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    Os incêndios e as alterações climáticas, jurídicas e comportamentais

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    Os incêndios e as alterações climáticas, jurídicas e comportamentais

    Os incêndios florestais tornaram-se um dos maiores desafios de Portugal, surgindo como um fenómeno quase anual que afeta não só a biodiversidade e os recursos naturais, mas também a economia e a segurança das populações. Este problema agrava-se ao decorrer das décadas devido às alterações climáticas, que aumentam as condições propícias para o fogo, alterando a duração e intensidade do período crítico e impondo uma nova dinâmica nos fogos. O objetivo deste artigo é analisar o cenário atual, debater as ações essenciais para inverter esta trajetória e refletir sobre a evolução legislativa, sempre com vista a um modelo de gestão florestal mais resiliente e adaptado às realidades presentes e projeções futuras.

     

    Cenário Atual: Alterações Climáticas e Incêndios

    Portugal é um dos países europeus mais afetados pelos incêndios, tendo perdido cerca de 13% do seu território para as chamas nas últimas décadas. O ano de 2025 tem sido especialmente preocupante, com mais de 220 mil hectares já ardidos, o que reforça a tendência para verões cada vez mais longos e secos, ligados diretamente à instabilidade do clima. Estudos recentes mostram que o risco de incêndios extremos aumentou em cerca de 40 vezes ao longo dos últimos anos, fruto de ondas de calor e secas prolongadas que alteram profundamente o regime hidrológico e a inflamação das zonas florestais e rurais.

     

    Figura 1 – Aldeia abandonada em zona rural de Portugal. Fonte: Foto de Veronika Wölfelová na Unsplash

     

    Para além do clima, o próprio modelo de ocupação do território contribui para este risco elevado. O abandono rural, o parcelamento irregular dos terrenos e o uso intensivo de espécies como o eucalipto criam um terreno extremamente inflamável e fragmentado, que facilita a propagação das chamas. Por isso, é urgente implementar políticas que combinem prevenção ativa, inovação tecnológica e reorganização do território de forma integrada.

     

    Como alterar o Paradigma?

    Para Portugal conseguir inverter a trajetória dos incêndios, é necessário adotar uma abordagem multidisciplinar que integre diferentes áreas. Em primeiro lugar, é fundamental promover a diversificação e a gestão ativa do território, criando mosaicos que combinem áreas florestais com agricultura e preservando as espécies autóctones  como o Castanheiro, Azinheira e Medronheiro. A manipulação do combustível vegetal, que permite conter o avanço do fogo, é também decisiva para reduzir os riscos, assim como é necessário reverter o domínio excessivo das monoculturas florestais altamente inflamáveis.

    A prevenção deve ser contínua e envolver as comunidades locais, pois a limpeza e gestão dos combustíveis não devem ser limitadas a períodos sazonais. Devem ser implementadas ações coordenadas e regulares, com campanhas de sensibilização que reforcem a responsabilização dos proprietários e fomentem o uso das queimadas controladas como técnica tradicional e segura de controlo do território.

     

    Figura 2 – Fotografia da ignição de uma pequena queimada controlada. Fonte: Banco de imagens Freepik

     

    No campo tecnológico, Portugal conta com sistemas como o CICLOPE, que usam torres de videovigilância inteligentes, mas é necessário ampliar a cobertura e integrar tecnologias de ponta, como sensores LiDAR e satélites de monitorização, que potenciem a deteção precoce e a capacidade de resposta rápida com base em monitorização em tempo real. Outro ponto fundamental prende-se com o incentivo ao repovoamento rural e à agricultura sustentável, porque uma população ativa no interior promove a gestão diária do território, reduzindo a carga de combustíveis e aumentando a resiliência da paisagem aos incêndios.

    Por fim, é indispensável que as políticas públicas sejam integradas e transversais, agregando a floresta, a saúde, a proteção civil, o ordenamento do território e as infraestruturas para criarem planos adaptados ao contexto das alterações climáticas, que sejam operáveis, vigilantes e continuamente revistos pelas autoridades competentes.

     

    Legislação existente e evolução

    No que diz respeito à legislação, Portugal tem vindo a fazer progressos importantes na modernização do quadro relacionado com a defesa da floresta contra incêndios. A criação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) em 2017 representou um avanço relevante ao centralizar a coordenação entre os diversos órgãos e entidades responsáveis pela prevenção e combate às chamas.

     

    Figura 3 – Fotografia de grupo de pessoas a analisar um documento jurídico. Fonte: Banco de imagens Freepik

     

    O  reforçou as políticas de prevenção, gestão do combustível e fiscalização, focando-se bastante na responsabilização dos proprietários privados e na intervenção do Estado em casos de incumprimento.

    Em 2025, veio introduzir um conjunto de 45 medidas destinadas a reforçar a prevenção, a operacionalidade dos meios, o apoio social às populações afetadas e os mecanismos para a recuperação dos territórios após incêndio, contemplando ainda a adaptação das ações ao contexto das alterações climáticas.

    No entanto, apesar destes avanços, a legislação ainda não consegue responder de forma eficaz às mudanças profundas necessárias na estrutura do território e na propriedade rural. Continuam a existir obstáculos no que toca a mecanismos para a concentração fundiária, à articulação entre planos setoriais e à fiscalização eficaz, assim como à integração do risco climático em instrumentos de ordenamento urbano e rural, aspetos que são cruciais para garantir uma resposta sustentável a médio e longo prazo.

     

    Conclusão

    A crise dos incêndios em Portugal é um problema multifatorial, ampliado pelas alterações climáticas, que exige uma forma de pensar e agir completamente renovada. O setor da engenharia, seja florestal, agrónoma ou do ambiente, em conjunto com os decisores políticos e a sociedade civil, tem um papel central nesta transição necessária, desde o planeamento técnico rigoroso até à criação de processos de governação inclusivos e participados.

    Só desta forma será possível garantir que os incêndios não continuarão a devastar milhares de hectares e a ameaçar a segurança e o património do país. A mudança é necessária, perdem-se vidas, ecossistemas de valor incalculável e apenas com decisões firmes, inovação constante e um sentido coletivo de responsabilidade poderemos atenuar o efeito deste fenómeno que tanto nos afeta.

     

    Referências: