2024 marca o ano com menos incêndios da década, mas o aquecimento global continua a ser uma ameaça crescente
Estamos apenas a meio do ano de 2024, mas as estatísticas e previsões já se mostram encorajadoras no que diz respeito à prevenção de incêndios em Portugal. Segundo o 1.º Relatório Provisório de Incêndios Rurais de 2024, elaborado pela Direção Nacional de Gestão do Programa de Fogos Rurais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), observou-se uma redução significativa no número de incêndios florestais. Esta evolução positiva é amplamente atribuída às medidas de prevenção implementadas e ao restauro ecológico, identificados pelo relatório como estratégias cruciais para a proteção das zonas verdes.
Segundo os dados recolhidos, comparando os valores do ano de 2024 com o histórico dos 10 anos anteriores, registaram-se menos 60% de incêndios rurais e menos 80% de área ardida relativamente à média anual do período entre 2014 e 2023 (ICNF, 2024).
Quadro 1. Número de incêndios rurais e correspondente extensão de área ardida em Portugal Continental, por ano, entre 1 de janeiro e 30 de junho de 2024
Anos | Incêndios rurais (nº) | Povoamentos (ha) | Matos (ha) | Agrícola (ha) | Total (ha) |
2014 | 3811 | 2449 | 3281 | 649 | 6379 |
2015 | 8223 | 9509 | 9170 | 1402 | 20081 |
2016 | 2046 | 553 | 1013 | 287 | 1853 |
2017 | 7682 | 46985 | 22648 | 2372 | 72005 |
2018 | 5518 | 1853 | 3044 | 269 | 5166 |
2019 | 4712 | 4156 | 3766 | 1870 | 9792 |
2020 | 1974 | 2332 | 1782 | 492 | 4606 |
2021 | 3547 | 2438 | 8096 | 766 | 11300 |
2022 | 4483 | 3195 | 8110 | 600 | 11905 |
2023 | 3757 | 2811 | 5638 | 428 | 8877 |
2024 | 1812 | 577 | 1664 | 723 | 2964 |
Média 2014-2023 | 4575 | 7628 | 6655 | 914 | 15197 |
Fonte: Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais (SGIF), 2024
Nota: os dados relativos ao ano de 2024 são provisórios
Entre 1 de janeiro e 30 de junho de 2024, foram registados 1 812 incêndios rurais que resultaram em 2 964 hectares de área ardida (segunda menor área ardida desde 2014). Além disso, a predominância dos incêndios com área ardida inferior a 1 hectare em 2024, que representa 83% do total, evidencia um controlo mais eficaz e uma resposta mais rápida.
Análise regional
Os distritos de Porto, Braga e Viana do Castelo destacaram-se pelo maior número de incêndios rurais, com 278, 186 e 186 fogos, respetivamente. Em particular, Viana do Castelo registou a maior área ardida, com um total de 657 hectares, correspondendo a aproximadamente 22% da área total ardida a nível nacional. A este distrito junta-se Braga com 418 hectares (14% do total) e Évora com 392 hectares (13% do total), segundo o 1º Relatório Provisório de Incêndios Rurais do ICNF.
O relatório salienta também que, até agora, junho foi o mês com o maior número de incêndios rurais, totalizando 660 ocorrências, o que representa 36% do total anual. Além disso, junho também lidera em termos de área ardida, com 1 041 hectares, o que equivale a 35% do total registado.
Análise das causas
Do total de 1 812 incêndios rurais registados em 2024, 1 254 foram investigados, tendo o processo de averiguação das causas sido concluído para 69% destes, o que corresponde a 78% da área total ardida. Destes, foi possível atribuir uma causa específica a 969 incêndios, representando 77% dos incêndios investigados e 66% da área total ardida.
Até à data, as causas mais frequentes de incêndios em 2024 são: Queimadas de sobrantes florestais ou agrícolas (20%) e Incendiarismo – Imputáveis (19%).
Conjuntamente, as várias tipologias de queimas e queimadas representam 57% do total das causas apuradas. Os reacendimentos representam 3% do total das causas apuradas, um valor inferior face à média dos 10 anos anteriores (8%) (ICNF,2024).
Contudo, nem tudo são boas notícias…
No relatório “Destaques Climáticos Globais – 2023”, elaborado pelo Copernicus – o Programa de Observação da Terra da União Europeia – é apresentada uma análise detalhada do clima do último ano, evidenciando eventos climáticos significativos a nível global. De acordo com o Copernicus, o dia 21 de julho foi o mais quente registado no mundo desde o início das medições em 1940, com uma temperatura média global à superfície da Terra de 17,09°C. Este valor ultrapassa ligeiramente (0,01°C) o recorde anterior, alcançado em 6 de julho de 2023.
O ano de 2023 foi particularmente preocupante: em todos os dias foram registadas temperaturas 1°C acima dos níveis pré-industriais de 1850-1900, sendo este o primeiro ano na história em que as temperaturas diárias consistentemente ultrapassaram esse limiar. Cerca de 50% desses dias excederam em 1,5°C o padrão histórico e, num desenvolvimento sem precedentes, dois dias em novembro registaram um aumento superior a 2°C.
