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    O fenómeno da ligação entre os portugueses e o bacalhau: o peixe que é “nosso” sem o ser

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    O fenómeno da ligação entre os portugueses e o bacalhau: o peixe que é “nosso” sem o ser

    Se pensarmos bem, é curioso como um peixe que não habita a nossa costa se tornou num dos maiores símbolos da gastronomia portuguesa. O bacalhau, também conhecido como o “fiel amigo”, tem uma ligação profunda com a identidade cultural e culinária de Portugal, uma relação com mais de 500 anos.

     

    Como o bacalhau se tornou português?

    A ligação entre Portugal e o bacalhau remonta à Idade Média, com os primeiros contactos comerciais entre os portugueses e os povos do Norte da Europa. Já no século XIV, há registos de trocas entre Portugal e Inglaterra, nas quais o sal português, reconhecido pela sua abundância e qualidade, era trocado por peixe. Já nessa época, o sal desempenhava um papel fundamental na conservação do bacalhau pescado nas águas frias do Atlântico Norte.

    Com os Descobrimentos, esta relação comercial ganhou uma nova relevância. A necessidade de alimentos duradouros e não perecíveis para as longas travessias marítimas levou os navegadores portugueses a procurar alternativas viáveis. Durante a procura do caminho marítimo para a Índia, os portugueses chegaram – por acaso – à Terra Nova, no atual Canadá, onde encontraram vastos bancos de bacalhau. A partir do final do século XV, teve início a tradição portuguesa da pesca do bacalhau nessas águas.

    Embora os vikings já praticassem a pesca e secagem do bacalhau desde o século IX, com registos de unidades de processamento na Islândia e Noruega, foi Portugal que introduziu uma inovação determinante: a técnica de salgar o peixe antes da secagem. Este método aumentava significativamente o tempo de conservação e conferia ao bacalhau um sabor distinto, que viria a marcar profundamente a gastronomia nacional.

     

    Figura 1. Várias categorias de bacalhau seco e salgado à venda numa mercearia tradicional portuguesa. As designações e preços refletem a origem (Islândia), o tipo de cura e o tamanho do peixe. Fonte: FOODONRROAD, 2025.

     

    Foi assim que o bacalhau, apesar de não habitar as águas portuguesas, passou a integrar de forma incontornável a identidade alimentar do país. Mais do que um ingrediente, tornou-se um símbolo da capacidade de adaptação, do engenho e da história marítima de Portugal.

     

    O bacalhau na cultura e identidade portuguesa

    Apesar de habitar as águas frias e profundas do Atlântico Norte, o bacalhau ocupa um lugar central na cultura e na alimentação dos portugueses. Estima-se que Portugal consuma cerca de 20% do bacalhau pescado em todo o mundo, o que revela não apenas a sua importância gastronómica, mas também o peso simbólico e afetivo que este peixe carrega.

    De acordo com dados do Norwegian Seafood Council (NSC), cada português consome, em média, 15 quilogramas de bacalhau por ano, um valor que se tem mantido estável ao longo do tempo. Só durante a época do Natal, que representa 30% do consumo anual, as famílias portuguesas chegam a consumir cerca de oito mil toneladas desta iguaria.

    O bacalhau é protagonista de mais de mil receitas tradicionais, sendo presença obrigatória em pratos emblemáticos como bacalhau com natas, à Brás, à Gomes de Sá, espiritual, à lagareiro ou em forma de pataniscas… A sua versatilidade culinária transformou-o num verdadeiro património gastronómico nacional, transversal a todas as regiões e gerações, com especial destaque para a ceia de Natal, onde assume o papel de prato principal em muitas famílias.

    No entanto, a relação dos portugueses com o bacalhau vai além da gastronomia. O peixe está profundamente enraizado no imaginário coletivo e na linguagem popular, como ilustram expressões como “ficar em águas de bacalhau”, utilizada para referir algo que não se concretizou, ou “dá cá um bacalhau”, expressão coloquial usada para pedir um cumprimento ou um aperto de mão.

     

    Um recurso vulnerável

    O bacalhau mais consumido em Portugal pertence à espécie Gadus morhua, que habita as regiões frias do Atlântico Norte, especialmente as águas do Mar da Noruega, Islândia, Gronelândia e Canadá. Apesar da sua elevada procura e valor comercial, esta espécie enfrenta ameaças sérias à sua sustentabilidade.

     

    Figura 2. Bacalhau (Gadus morhua). Fonte: Aquatividade, 2023.

