Questões éticas na criação e distribuição de créditos de carbono
Na semana passada, abordámos o funcionamento dos créditos de carbono e o seu papel no combate às alterações climáticas. Explorámos como as empresas/países podem utilizar este mecanismo para compensar as suas emissões, comprando créditos que financiam projetos de redução de carbono, como a reflorestação ou a produção de energia renovável.
Hoje, aprofundamos as questões éticas que envolvem a criação e a distribuição desses créditos, refletindo sobre os desafios existentes no funcionamento deste mercado.
Os créditos de carbono, à primeira vista, parecem ser uma solução prática para mitigar as emissões de gases com efeito de estufa (GEE). No entanto, a compra de créditos de carbono, embora útil, não está isenta de críticas e o sistema levanta questões relacionadas com a justiça ambiental, a equidade económica entre países de elevados e baixos rendimentos, a manipulação de mercados, e as consequências para as comunidades locais.
Desigualdade na distribuição de créditos de carbono
Uma das principais preocupações éticas no sistema de créditos de carbono prende-se com a sua falta de equidade. Os países de elevados rendimentos, com recursos financeiros significativos, conseguem investir facilmente em projetos de grande escala para reduzir as suas emissões. Em contrapartida, os países com rendimentos mais baixos e, assim, com menos capacidade de financiamento, muitas vezes são pressionados a vender os seus créditos de carbono a preços baixos. Desta forma, acabam por permitir que as nações com rendimentos mais elevados continuem a poluir, sem fazerem alterações significativas nas suas práticas, o que perpétua um ciclo de dependência económica e ambiental.
Este sistema corre o risco de transformar os países com baixos rendimentos em “depósitos de poluição”, onde se permite que a poluição continue, desde que seja “compensada” através de transações financeiras.
Manipulação e corrupção no mercado de créditos de carbono
Outro desafio ético significativo é a potencial manipulação e corrupção do mercado. Sem uma regulamentação rigorosa e mecanismos de supervisão adequados, existe o risco de que créditos fraudulentos sejam criados ou vendidos, comprometendo a integridade do sistema. Este cenário pode gerar desconfiança na eficácia dos créditos de carbono como ferramenta de redução de emissões, uma vez que as reduções registadas no papel podem não corresponder a reduções reais na prática.
Além disso, sem uma monitorização eficiente, algumas empresas/países podem contornar as suas responsabilidades ambientais, comprando créditos de carbono em vez de concretizar medidas que conduzam à redução das suas próprias emissões. Esta prática corrompe o objetivo do sistema e prejudica a sua credibilidade.
Estímulo a mudanças reais ou greenwashing?
Um dos aspetos mais controversos deste sistema é a sua capacidade de promover mudanças sustentáveis genuínas. Os críticos argumentam que, ao permitir que as empresas/países comprem créditos para compensar as suas emissões, o sistema pode desincentivar a adoção de medidas mais profundas e duradouras para reduzir as emissões. Em vez de investirem em soluções de longo prazo, como a transição para energias renováveis ou a modernização dos processos industriais, as empresas/países podem optar por continuar a poluir e compensar impactes negativos através da compra de créditos de carbono.
Esta abordagem pode resultar no que muitos designam por greenwashing, ou seja, uma falsa responsabilidade ambiental. O problema central do greenwashing não é apenas a falta de uma verdadeira redução nas emissões, mas sim a comunicação de uma imagem falsa de sustentabilidade, como se essas reduções estivessem a acontecer de forma significativa. Na realidade, as mudanças operacionais podem ser mínimas, com as empresas/países a aparentarem um compromisso ambiental, sem, no entanto, alterarem as suas práticas que continuam a produzir emissões.
O verdadeiro objetivo do sistema deve ser reduzir as emissões na sua origem, incentivando as empresas/países a adotarem práticas mais sustentáveis a longo prazo.
A responsabilização, por outro lado, garante que os participantes no mercado de créditos de carbono são “cobrados” pelas suas próprias ações. Isto significa que as empresas/países que não atingem as suas metas de redução de emissões devem enfrentar consequências, que podem incluir sanções financeiras ou a perda de créditos de carbono. A responsabilização também implica que as organizações responsáveis pela verificação e monitorização dos créditos de carbono sejam fiáveis e desempenhem ética e corretamente as suas funções.
A necessidade de transparência e supervisão
As considerações éticas mencionadas destacam a importância de regulamentação e supervisão eficazes no mercado de créditos de carbono. Para garantir que o sistema funciona de forma justa e eficiente, é essencial que seja implementado com transparência total em todas as etapas, desde a criação dos créditos até à sua comercialização. Isto resulta na verificação rigorosa dos projetos de compensação de emissões, assegurando que os mesmos estão a gerar os benefícios ambientais prometidos.
A transparência e a responsabilização são fatores cruciais para construir a confiança no mercado de créditos de carbono. Sem isso, o risco de manipulação e fraude pode comprometer a viabilidade do sistema e prejudicar os esforços globais para combater as alterações climáticas.
Conclusão
As questões éticas que rodeiam a criação e distribuição de créditos de carbono mostram que este sistema, embora importante, precisa de uma gestão cuidadosa e uma regulamentação robusta. Só através de uma supervisão eficaz, transparência e compromisso genuíno com a sustentabilidade é que os créditos de carbono poderão cumprir a sua promessa de reduzir as emissões globais de GEE. Caso contrário, corre-se o risco de perpetuar desigualdades globais e de criar soluções temporárias que não enfrentam o problema fundamental das emissões.
Referências
MAJR, 2024. What Are The Ethical Considerations Of Trading Carbon Credits? https://majrresources.com/what-are-the-ethical-considerations-of-trading-carbon-credits/. [Acedido em outubro de 2024]
EOS DATA ANALYTICS, 2024. Carbon Credits: How They Work And Benefit The World. https://eos.com/blog/carbon-credits/. [Acedido em outubro de 2024]
Markkula Center for Applied Ethics, 2024. The Ethics of Carbon Offsets. https://www.scu.edu/environmental-ethics/resources/the-ethics-of-carbon-offsets/. [Acedido em outubro de 2024]