que a distância média percorrida por um eleitor até à sua assembleia de voto seja de aproximadamente 3 a 5 km (ida e volta). Considerando que uma parte significativa da população se desloca de carro (estudos estimam que cerca de 60% das deslocações em Portugal são feitas em automóvel), podemos calcular a pegada de carbono destas viagens.
Se assumirmos que 2,4 milhões de pessoas (60% dos 4 milhões de votantes) se deslocaram de carro, percorrendo em média 4 km, temos um total de 9,6 milhões de quilómetros percorridos. Considerando uma emissão média de 120g de CO₂ por quilómetro (valor típico para automóveis ligeiros), as deslocações para votar geraram aproximadamente 1.152 toneladas de CO₂.
Este valor é equivalente às emissões de cerca de 250 voos de ida e volta entre Lisboa e Porto, ou ao que um automóvel médio emitiria se circulasse continuamente durante mais de 4 anos.
É importante notar que este cálculo não inclui o transporte dos materiais eleitorais (urnas, boletins, documentação) entre os locais de armazenamento e as assembleias de voto, nem o regresso destes materiais para contagem centralizada, o que acrescentaria ainda mais ao total das emissões.
O custo de votar vs. O custo de não votar
Depois de quantificar estes números, é natural questionar: vale a pena este custo ambiental? A resposta é inequivocamente sim.
O impacte de não votar é incomparavelmente maior do que o impacte ambiental de realizar eleições. Só através da participação democrática podemos garantir que são tomadas as decisões certas para o futuro do nosso país e do planeta. Sem voto, sem escrutínio democrático, arriscamos políticas ambientais irresponsáveis, falta de regulação ambiental, desmantelamento de áreas protegidas e decisões que privilegiam interesses económicos de curto prazo em detrimento da sustentabilidade.
A história mostra-nos que as maiores catástrofes ambientais ocorreram frequentemente em contextos de falta de democracia, onde as populações não tinham voz para se opor a decisões prejudiciais. O custo ambiental de algumas dezenas de toneladas de papel e de emissões pontuais é insignificante comparado com o custo de décadas de más políticas ambientais.
Assim, o “peso” ambiental do ato de votar deve ser encarado como um investimento necessário na proteção do ambiente a longo prazo. É o preço que pagamos para garantir que temos voz nas decisões que moldarão o futuro ambiental das próximas gerações.
Existem alternativas?
Apesar de reconhecermos a necessidade das eleições, é legítimo questionar se existem formas de reduzir o seu impacte ambiental.
O voto eletrónico é frequentemente apresentado como alternativa ao papel. Se implementado, poderia eliminar as 47 toneladas de papel e os 94 milhões de litros de água associados. No entanto, esta solução levanta questões importantes de segurança informática, transparência do processo eleitoral e acessibilidade para toda a população, especialmente os mais idosos ou com menores competências digitais. Além disso, o voto eletrónico também tem a sua pegada ambiental: produção de equipamentos eletrónicos, consumo energético dos servidores, infraestrutura digital necessária e, eventualmente, o lixo eletrónico gerado. Por estas razões, o voto eletrónico ainda não é consensual em Portugal nem na maioria dos países europeus.
A solução mais imediata e pragmática passa pelo uso de papel reciclado ou certificado (FSC ou PEFC) para a produção dos boletins de voto. O papel reciclado pode reduzir o consumo de água em até 70% e as emissões de CO₂ em cerca de 40%, mantendo todas as garantias de transparência e segurança do processo. Alguns países europeus já adotaram esta prática com sucesso.
Outras pequenas melhorias podem incluir a utilização de assembleias de voto em edifícios energeticamente eficientes, o incentivo ao uso de transportes públicos ou deslocações a pé no dia das eleições, e a garantia de que todo o papel utilizado é posteriormente reciclado.
Referências:
Eleições Presidenciais Portuguesas de 2021, Ministério da Administração Interna.
URL: https://www.eleicoes.mai.gov.pt/presidenciais2021/ [Acedido em novembro de 2025]
Polígrafo, 2022. Portugal tem mais eleitores registados do que população residente?
URL: https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/portugal-tem-mais-eleitores-registados-do-que-populacao-residente/ [Acedido em novembro de 2025]
Instituto Akatu, 2021. Produção de folha de papel A4 necessita de 10 litros de água.
URL: https://akatu.org.br/painel-florestal-producao-de-folha-de-papel-a4-necessita-de-10-litros-de-agua/ [Acedido em novembro de 2025]
Wikipedia, Eleições presidenciais portuguesas de 2021. URL: https://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%B5es_presidenciais_portuguesas_de_2021 [Acedido em novembro de 2025]
[MR1]era giro arranjar umas fotos para ilustrar a dimensão da piscina olimpica