     

    A pesca intensiva, aliada aos impactes das alterações climáticas, tem comprometido a capacidade de reposição natural dos stocks. Em 1996, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) classificou o Gadus morhua como uma espécie vulnerável, alertando para o risco de colapso das populações em determinadas zonas, nomeadamente na costa atlântica do Canadá.

    Face a esta situação, têm sido implementados planos anuais de gestão e conservação, com o objetivo de controlar a pressão sobre os stocks e permitir a sua recuperação gradual. Em 2023, por exemplo, a Organização de Pescas do Atlântico Noroeste (NAFO) decidiu aumentar ligeiramente o Total Admissível de Captura (TAC) de bacalhau no Canadá, passando para 6.100 toneladas, uma medida que reflete algum sinal de recuperação, embora ainda insuficiente para garantir a estabilidade da espécie a longo prazo.

    Estes desafios reforçam a urgência de adotar práticas de pesca sustentáveis e de promover o consumo consciente, assegurando a preservação dos ecossistemas marinhos e a continuidade de uma tradição tão enraizada na cultura portuguesa.

     

    Como consumir bacalhau de forma mais responsável?

    O bacalhau é um símbolo da gastronomia portuguesa, mas a sua elevada procura e a pressão sobre os recursos marinhos exigem um compromisso com práticas de consumo mais sustentáveis. Adotar critérios responsáveis na escolha do bacalhau permite não só proteger os ecossistemas, mas também assegurar a continuidade desta tradição nacional.

    Para um consumo mais informado e consciente, considere os seguintes aspetos:

    1 – Verifique a origem

    Prefira bacalhau proveniente de regiões com stocks mais sustentáveis, como o Mar de Barents, a Islândia ou a Gronelândia, onde existem planos rigorosos de gestão das pescas.

    2 – Procure certificações reconhecidas

    Escolha bacalhau com certificações que garantam práticas de pesca e produção sustentáveis. O selo MSC (Marine Stewardship Council) assegura que o pescado é selvagem, rastreável e capturado de forma responsável, com respeito pela biodiversidade marinha.

    Verifique também se o produto apresenta símbolos como o de Pescado Sustentável Certificado (Certified Sustainable Seafood) ou de Aquacultura Responsável Certificada (Farmed Responsibly Certified), que atestam o cumprimento de normas rigorosas de sustentabilidade ao longo da cadeia de produção e fornecimento.

     

    Figura 3. Selos de certificação ambiental para produtos do mar.

     

    3 – Valorize fornecedores responsáveis

    Informe-se sobre o percurso do produto até ao consumidor. Opte por marcas que adotam práticas de pesca ética e sustentável, promovem a transparência da cadeia de abastecimento e respeitam as comunidades piscatórias.

     

    Conclusão

    A continuidade da presença do bacalhau na alimentação portuguesa depende hoje de decisões informadas e de uma gestão sustentável dos recursos marinhos.

    Adotar critérios de escolha baseados na origem, certificação e responsabilidade dos fornecedores não é apenas uma opção consciente, é uma necessidade para garantir a viabilidade económica e ecológica do setor.

    Consumir com responsabilidade é, cada vez mais, parte integrante da valorização de um produto com relevância histórica e cultural.

     

    Referências

    CNN Portugal. (2023). Por ano, cada português come uma média de 15 quilos de bacalhau e no Natal o consumo aumenta 30%. URL: https://cnnportugal.iol.pt/bacalhau/comida/por-ano-cada-portugues-come-uma-media-de-15-quilos-de-bacalhau-e-no-natal-o-consumo-aumenta-30/20231223/6586b6afd34e371fc0bb45d1 [Acedido em junho de 2025].

    Fernandes, I. (2018). Bacalhau: o “fiel amigo” dos portugueses. História, petiscos e receitas. Ecomandanga. URL: https://ecomandanga.wordpress.com/2018/06/21/bacalhau-o-fiel-amigo-dos-portugueses/ [Acedido em junho de 2025].

    Oceanário de Lisboa. (2022). Bacalhau na mesa dos portugueses: existem opções mais sustentáveis? URL: https://oceanario.pt/bacalhau-na-mesa-dos-portugueses-existem-opcoes-mais-sustentaveis/ [Acedido em junho de 2025].

    Público. (2017). Portugueses começaram a pescar bacalhau na Terra Nova depois de um engano. URL: https://www.publico.pt/2017/07/10/ciencia/noticia/portugueses-comecaram-a-pescar-bacalhau-na-terra-nova-depois-de-um-engano-1778368  [Acedido em junho de 2025].