Biorresíduos: do contentor castanho à sustentabilidade!
Os biorresíduos são uma parte essencial do nosso dia-a-dia, presentes sempre que preparamos alimentos e descartamos os seus restos. A nível nacional, representam, em média, quase 37% do nosso lixo comum (APA, 2018).
Contudo, a sua mistura com outros materiais, como papel, cartão e têxteis, não só os contamina como também dificulta a sua separação nas linhas de triagem. Esta prática resulta na perda de um recurso valioso, uma vez que os biorresíduos são ricos em nutrientes. Se recolhidos separadamente, podem ser reaproveitados na agricultura para melhorar a qualidade dos solos, aumentar a retenção de água e reduzir a necessidade de fertilizantes químicos. Têm também potencial para ser valorizados na produção de biogás, que permitirá, por sua vez, gerar energia elétrica renovável.
Neste contexto, a Diretiva (UE) 2018/851, de maio de 2018, surge como um marco regulatório crucial, delineando diretrizes para a gestão adequada dos biorresíduos e promovendo práticas que visam maximizar o seu potencial de reaproveitamento na agricultura e na produção de energia renovável. Assim, no artigo de hoje, iremos exploraremos os principais pontos desta diretiva e os seus impactes na gestão de resíduos em Portugal.
Diretiva (UE) 2018/851, de maio de 2018
A 30 de maio de 2018, no âmbito Quadro Resíduos foi aprovada a Diretiva (UE) 2018/851, que alterou a Diretiva 2008/98/CE, já transposto para a legislação nacional (Regime Geral de Gestão de Resíduos – RGGR).
A Diretiva Quadro Resíduos, estabeleceu a obrigação de assegurar que, até final de 2023 “os biorresíduos são separados e reciclados na origem, ou são recolhidos seletivamente e não são misturados com outros tipos de resíduos”.
A nova diretiva introduziu, ainda, as seguintes obrigatoriedades:
- implementação de redes de recolha seletiva de biorresíduos;
- introdução de metas de redução da deposição em aterro. Com esta meta os estados-membros devem procurar garantir que, a partir de 2030, os aterros não possam aceitar quaisquer resíduos apropriados para reciclagem ou outro tipo de valorização, nomeadamente resíduos urbanos.
Estratégia dos Biorresíduos
A Estratégia dos Biorresíduos tem como objetivo promover a recolha seletiva de biorresíduos e o uso de compostagem e digestão anaeróbia. Isso inclui medidas para substituir gradualmente a recolha indiferenciada, incentivar a utilização do composto resultante e garantir o tratamento adequado dos resíduos, além de melhorar a regulamentação e fornecer incentivos para sua implementação.
Essa transição traz benefícios como a redução de resíduos em aterros, menor emissão de odores, melhoria da qualidade dos materiais reciclados e produção de produtos valiosos como composto e gás. Também impulsiona a criação de empregos verdes, envolvimento da comunidade em práticas como compostagem doméstica e redução da importação de matérias-primas para a agricultura.
Para mais informações sobre as medidas e orientações desta estratégia, consulte o documento completo.
Recolha de biorresíduos em Portugal
Em Portugal, os biorresíduos desempenham um papel significativo na composição dos resíduos urbanos, representando, em 2019, de acordo com as análises físicas conduzidas pelo Sistema de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU), cerca de 39% do total de resíduos urbanos produzidos no país (MAAC, 2020).
Esta categoria engloba uma variedade de resíduos, incluindo os provenientes de jardins e parques, os resíduos alimentares e de cozinha de habitações, escritórios, restaurantes, grossistas, cantinas, unidades de catering e retalho, bem como os resíduos semelhantes provenientes de unidades de transformação de alimentos.
Em Portugal, cabe aos municípios encontrar as soluções mais eficazes de recolha e reciclagem, tendo em conta as especificidades do seu território, de modo que todos possamos contribuir para o aumento desta percentagem. Embora não haja ainda dados relativos ao número de autarquias com sistemas operacionais, têm sido reportados atrasos nas implementações. Mafra, Oeiras, Sintra e Castelo Branco estão entre as mais avançadas nesta matéria, enquanto Cascais já conta com “cobertura total” de um sistema de recolha de biorresíduos no concelho (The Navigator Company, 2024).
O objetivo é integrar estes compostos na economia circular, abandonando o modelo linear em que os recursos são extraídos, consumidos e descartados sem uma segunda vida. Quando não são separados nem reciclados, os biorresíduos são misturados com o restante lixo e podem acabar depositados em aterros sanitários, contribuindo para a produção de gases de efeito estufa, que aceleram o aquecimento global, e para a contaminação do solo e das águas subterrâneas.
