O lobo e a regressão na sua conservação: Um retrocesso perigoso na proteção do lobo
Em dezembro de 2023, a Presidente da Comissão Europeia apresentou uma proposta que gerou intensos debates: a redução do estatuto de proteção do lobo na Europa. Esta medida, ao abrigo da Convenção de Berna, visava reclassificar o lobo de “estritamente protegido” para “protegido”, baseando-se em argumentos de que a espécie teria aumentado a sua população e área de distribuição em algumas regiões europeias. Contudo, a proposta negligenciava a realidade de muitos territórios, onde o lobo continua vulnerável. Inicialmente, Portugal posicionou-se contra esta decisão, em linha com a sua tradição de defesa da biodiversidade. Porém, em setembro de 2024, de forma inesperada, alterou o seu voto, justificando a mudança com a garantia de que a legislação nacional continuaria a proteger o lobo-ibérico.
Portugal: Uma decisão com impacte transfronteiriço
Embora o Governo português tenha afirmado que a legislação interna não seria afetada, esta decisão tem implicações que vão além das fronteiras nacionais. O lobo-ibérico, uma subespécie do lobo cinzento presente em Portugal e Espanha, depende de políticas integradas e coordenadas para garantir a sua sobrevivência. A redução do estatuto de proteção europeu enfraquece essa cooperação, comprometendo a eficácia dos esforços de conservação.
Além disso, esta decisão ocorre num momento crítico para a espécie. Dados recentes mostram que, em Portugal, a área de presença confirmada do lobo-ibérico diminuiu 23% nas últimas duas décadas, e o número de alcateias sofreu uma redução de 8% (Portal do Censo Nacional do Lobo 2019/2021, 2024). Estes números refletem um declínio contínuo, agravado pela perda de habitat, perseguição humana, escassez de presas naturais e os efeitos das alterações climáticas. Sem uma abordagem transfronteiriça e integrada, as populações de lobo-ibérico continuarão em risco.
Consequências para a biodiversidade europeia
A decisão de Portugal também levanta preocupações sobre o impacte desta reclassificação na conservação de outras espécies protegidas. Especialistas em conservação alertam que a redução do estatuto de proteção do lobo pode abrir precedentes para a desproteção de outras espécies ameaçadas, enfraquecendo os compromissos da União Europeia com a biodiversidade, como estabelecido no Pacto Ecológico Europeu.
Evidências científicas desconsideradas
Estudos realizados pela Comissão Europeia e por organizações científicas independentes mostram que a recuperação do lobo está longe de ser concluída. Apesar de algumas populações regionais apresentarem sinais de recuperação, os desafios enfrentados pela espécie permanecem significativos em grande parte da sua área de distribuição. Além disso, as evidências indicam que o lobo desempenha um papel crucial nos ecossistemas, ajudando a regular populações de herbívoros e promovendo a saúde dos habitats naturais.
Ao desconsiderar essas evidências, a decisão de reduzir o estatuto de proteção do lobo ignora os princípios fundamentais da conservação baseados em ciência. Esta abordagem compromete os esforços para alcançar as metas de conservação estabelecidas pela União Europeia e pela Convenção de Berna.
Conclusão
A decisão de reclassificar o lobo-ibérico como “protegido” representa um retrocesso nos esforços de conservação da biodiversidade na Europa. Apesar das garantias do Governo português de que a legislação nacional continuará a proteger a espécie, essa abordagem isolada é insuficiente para lidar com os desafios transfronteiriços que ameaçam o lobo-ibérico.
Esta medida compromete não apenas a recuperação de uma espécie crucial para os ecossistemas, mas também a credibilidade da União Europeia como líder na proteção ambiental. Para reverter este cenário, é fundamental que os Estados-Membros adotem políticas baseadas em ciência, promovendo soluções que conciliem a coexistência entre humanos e lobos sem sacrificar a biodiversidade.
A proteção do lobo é mais do que uma questão ambiental; é um teste à integridade e ao compromisso da Europa com o futuro sustentável. No texto da próxima semana, continuaremos a abordar este tema, explorando as pressões políticas e os impactes sociais e ecológicos desta decisão.
Referências
ANP|WWF. (2024). ANP|WWF apela a medidas urgentes face ao agravamento do estado de conservação do lobo-ibérico. URL : https://www.natureza-portugal.org/conteudos2/noticias/?16350441/ANPWWF-APELA-A-MEDIDAS-URGENTE-FACE-AO-AGRAVAMENTO-DO-ESTADO-DE-CONSERVAO-DO-LOBO-IBRICO [Acedido em dezembro de 2024]
ANP|WWF. (2024). Portugal contradiz-se e vota pela diminuição do estatuto de conservação do lobo. URL: https://www.natureza-portugal.org/conteudos2/noticias/?15077916/PORTUGAL-CONTRADIZ-SE-E-VOTA-PELA-DIMINUIO-DO-ESTATUTO-DE-CONSERVAO-DE-LOBO [Acedido em dezembro de 2024]
ANP|WWF. (2024). Pressionada pela UE, Convenção de Berna aprova diminuição do estatuto de proteção do lobo. URL: https://www.natureza-portugal.org/conteudos2/noticias/?16152841/PRESSIONADA-PELA-UE-CONVENO-DE-BERNA-APROVA-DIMINUIO-DO-ESTATUTO-DE-PROTEO-DO-LOBO [Acedido em dezembro de 2024]
Público. (2024). Querem reduzir a proteção do lobo. O que levou Portugal a concordar?. URL : https://www.publico.pt/2024/09/25/azul/noticia/querem-reduzir-proteccao-lobo-levou-portugal-concordar-2105438 [Acedido em dezembro de 2024]
Público. (2024). Censo do lobo-ibérico revela que Portugal perdeu pelo menos cinco alcateias em 20 anos. URL : https://www.publico.pt/2024/12/16/azul/noticia/censo-loboiberico-revela-portugal-perdeu-menos-cinco-alcateias-20-anos-2115853 [Acedido em dezembro de 2024]
Portal do Censo Nacional do Lobo 2019/2021 (2024). Situação Populacional do Lobo em Portugal 2019/2020. URL: https://censo-2019-2021.loboiberico.pt/. [Acedido em dezembro de 2024]