O anterior recorde de temperatura média global diária era de 16,8°C, alcançado em 13 de agosto de 2016. Desde 3 de julho de 2023, 57 dias já superaram essa marca. Desta forma, a média das temperaturas globais nos últimos 12 meses revelou-se a “mais elevada alguma vez registada”, atingindo 1,64°C acima da média pré-industrial.
Quadro 2. Recordes de temperatura máxima mensal dos últimos 12 meses
Mês | Recorde anterior | Recorde Anual |
Julho | 16,63°C (2019) | 16,95°C (2023) |
Agosto | 16,51°C (2016) | 16,82°C (2023) |
Setembro | 15,88°C (2020) | 16,38°C (2023) |
Outubro | 14,90°C (2019) | 15,30°C (2023) |
Novembro | 13,91°C (2020) | 14,22°C (2023) |
Dezembro | 13,20°C (2019) | 13,51°C (2023) |
Janeiro | 13,02°C (2020) | 13,14°C (2024) |
Fevereiro | 13,42°C (2016) | 13,54°C (2024) |
Março | 14,03°C (2016) | 14,14°C (2024) |
Abril | 14,89°C (2016) | 15,03°C (2024) |
Maio | 15,73°C (2020) | 15,91°C (2024) |
Junho | 16,51°C (2023) | 16,66°C (2024) |
Fonte: Copernicus Climate Change Service, via Our World in Data, average surface temperature by year. World, (2024).
No relatório do Copernicus, destaca-se que o fenómeno de temperaturas elevadas é exacerbado pela desflorestação e pela intensa queima de combustíveis fósseis, como carvão, gás e petróleo. Este contexto sublinha a urgente necessidade de enfrentarmos as alterações climáticas, exigindo um esforço coletivo e coordenado para minimizar os seus impactes devastadores.
Conclusão
Este novo recorde global de temperatura, registado recentemente, demonstra a urgência de ações decisivas contra as alterações climáticas e tem uma ligação direta com a incidência de incêndios florestais. Apesar da redução no número de incêndios em Portugal em 2024, as condições climáticas extremas podem reverter esses ganhos, já que temperaturas mais altas aumentam a frequência e intensidade dos incêndios.
No relatório do Copernicus é sublinhado que nos estamos a aproximar dos limites estabelecidos pelo Acordo de Paris, mas que ainda há espaço para ação. Limitar as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) é essencial para manter o aumento da temperatura global abaixo dos 2°C, exigindo uma resposta coordenada e eficaz a nível global e local. Esta ação inclui estratégias de gestão de incêndios adaptadas às novas realidades climáticas.
O relatório também destaca a importância de atender aos impactes locais das alterações climáticas, como a maior propensão para incêndios florestais em regiões específicas. Enfrentar estas mudanças requer não apenas políticas ambientais globais, mas também ações locais que mitigam impactes diretos nas comunidades.
Assim, a luta contra as alterações climáticas emerge não apenas como um imperativo ambiental, mas como uma questão de sobrevivência coletiva e de responsabilidade partilhada. É crucial unir esforços para mitigar esta crise antes de alcançarmos pontos irreversíveis, reforçando as medidas de prevenção e combate a incêndios num mundo cada vez mais quente.
Referencias
Our World in Data. (2024). Monthly average surface temperatures by year, World. URL: https://ourworldindata.org/grapher/monthly-average-surface-temperatures-by-year
Copernicus Climate Change Service. (2023). Global Climate Highlights 2023: Final Report. URL: https://climate.copernicus.eu/sites/default/files/custom-uploads/Global%20Climate%20Highlights%202023/Final%20Report/Global-Climate-Highlights-2023_final.pdf [Acedido em julho de 2024]
Euronews. (2024). Novo recorde mundial de temperatura: planeta regista o dia mais quente de sempre. URL: https://pt.euronews.com/green/2024/07/25/novo-recorde-mundial-de-temperatura-planeta-regista-o-dia-mais-quente-de-sempre [Acedido em julho de 2024]
Diário de Notícias. (2024). Dia 21 de julho foi o mais quente já registado no mundo. URL: https://www.dn.pt/5011093456/dia-21-de-julho-foi-o-mais-quente-ja-registado-no-mundo/ [Acedido em julho de 2024]
Rádio Renascença. (2024). Número de incêndios na primeira metade de 2024 é o mais reduzido desde 2014. URL: https://rr.sapo.pt/noticia/amp/pais/2024/07/25/numero-de-incendios-na-primeira-metade-de-2024-e-o-mais-reduzido-desde-2014/387701/ [Acedido em julho de 2024]
Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). (2024). Relatório de áreas Áreas Ardidas e Ocorrências. URL: https://www.icnf.pt/florestas/gfr/gfrgestaoinformacao/grfrelatorios/areasardidaseocorrencias [Acedido em julho de 2024]