Em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, a obrigatoriedade da sua valorização é mais um passo dado pela União Europeia para reduzir o desperdício de alimentos em 30% até 2025 e em 50% até 2030, além de ter 65% dos resíduos urbanos recolhidos e preparados para reutilização e reciclagem até 2035. Até lá, Portugal também deve cumprir as metas nacionais de reciclagem de resíduos urbanos: 55% até 2025 e 60% até 2030 (MAAC, 2020).
Como se processa a recolha e separação em Portugal?
A recolha dos biorresíduos pode ser feita de várias formas:
- Recolha porta-a-porta: Neste modelo, a recolha de resíduos é realizada diretamente nas habitações ou estabelecimentos comerciais. As pessoas separam os resíduos de acordo com os materiais específicos, e a recolha é agendada em dias determinados para cada tipo de material. Por exemplo, um dia é dedicado ao papel, outro ao plástico e assim por diante. Este método tem se revelado bastante eficaz na recolha de uma maior quantidade de biorresíduos, com menor grau de contaminação, devido ao maior controle na separação realizada pelo cidadão. Além disso, a designação de dias específicos e horários restritos de recolha promove o envolvimento e responsabilização dos cidadãos nos processos de separação e recolha.
- Recolha de proximidade: Neste modelo, os resíduos são depositados em contentores localizados em áreas de fácil acesso na via pública. Este é igual ao método utilizado para resíduos indiferenciados e ecopontos em Portugal. Em comparação com o modelo de Porta-a-Porta, este modelo está mais dependente da motivação do cidadão em participar.
- Modelo de co-coleção: Neste modelo o cidadão separa o seu lixo em sacos de cor diferente, consoante o material e depois deposita todos os sacos num único contentor. No entanto, este modelo é aquele que parece ter piores resultados. Os primeiros resultados da implementação de diferentes modelos de recolha dos biorresíduos em Portugal demonstram que com este modelo as taxas de captura estão entre os 10 e os 15 por cento enquanto no modelo de porta-a-porta estão acima dos 50% (Zero, 2023).
Qual o modelo escolhido pela maioria dos municípios em Portugal?
A maioria dos municípios em Portugal parece ter optado pela recolha de proximidade. Neste sistema, como já referido anteriormente, é colocado mais um contentor para os moradores ao lado dos já existentes para diferentes tipos de resíduos. Esta escolha pode estar baseada na ideia de que este é o método mais simples e económico. No entanto, é importante notar que o contentor para biorresíduos precisará ser esvaziado com frequência, independentemente de estar cheio ou não, devido à rápida decomposição e ao odor emitido por esse tipo de resíduo, o que pode aumentar consideravelmente os custos deste modelo.
No entanto, cada município está a adotar os modelos de recolha de biorresíduos que melhor se adequam ao seu contexto, incluindo a utilização de diferentes modelos em diferentes zonas do município. Um exemplo disso é a Câmara Municipal de Serpa, que optou por implementar os três modelos. No entanto, o modelo de recolha co-coleção foi utilizado apenas quando os contentores castanhos ainda não estavam disponíveis.
A BoG-EC é responsável pela campanha de comunicação e educação para a recolha seletiva de biorresíduos no município de Serpa, desempenhando um papel crucial na sensibilização da comunidade local. Desde a realização de ações de sensibilização porta-a-porta até à presença em eventos como as Jornadas Seniores e a Feira do Queijo, o objetivo é alcançar diretamente os residentes, fornecendo informações detalhadas sobre a correta separação e disposição dos biorresíduos.
Em breve, traremos mais sobre este tema com uma pequena entrevista à Engenheira Sónia Neto, da Divisão de Ambiente, Mobilidade e Serviços Urbanos da Câmara Municipal de Serpa, e responsável pela implementação da recolha seletiva de biorresíduos no município.
Referências
Noctula (n.d). Medidas de orientação para a recolha dos biorresíduos. URL: https://noctula.pt/medidas-de-orientacao-para-a-recolha-dos-biorresiduos/ [Acedido em março de 2024].
Relatório Anual de Resíduos Urbanos 2018, APA: http://apambiente.pt/index.php?ref=16&subref=84&sub2ref=933&sub3ref=936 [Acedido em março de 2024].
The Navigator Company (2024). Chegou a hora de separar os biorresíduos. My Planet, 22 de janeiro 2024. URL: https://myplanet.pt/chegou-a-hora-de-separar-os-biorresiduos/ [Acedido em março de 2024].
Zero, 2023. Biorresíduos: Do Contentor Castanho à Sustentabilidade. URL: https://zero.ong/blog/recolha-de-biorresiduos-qual-a-melhor-forma-de-o-fazer/ [Acedido em março de 2024].