Os desafios dos sistemas de IA no combate às alterações climáticas
No artigo da semana passada, analisámos “Como a inteligência artificial pode ajudar a combater as alterações climáticas?”. Contudo, é importante ter presente que o seu uso na promoção dos objetivos para a transição climática não está livre de efeitos negativos e enfrenta diversos desafios.
Hoje, iremos explorar os impactes negativos e dos desafios provenientes do uso da IA, de forma a compreender que implicações estão associadas à sua utilização.
Efeitos negativos da Inteligência Artificial
A IA tem a capacidade de trazer benefícios em diversos setores, mas o seu uso pode apresentar efeitos negativos que devem ser considerados e mitigados sempre que possível.
Do ponto de vista ambiental, os efeitos negativos diretos da IA estão relacionados com a produção de componentes e infraestruturas, que é muito intensiva do ponto de vista de consumo de energia e de recursos.
A IA implica o uso de sistemas de hardware e infraestruturas, como data centres, que aumentam o consumo de materiais, cuja sua produção tem impactes ambientais negativos associados à extração de matérias-primas, em particular, metais, tais como o cobalto, prata, lítio e alumínio. Acresce a que estes equipamentos digitais tenham, na sua maioria, períodos de vida relativamente curtos, o que, por sua vez, conduz também ao aumento da procura destes materiais.
Adicionalmente, a implementação da IA implica fases de programação, treino e produção, o que requer um consumo significativo de eletricidade. De acordo com a Comissão Europeia (CE), estima-se que os data centres, redes digitais e outras tecnologias da informação e comunicação representem cerca de 7% do consumo de eletricidade a nível global, e que essa proporção aumente para 13% em 2030. No entanto, até à data, o impacte da IA no consumo de energia ainda não foi analisado e, dado o potencial de evolução da IA, revestem-se de especial importância as questões relacionadas com a eficiência energética dos data centres, o uso de energias renováveis, a utilização da infraestrutura e a gestão das capacidades de backup e de capacidade computacional.
Por outro lado, do ponto de vista social, a dependência excessiva da IA pode resultar na marginalização de grupos socioeconómicos com acesso mais limitado à internet e ao uso de tecnologia mais avançada. Esta dicotomia pode levar a uma maior desigualdade digital, em que os custos e benefícios são divididos de forma desigual.
Principais desafios da IA
- Regulamentação
A regulação da IA apresenta desafios ímpares que dificultam o estabelecimento de regulamentações claras e abrangentes, devido à complexidade técnica, natureza de constante inovação, abrangência de aplicações e profundidade dos riscos potenciais da IA.
É fundamental assegurar a criação de um ambiente regulatório e político favorável à implementação ética, segura, sustentável e responsável da IA. Caso esta regulação não seja eficaz, existe o risco de a IA ser utilizada de forma irresponsável, podendo criar impactes significativos no ambiente e na sociedade. As vulnerabilidades de segurança, como ataques cibernéticos e violação de dados, devem ser mitigadas através da regulação que estabeleça requisitos de segurança e práticas de gestão de riscos de forma a promover a confiança e integridade dos sistemas.
- Investimento em I&D
A falta de investimento em Investigação e Desenvolvimento (I&D) na área da Inteligência Artificial representa um desafio significativo. Sem investimentos adequados em I&D na IA, o desenvolvimento de soluções inovadoras e eficazes para lidar com os desafios climáticos pode ser prejudicado. A falta de recursos financeiros e o apoio governamental insuficiente pode limitar a capacidade de desenvolver novos algoritmos, modelos e sistemas necessários para analisar dados climáticos, fazer previsões precisas e implementar estratégias de adaptação e mitigação. Além disso, o desenvolvimento de tecnologias relacionadas com a IA, como sistemas inteligentes de gestão de recursos e otimização de processos, é fundamental para promover práticas sustentáveis e reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em setores-chave, como transporte, indústria e agricultura. Portanto, a falta de investimento em I&D na IA pode representar um obstáculo significativo para avançar na transição para uma economia mais sustentável e resiliente às mudanças climáticas.
- Custos e financiamento
Desenvolver tecnologias avançadas para lidar com desafios ambientais requer investimentos iniciais significativos, que incluem infraestruturas, equipamentos, software e custos de implementação e manutenção de sistemas inteligentes.
Garantir financiamento adequado é essencial para apoiar investigação, laboratórios, instituições e empresas envolvidas em projetos relacionados com a IA e a transição climática. Desta forma, a falta de recursos financeiros, a incerteza em torno do retorno do investimento e a viabilidade dos projetos a longo prazo são alguns dos desafios a serem ultrapassados no que diz respeito ao financiamento.
- Aceitação pública
Em relação à aceitação pública, o desafio é garantir que o uso da IA na transição climática seja amplamente aceite pela sociedade. É essencial fornecer educação sobre os benefícios da IA e demonstrar como pode ser utilizada para enfrentar os desafios ambientais. Promover a compreensão das questões relacionadas à privacidade e ao uso de dados, bem como incentivar o envolvimento e a participação pública, devem ser prioridades neste contexto. Estas medidas são essenciais para garantir que o uso da IA na transição climática é aceite e adotado eficazmente pela sociedade.
- Uso ético
A aplicação da IA na transição climática deve respeitar os princípios éticos fundamentais, considerando o bem-estar humano, a justiça social e a sustentabilidade ambiental. É crucial minimizar os riscos de discriminação, tendências algorítmicas injustas e favorecimento de determinados grupos. É fundamental identificar claramente as partes envolvidas e os responsáveis pelo fornecimento dos dados e pelas decisões tomadas pela IA, bem como as suas consequências.
Adicionalmente, deve-se priorizar a proteção de dados e da privacidade, com medidas para evitar acesso não autorizado e uso indevido dos dados. Por fim, o modelo de governo deve guiar-se por princípios éticos, e devem ser implementadas políticas e orientações que promovam a ética na implementação da IA na transição climática.
- Enviesamento do algoritmo
Devem ser tomadas medidas com o objetivo de minimizar os riscos de enviesamento dos algoritmos. Caso assim não seja, a utilização de IA pode perpetuar e aumentar as desigualdades já existentes, por exemplo favorecendo alguns grupos socioeconómicos e alocando custos ou benefícios de forma desigual no processo de transição climática. A mitigação dos riscos associados ao viés do algoritmo é fundamental para assegurar equidade no processo da transição climática.
- Discriminação e impacte desproporcional
A utilização de dados representativos e a aprendizagem responsável da IA pressupõe a implementação de orientações de índole ética e padrões que promovam a equidade, justiça social e a não discriminação, de forma a não favorecer determinados grupos socioeconómicos. Assim é e fundamental a avaliação e a melhoria contínua dos dados e dos sistemas de IA utilizados, de forma a identificar e corrigir potenciais enviesamentos e formas de discriminação no processo de transição climática.
- Transparência
A transparência dos sistemas de IA é fundamental para garantir que são fornecidas informações claras, compreensíveis e auditáveis sobre os dados, as hipóteses utilizadas e o processo de tomada de decisão automática ou conclusões. Também é importante identificar as fontes dos dados e caracterizá-los em termos de representatividade e qualidade. Adicionalmente, devem ser identificados os responsáveis pelas ações dos sistemas de IA, considerando as questões de responsabilidade civil e ética.
Estas medidas ajudam a mitigar os riscos de enviesamento e discriminação anteriormente mencionados e promovem a aceitação pública do uso da IA na transição climática.
Conclusão
Em suma, é inegável que a IA traz consigo tanto benefícios significativos como desafios importantes no âmbito da transição climática. Os efeitos negativos, como o aumento do consumo de materiais e energia para infraestrutura de IA, e as preocupações sociais, como a marginalização de grupos socioeconómicos com acesso limitado à tecnologia, evidenciam a necessidade de uma abordagem cuidadosa e equilibrada no uso da IA.
Na perspetiva dos desafios é crucial salientar a importância de uma regulação eficaz, a necessidade de investimento em Investigação e Desenvolvimento (I&D), garantir financiamento adequado, promover a aceitação pública da IA, e mitigar o enviesamento do algoritmo, a discriminação e o impacte desproporcional, assegurando ainda a transparência na área da IA.
De forma mais abrangente, a IA desempenha um papel vital na transição climática, contudo, para que isso seja eficaz, é necessário adotar medidas que garantam o seu uso responsável, equitativo e transparente. Num contexto de rápida mudança e crescimento, abordagens inovadoras para enfrentar os desafios da sustentabilidade são cruciais. Assim, a IA emerge como uma ferramenta tecnológica central, capaz de impulsionar a inovação, o progresso económico e a sustentabilidade ambiental no presente e no futuro.
Referências
Póvoa, I., & Osório de Barros, G. (2023). A Inteligência Artificial na Transição Climática – Desafios e Potencialidades na União Europeia. Gabinete de Estratégia e Estudos da Economia e do Mar, setembro de 2023. URL: https://www.gee.gov.pt/pt/?option=com_fileman&view=file&routed=1&name=TE%20118%20-%20A%20Intelig%C3%AAncia%20Artificial%20na%20Transi%C3%A7%C3%A3o%20Clim%C3%A1tica.pdf&folder=estudos-e-seminarios%2Ftemas-economicos&container=fileman-files. [Acedido em fevereiro de 2024]