O lobo e a regressão na sua conservação: Pressões políticas e desafios para a conservação do lobo
Dando continuidade á temática da semana passada, onde abordámos a decisão de reduzir o estatuto de proteção do lobo na Europa, aprovada em dezembro de 2024, exploramos agora os fatores que levaram a essa decisão. Este desfecho foi moldado por pressões políticas, interesses económicos e mudanças no cenário político europeu. A reclassificação do lobo reflete desafios complexos, envolvendo conflitos entre a recuperação de uma espécie emblemática e as reivindicações de comunidades rurais e setores agrícolas. Neste texto, analisamos os principais fatores que influenciaram esta decisão e os seus impactes ecológicos e sociais.
A influência dos lobbies agrícolas
A decisão de reduzir a proteção do lobo resultou de intensas pressões de agricultores, caçadores e lobbies agrícolas, como a Copa-Cogeca, que representa associações agrícolas europeias. Estes grupos argumentam que os ataques de lobos aos rebanhos têm causado prejuízos significativos, especialmente em regiões onde a população da espécie está em recuperação. Para esses setores, a medida foi apresentada como uma solução para equilibrar as necessidades de conservação com as atividades económicas, promovendo uma convivência mais harmoniosa entre os lobos e as comunidades rurais.
No entanto, a aprovação desta medida priorizou interesses económicos em detrimento de estratégias baseadas em ciência, ignorando soluções preventivas que poderiam mitigar os conflitos sem comprometer os esforços de conservação.
Mudanças no cenário político europeu
O cenário político europeu também teve um papel decisivo na aprovação da medida. A saída de Frans Timmermans, defensor do Pacto Ecológico Europeu, enfraqueceu o foco nas políticas ambientais da União Europeia. Este vazio foi rapidamente preenchido por partidos conservadores, como o Partido Popular Europeu (PPE), que defende os interesses agrícolas e promoveu a narrativa de que a recuperação do lobo é incompatível com as necessidades das comunidades rurais.
Adicionalmente, o ataque de um lobo ao pónei Dolly, animal de estimação de Ursula Von Der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, tornou-se um evento mediático que intensificou o debate público sobre os conflitos entre lobos e humanos. Este episódio foi amplamente utilizado para justificar a necessidade de uma revisão no estatuto de proteção da espécie.
A situação crítica do lobo-ibérico em Portugal
Enquanto o debate europeu era marcado por tensões e interesses políticos, a situação do lobo-ibérico em Portugal permanecia preocupante. Entre 2019 e 2021, a área de presença confirmada da espécie diminuiu 23%, passando de 20.400 km² para 16.000 km². O número de alcateias também sofreu uma redução de 8%, reflexo de desafios como perda de habitat, perseguição humana e escassez de presas naturais (Portal do Censo Nacional do Lobo 2019/2021, 2024).
De acordo com os dados mais recentes do censo do lobo-ibérico, divulgados em dezembro de 2024, Portugal perdeu pelo menos cinco alcateias nos últimos 20 anos. Esta redução reflete a pressão contínua sobre a espécie, que enfrenta desafios agravados por fatores como alterações climáticas, incêndios florestais e expansão de atividades humanas.
Apesar de algumas melhorias pontuais, como na Peneda-Gerês, onde o número de alcateias aumentou 50% no mesmo período, o cenário geral permanece alarmante. Em Portugal, o lobo-ibérico é classificado como “Em Perigo” no Livro Vermelho, contrastando com Espanha, onde é considerado “Quase Ameaçado.” A redução do estatuto de proteção europeu agrava essa fragilidade, ao desincentivar ações de conservação integradas entre os dois países, dificultando ainda mais a recuperação desta subespécie emblemática e crucial para os ecossistemas.
Para que o lobo-ibérico tenha uma chance de sobrevivência a longo prazo, será necessária uma combinação de esforços nacionais e europeus, com foco na conservação dos seus habitats, no reforço das populações de presas naturais e na promoção de estratégias de coexistência com as comunidades locais.
[1] O UTM – Universal Transverse Mercator é um sistema de coordenadas utilizado para representar e localizar pontos na superfície da Terra. É um sistema de projeção cartográfica amplamente utilizado em todo o mundo para fins de mapeamento e navegação.
