Transição para uma indústria sustentável, como Portugal está na vanguarda das soluções circulares.
Ao longo das últimas semanas, explorámos os desafios impostos pelos plásticos de utilização única e as múltiplas soluções que têm vindo a ser desenvolvidas para os combater. Hoje, encerramos esta trilogia com um olhar sobre a aplicação prática destas soluções ao contexto português, com especial destaque para uma das indústrias mais emblemáticas do país: o setor têxtil.
Como é que Portugal pode adaptar as inovações globais à sua realidade industrial e o que podem os cidadãos fazer para acelerar esta transição?
A indústria têxtil portuguesa: uma força inovadora e sustentável
O nosso país possui uma das indústrias têxteis mais competitivas da Europa, reconhecida pela qualidade, consistência no fluxo de produção e mão de obra altamente qualificada. Este setor tem apostado fortemente na sustentabilidade, privilegiando o uso de energia limpa que permite apresentar uma pegada de carbono inferior à dos concorrentes internacionais. Estas vantagens competitivas têm sido reforçadas por um ecossistema colaborativo que integra universidades, centros tecnológicos e empresas inovadoras deste setor.
Projetos como o be@t exemplificam esta transformação. Com o apoio de um consórcio de 56 entidades, este projeto está a desenvolver novos materiais de origem biológica e rastreáveis, tecnologias de produção avançadas, abordagens de eco design e modelos de negócio circulares.

Figura 1 – A indústria têxtil é uma das mais exportadoras do país, com cerca de 70% da produção de vestuário destinada aos mercados internacionais.
A Riopele, empresa de referência no setor, tem investido em tecnologias digitais e automação para otimizar processos produtivos e melhorar a qualidade dos produtos. Com o apoio do COMPETE 2030, desenvolveu o projeto R4Textiles, que visa criar têxteis sustentáveis através da valorização de resíduos têxteis e agroalimentares, alinhando-se com os princípios da economia circular. Este tipo de iniciativa demonstra que Portugal possui enorme potencial para liderar na inovação têxtil sustentável e programas como o COMPETE 2030 são um mecanismo catalisador destas inovações.
Fibras inovadoras e soluções emergentes
O campo da investigação em Portugal tem sido um terreno fértil para o desenvolvimento de fibras têxteis sustentáveis, que prometem transformar a indústria. As inovações vão desde a exploração de novas fontes de matéria-prima até à reengenharia dos processos produtivos, sempre com o objetivo de reduzir o impacto ambiental e promover a circularidade. Um exemplo notável foi apresentado na 7.ª edição da Conferência Internacional de Fibras Naturais, onde a investigação em torno da planta Cayratia trifolia L. demonstrou ser possível criar fios, tecidos e tapetes com uma qualidade comparável ao linho e ao cânhamo, oferecendo uma alternativa ecológica viável para diversas aplicações industriais.
Em paralelo, projetos como o yarnsFS, liderado pela F.D.G. – Fiação da Graça e cofinanciado pelo COMPETE 2030, estão a dar uma nova vida a resíduos têxteis. Atualmente, apesar de 97% dos materiais têxteis serem recicláveis, apenas uma pequena fração (15% a 20%) é efetivamente reprocessada, um problema exacerbado pelo modelo de fast fashion. O yarnsFS aborda este desafio de frente, apostando na valorização de fibras longas recicladas e na incorporação de fibras naturais emergentes, como as de cânhamo, ananás ou banana, para criar fios mais duráveis e com desempenho técnico superior. A inovação reside na aplicação de processos de fiação tradicionalmente usados para lã, mas pouco explorados na reciclagem, permitindo obter fios de alta qualidade a partir de resíduos que, de outra forma, seriam descartados.

Figura 2 – As inovações na indústria têxtil têm um enorme impacte na melhoria do paradigma nacional, isto pois esta indústria apresenta-se como uma das maiores do país.
A revolução estende-se também aos modelos de produção, como demonstra a Wonder Raw, uma jovem empresa de Barcelos. Com o apoio do COMPETE 2030, implementou o projeto “Wonder Raw Fábrica DTG Inteligente”, uma fábrica inteligente que permite produções mais curtas, rápidas e flexíveis. Este modelo responde diretamente às novas exigências do mercado da moda, permitindo que artistas e marcas criem coleções únicas e personalizadas sob encomenda, contribuindo para a transição digital e climática do setor.
O que podem os cidadãos fazer: ações individuais com impacte coletivo
A transição para uma economia circular não depende apenas das indústrias e das políticas públicas, mas também das escolhas quotidianas de cada pessoa. Pequenas mudanças de comportamento podem ter um impacto significativo quando adotadas coletivamente.
No que respeita ao consumo de plástico de utilização única é fundamental adotar hábitos de Repensar, Recusar, Reduzir e Reutilizar. Alguns gestos simples, como utilizar sacos reutilizáveis, transportar uma garrafa de água reutilizável e beber água da torneira (que, na sua esmagadora maioria, é amplamente controlada e tem boa qualidade) são gestos capazes de contribuir para reduzir drasticamente o consumo de plástico e reduzir o desperdício.

Figura 3 – Ao optar por produtos que possam ser utilizados mais do que uma vez, não só estamos a tomar a melhor decisão, como estamos a proteger as próximas gerações das eventuais repercussões que os Plásticos de utilização única provocam.
Algumas empresas portuguesas de retalho têm implementado iniciativas para reduzir o consumo de plástico de uso único, nomeadamente permitindo que os consumidores levem as suas embalagens de casa para produtos de charcutaria ou take away, assim como outras iniciativas para reduzir o desperdício e melhorar a gestão de resíduos, através da recolha e valorização de cápsulas de café e pilhas usadas nas suas lojas, permitindo até entregar valores a instituições de solidariedade. Apoiar estas iniciativas e participar ativamente nestes sistemas é uma forma concreta de também contribuir para a economia circular e diminuir o impacte do uso de plásticos de utilização única.
Portugal na vanguarda da transição sustentável
Portugal tem demonstrado capacidade e vontade de liderar a transformação sustentável, conjugando tradição industrial, inovação tecnológica e compromisso ambiental. O setor têxtil, assumindo-se como um dos pilares da economia nacional, está a reinventar-se através de projetos ambiciosos que valorizam resíduos, desenvolvem novos materiais e apostam na digitalização e na circularidade.
A transição para uma economia circular exige esforço coletivo: políticas públicas robustas, investimento empresarial em inovação e, não menos importante, mudanças de comportamento individual.
Cada escolha consciente, cada produto reutilizado, cada resíduo corretamente encaminhado para reciclagem contribui para a construção de um futuro mais sustentável e responsável.
Como indivíduos, podemos e devemos ser agentes ativos desta transformação, adotando práticas que reduzam o nosso impacto ambiental e apoiando empresas e iniciativas comprometidas com a sustentabilidade. Portugal tem as ferramentas, o talento e a capacidade de inovação para liderar este caminho, mas o sucesso depende do compromisso de todos nós.
Referências
AICEP, 2025. Sustentabilidade têxtil: “made in Portugal”. Portugal Global.
URL: https://portugalglobal.pt/noticias/2025/novembro/sustentabilidade-textil-made-in-portugal/ [Acedido em novembro de 2025]
Agência Portuguesa do Ambiente [APA], 2022. Economia circular.
URL: https://apambiente.pt/economia-circular [Acedido em novembro de 2025]
BIP – INESC TEC, 2025. O projeto be@t está a dar novo fio ao setor têxtil.
URL: https://bip.inesctec.pt/o-projeto-beat-esta-a-dar-novo-fio-ao-setor-textil/ [Acedido em novembro de 2025]
BoG – Environmental Consulting, 2025. 31 dicas para reduzir o plástico.
URL: https://bog-ec.pt/31-dicas-para-reduzir-o-plastico/ [Acedido em novembro de 2025]
CCG/ZGDV, 2025. Be@t: CCG/ZGDV promove futuro sustentável no setor têxtil.
URL: https://ccg.pt/beat-ccg-zgdv-promove-futuro-sustentavel-no-setor-textil/ [Acedido em novembro de 2025]
CGD, 2023. 18 ideias para reduzir o consumo de plástico: siga este guião.
URL: https://cgd.pt/Site/Saldo-Positivo/sustentabilidade/18-ideias-para-reduzir-o-consumo-de-plastico.aspx [Acedido em novembro de 2025]
COMPETE 2030, 2025. Fábrica Inteligente para uma moda criativa e sustentável.
URL: https://portugal2030.pt/noticias/fabrica-inteligente-para-uma-moda-criativa-e-sustentavel-com-apoio-do-compete-2030/ [Acedido em novembro de 2025]
COMPETE 2030, 2025. Inovação sustentável em fibras longas com o yarnsFS.
URL: https://compete2030.gov.pt/noticias/inovacao-sustentavel-em-fibras-longas-com-o-yarnsfs/ [Acedido em novembro de 2025]
COMPETE 2030, 2025. Riopele reforça inovação e sustentabilidade com apoio do COMPETE 2030.
URL: https://compete2030.gov.pt/noticias/riopele-reforca-inovacao-e-sustentabilidade-com-apoio-do-compete-2030/ [Acedido em novembro de 2025]
Diário de Notícias, 2025. Agência para o Clima e empresas de distribuição estudam reciclagem de têxteis.
URL: https://dnoticias.pt/2025/10/18/agencia-para-o-clima-e-empresas-de-distribuicao-estudam-reciclagem-de-texteis/ [Acedido em novembro de 2025]
Jerónimo Martins, 2024. Ações para promover a economia circular. Annual Report 2024.
URL: https://reports.jeronimomartins.com/2024/pt/acoes-para-promover-a-economia-circular/ [Acedido em novembro de 2025]
Observador, 2025. Agência para Clima e APED com projeto para reciclar têxteis.
URL: https://observador.pt/2025/10/18/agencia-para-clima-e-aped-com-projeto-para-reciclar-texteis/ [Acedido em novembro de 2025]
Portugal Têxtil, 2025. Soluções inovadoras e sustentáveis na ICNF.
URL: https://portugaltextil.com/solucoes-inovadoras-e-sustentaveis-na-icnf/ [Acedido em novembro de 2025]