Turismo em Áreas Protegidas – Potencial e desafios, Carta Europeia de Turismo Sustentável (CETS)
O turismo em Áreas Protegidas (APs) é uma temática de extrema importância no contexto atual, na medida em que procura equilibrar o desenvolvimento socioeconómico com a preservação da natureza e da cultura. O que se pretende promover nas APs não é o turismo de massas, mas o turismo sustentável, que é definido como “o turismo que tem em consideração os impactos económicos, sociais e ambientais atuais e futuros, atendendo às necessidades dos visitantes, indústria, meio ambiente e comunidades locais” (UNWTO & UNEP, 2005: 11-12).
Para que o turismo nas APs seja sustentável, é fundamental que contribua para a conservação da natureza a longo prazo, não apenas de forma breve ou esporádica, enquanto garante que a conservação não é comprometida pelo uso público inadequado ou gestão inadequada (UICN, 2019).
Potencial do Turismo em Áreas Protegidas
O turismo sustentável em APs apresenta um vasto potencial para promover a conservação do meio ambiente e do património cultural, enquanto contribui para o desenvolvimento socioeconómico das comunidades locais. Estas áreas apresentam valores naturais únicos, caracterizados pela fauna e flora abundante, paisagens e aspetos culturais distintos, que podem ser explorados de forma consciente e sustentável.
Contudo, é fundamental salientar que o potencial do turismo em APs vem acompanhado de desafios. O crescimento populacional e a procura, cada vez mais acelerada, por recursos naturais exercem pressão sobre estas áreas, exigindo uma gestão cuidadosa para evitar impactos negativos. A gestão sustentável do turismo envolve a procura contínua pela minimização dos efeitos negativos e a adaptação às mudanças nas condições políticas, sociais e económicas.
Desta forma, a implementação de práticas de turismo sustentável pode preservar e valorizar o património natural e cultural, enquanto impulsiona o desenvolvimento socioeconómico das comunidades locais. Assim, o turismo pode desempenhar um papel crucial na conservação ambiental e no bem-estar das gerações atuais e futuras (UICN, 2019).
Oportunidades e desafios para a gestão do turismo em Áreas Protegidas
O turismo nas APs proporciona um conjunto de oportunidades significativas, contudo, também enfrenta desafios importantes. No quadro seguinte apresentam-se as principais oportunidades e desafios do turismo em APs:
Quadro 1. Oportunidades e desafios para a o turismo em APs
Oportunidades | Desafios |
O turismo em APs incentiva a sociedade a apoiar a conservação da natureza e da cultura, proporcionando experiências significativas que valorizam essas áreas. |
As APs tornam-se simplesmente uma “mercadoria” ou recurso a ser explorado por uma indústria que está mais interessada em lucros, do que em apoiar a conservação. |
Contribuir ativamente para a conservação, envolvendo os visitantes em tarefas de gestão e através de contribuições financeiras diretas ou outro tipo de apoio à administração. |
Os interesses do turismo podem comprometer a gestão adequada, pressionando e prejudicando os objetivos de conservação ou culturais da AP. |
Justificar o apoio político e melhorar o financiamento para a gestão, reconhecendo a importância do turismo nas APs para as economias locais e regionais. |
O turismo em APs pode criar pressões políticas para um desenvolvimento excessivo dentro e/ou nas zonas limítrofes da AP. |
Diminuir os impactos do turismo através de um planeamento criterioso e da aplicação de medidas de mitigação. |
Ocorrem impactos negativos no meio ambiente, de que são exemplo a poluição (descarte de resíduos, emissões de carbono, etc.), o uso não sustentável de recursos e sinais de danos nas áreas sensíveis provocados pelas atividades humanas. |
Potencializar os benefícios sociais e culturais das APs promovendo e conservando os seus valores culturais, reconhecendo a cultura local e fornecendo serviços interpretativos e oportunidades educacionais adequadas. |
Ocorrem impactos negativos na população local (por exemplo, mercantilização da cultura, perda de acesso aos recursos tradicionais, danos ou profanação de lugares sagrados, pressões causadas pelo número elevado de visitantes, etc.); elevado custo de vida e inflação resultante do turismo. |
Fornecer incentivos, através de benefícios sociais e financeiros diretos, às comunidades que vivem em APs, ou nas zonas limite, de forma a proteger os ecossistemas e promover a coexistência entre os humanos e a vida selvagem. |
Sem benefícios, muitas populações desfavorecidas continuam, muitas vezes de forma inconsciente, a incentivar a perda de habitat, a sobre-exploração e a degradação da vida selvagem. |
Estimular os vínculos económicos locais através da propriedade local de ativos turísticos, gestão de empresas de turismo, emprego, meios de subsistência alternativos e empreendedorismo na cadeia produtiva do turismo (orientação, artesanato, alimentos e bebidas, transporte, etc.). |
Os vínculos económicos positivos não se concretizam devido à falta de informação, oportunidades, acesso ao financiamento, políticas adequadas ou consistência. |
Fonte: UICN,2019
Carta Europeia de Turismo Sustentável (CETS)
A Carta Europeia de Turismo Sustentável é uma iniciativa da Federação de Parques Nacionais da Europa (EUROPARC) que tem como objetivo principal promover e desenvolver o turismo de uma forma sustentável nas Áreas Protegidas e classificadas da Europa. Além disso, esta iniciativa procura incentivar o conhecimento e apoio às Áreas Protegidas Classificadas conservando o património natural e cultural, compatibilizar os valores do território com as aspirações dos empresários, as expectativas dos visitantes e as necessidades da população local e garantir uma gestão e desenvolvimento turístico sustentável nas áreas protegidas (Turismo Centro de Portugal, 2023).
A CETS defende o desenvolvimento destas regiões, incentivando a criação de atividades e infraestruturas ligadas ao turismo, a partir de critérios de sustentabilidade que equilibrem o progresso económico, social e ambiental.
Implementação e Compromisso
A CETS é um instrumento que estabelece, de uma forma muito concreta, os princípios do turismo sustentável nas Áreas Protegidas e Classificadas e como se podem aplicar no território.
A suas diretrizes foram desenvolvidas com a colaboração de empresários turísticos e outros atores locais, a fim de envolver todos os intervenientes do território na preservação das áreas protegidas.
A adesão à CETS é um acordo voluntário que compromete as partes envolvidas, como gestores das áreas protegidas e classificadas, empresários turísticos e outros atores locais, a adotarem uma estratégia local de turismo sustentável, promovendo assim a conservação do património natural e cultural para as gerações futuras (Turismo de Portugal, 2022).
Princípios
Princípios da CETS | |
1. Envolver os atores locais relacionados ao turismo na gestão e desenvolvimento do setor no território. |
6. Promover produtos turísticos genuínos que permitam aos visitantes descobrir, compreender e estabelecer uma relação com o território; |
2. Elaborar e implementar uma estratégia de turismo sustentável e um plano de ação para o território; |
7. Aumentar o conhecimento sobre o território e a relevância da sustentabilidade junto dos atores locais ligados ao turismo; |
3. Proteger e promover o património natural e cultural, evitando o desenvolvimento turístico excessivo. |
8. Garantir que o desenvolvimento da atividade turística não põe em causa a qualidade de vida da população local; |
4. Oferecer aos visitantes uma experiência de alta qualidade; |
9. Aumentar os benefícios do turismo para a economia local; |
5. Proporcionar informação adequada aos visitantes sobre os valores do território; |
10. Controlar o fluxo de visitantes, de modo a reduzir os impactos negativos que o turismo pode causar. |
Fonte: Turismo de Portugal, 2022
Portugal
O EUROPARC regista os seguintes territórios galardoados com a CETS ((Turismo de Portugal, 2022):
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- Comunidade Intermunicipal do Alto Minho (2015, 2021);
- Montanhas Mágicas/Montemuro, Arada e Gralheira e Geoparque Arouca (2013, 2018);
- Parque Nacional da Peneda-Gerês (2002, 2008, 2015);
- Terras do Lince (2016, 2022).
- Terras do Priolo/Povoação e Nordeste da Ilha de São Miguel – Açores (2012, 2017).
O exemplo da Reserva Natural das Berlengas
O projeto LIFE Berlengas emerge como um exemplo notável de sucesso na interseção entre conservação ambiental e turismo sustentável em APs.
O projeto LIFE Berlengas, coordenado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), entre 2014 e 2019, visou contribuir para a gestão sustentável da Zona de Proteção Especial (ZPE) das Ilhas Berlengas (PTZPE0009), com o objetivo de conservar os seus habitats, plantas endémicas e populações de aves marinhas. Com este projeto pretendeu-se compreender as principais ameaças dirigidas os valores naturais das Berlengas, em terra e no mar, e definir estratégias para as minimizar e erradicar. Outra das prioridades a alcançar foi a conclusão e implementação de um plano de gestão eficaz para a ZPE das Ilhas Berlengas, que compatibilize as atividades económicas, sobretudo a pesca e o turismo, com os valores naturais existentes (SPAE, 2019).
Os principais objetivos do LIFE Berlengas foram:
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- Conservar e monitorizar as populações de aves marinhas, identificando as suas áreas de alimentação, minimizando potenciais interações com artes de pesca e construindo ninhos artificiais para cagarra e roque-de-castro;
- Recuperar os habitats terrestres através da remoção do chorão e dos mamíferos introduzidos na ilha da Berlenga, do controlo da população de gaivota-de-patas-amarelas e criação de áreas para a sua exclusão;
- Promover boas práticas para uma gestão sustentável, envolvendo os agentes locais e utilizadores das Berlengas;
- Monitorizar a visitação e caracterizar o perfil dos visitantes;
- Informar e sensibilizar o público para a importância de conservar os valores naturais e culturais da Berlengas, através da criação de um Centro de Visitantes e recuperação dos trilhos na ilha e o seu equipamento através de sinalética e mesas interpretativas, da produção de diversos materiais e ferramentas de disseminação, atividades de educação ambiental nas escolas do concelho e ações de divulgação do projeto (SPAE, 2019).
A excelência na implementação do projeto LIFE Berlengas e a concretização bem-sucedida dos seus objetivos resultaram num reconhecimento notável. Em 2020, o projeto foi selecionado como um dos cinco finalistas do prémio europeu Natura 2000 na categoria “Conservação”. Esse reconhecimento não valida apenas o trabalho árduo da equipa envolvida, mas destaca o impacte positivo que a iniciativa teve na preservação dos habitats e espécies da ilha das Berlengas (Noculta s.d).
De forma a garantir a preservação da Reserva Natural das Berlengas, desde de 1 junho de 2022 que é necessário obter permissão de acesso à área terrestre da ilha da Berlenga. Os visitantes têm de se registar online e pagar a taxa turística (3 € por visita, por pessoa pelo acesso à área terrestre da ilha. Os visitantes com idade igual ou superior a 6 anos e menores de 18 anos, e os visitantes a partir de 65 anos pagam 50 % do valor da taxa) através da plataforma Berlengas-Pass.
A ilha tem um limite diário condicionado a 550 visitantes em simultâneo, não só para minimizar os efeitos do turismo sobre a fauna, flora e habitats naturais sensíveis, como também tendo em conta a pequena dimensão terrestre do arquipélago. Este limite diário exclui residentes sazonais habituais, prestadores de serviços, representantes de entidades oficiais com jurisdição na Reserva Natural das Berlengas.
O sucesso deste caso de estudo constitui, também, um exemplo claro da sinergia entre conservação e turismo em áreas protegidas. O turismo sustentável, quando bem planeado e implementado, pode desempenhar um papel crucial no apoio financeiro à conservação e ao desenvolvimento socioeconómico das comunidades locais. Este pode criar incentivos para a preservação dos recursos naturais e culturais, impulsionando a consciencialização e o respeito pelo ambiente (SPEA, 2019).
O futuro do turismo em Áreas Protegidas
O futuro do turismo em áreas protegidas é promissor, desde que sejam adotadas práticas sustentáveis e conservacionistas. O turismo sustentável, considerando os seus impactos atuais e futuros, é fundamental para preservar o meio ambiente e o património cultural das APs.
Com o empenho conjunto dos gestores, empresários, visitantes e comunidades locais, é possível assegurar o turismo nas APs, aliando esta atividade económica à conservação e proteção da Natureza. Assim, contribuiremos para a preservação do nosso património natural e cultural, desfrutando plenamente destes espaços únicos (UICN, 2019).
Referências:
Berlengas (2015). URL: https://www.berlengas.eu/ [Acedido em julho de 2023]
Noculta (s.d). Projeto português LIFE Berlengas nomeado para o Prémio Europeu Natura 2000. URL: https://noctula.pt/life-berlengas-premio-europeu-natura-2000/ [Acedido em Agosto de 2023]
SPEA (2019). Berlengas. Relatório Final do Projeto LIFE Berlengas 2014-2019: Conservação e gestão de habitats e espécies das Ilhas Berlengas. URL: http://berlengas.eu/sites/berlengas.eu/files/biblioteca/relatorio_final_life13_nat_pt_000458_berlengas_web.pdf [Acedido em agosto de 2023]
Turismo Centro Portugal (2023). CETS – Carta Europeia de Turismo Sustentável, no Centro de Portugal. URL: https://turismodocentro.pt/artigo/cets-carta-europeia-de-turismo-sustentavel-no-centro-de-portugal/ [Acedido em julho de 2023]
Turismo de Portugal (2022). Carta Europeia do Turismo Sustentável. URL: https://business.turismodeportugal.pt/pt/Gerir/reconhecimento-externo/premios-distincoes/Paginas/carta-europeia-turismo-sustentavel.aspx [Acedido em julho de 2023]
UICN (2019). Turismo e gestão da visitação em áreas protegidas – Diretrizes para sustentabilidade.