Impactes ecológicos e sociais da decisão
O lobo é um predador de topo essencial para o equilíbrio dos ecossistemas, regulando populações de herbívoros e promovendo a biodiversidade. A sua redução pode gerar desequilíbrios ecológicos significativos, afetando a saúde dos habitats naturais e as atividades humanas que dependem de ecossistemas funcionais.
Por outro lado, a redução do estatuto de proteção pode intensificar conflitos entre lobos e comunidades rurais. Sem medidas preventivas e estratégias eficazes de coexistência, as tensões sociais podem aumentar, dificultando ainda mais os esforços de conservação e a aceitação da espécie pelas populações locais.
Soluções para uma convivência sustentável
Especialistas defendem que a solução para os conflitos entre lobos e humanos deve basear-se em medidas preventivas, como o uso de cercas, cães pastores e apoios técnicos para agricultores. Estas estratégias têm demonstrado eficácia na redução de ataques ao gado sem prejudicar as populações de lobos.
Além disso, políticas de compensação justa para os agricultores afetados e incentivos para práticas agrícolas sustentáveis podem contribuir para uma convivência mais equilibrada. A implementação de programas educativos para sensibilizar as comunidades sobre o papel ecológico do lobo é também essencial para promover a coexistência.
Conclusão
A reclassificação do lobo como “protegido” na Europa reflete um conflito entre interesses políticos e económicos e a necessidade de proteger uma espécie essencial para os ecossistemas. Embora apresentada como uma solução para aliviar tensões entre lobos e humanos, a decisão ignora medidas preventivas mais eficazes e põe em risco a recuperação de uma espécie já ameaçada.
Para garantir o futuro do lobo-ibérico, é crucial que os Estados-Membros da União Europeia adotem políticas baseadas em ciência, promovendo soluções integradas que conciliem a proteção ambiental com as necessidades das comunidades locais. A proteção do lobo não é apenas uma questão de biodiversidade; é um teste à capacidade da Europa de liderar esforços globais de conservação e de garantir um futuro sustentável para a coexistência entre humanos e a natureza.
Referências:
ANP|WWF. (2024). ANP|WWF apela a medidas urgentes face ao agravamento do estado de conservação do lobo-ibérico. URL : https://www.natureza-portugal.org/conteudos2/noticias/?16350441/ANPWWF-APELA-A-MEDIDAS-URGENTE-FACE-AO-AGRAVAMENTO-DO-ESTADO-DE-CONSERVAO-DO-LOBO-IBRICO [Acedido em dezembro de 2024]
ANP|WWF. (2024). Portugal contradiz-se e vota pela diminuição do estatuto de conservação do lobo. URL: https://www.natureza-portugal.org/conteudos2/noticias/?15077916/PORTUGAL-CONTRADIZ-SE-E-VOTA-PELA-DIMINUIO-DO-ESTATUTO-DE-CONSERVAO-DE-LOBO [Acedido em dezembro de 2024]
ANP|WWF. (2024). Pressionada pela UE, Convenção de Berna aprova diminuição do estatuto de proteção do lobo. URL: https://www.natureza-portugal.org/conteudos2/noticias/?16152841/PRESSIONADA-PELA-UE-CONVENO-DE-BERNA-APROVA-DIMINUIO-DO-ESTATUTO-DE-PROTEO-DO-LOBO [Acedido em dezembro de 2024]
Público. (2024). Querem reduzir a proteção do lobo. O que levou Portugal a concordar?. URL : https://www.publico.pt/2024/09/25/azul/noticia/querem-reduzir-proteccao-lobo-levou-portugal-concordar-2105438 [Acedido em dezembro de 2024]
Público. (2024). Censo do lobo-ibérico revela que Portugal perdeu pelo menos cinco alcateias em 20 anos. URL : https://www.publico.pt/2024/12/16/azul/noticia/censo-loboiberico-revela-portugal-perdeu-menos-cinco-alcateias-20-anos-2115853 [Acedido em dezembro de 2024]
Portal do Censo Nacional do Lobo 2019/2021 (2024). Situação Populacional do Lobo em Portugal 2019/2020. URL: https://censo-2019-2021.loboiberico.pt/. [Acedido em dezembro de 2024]