Combate ao desperdício alimentar
O desperdício alimentar é uma problemática global que envolve a perda de alimentos em todas as etapas da cadeia de abastecimento, desde a produção até ao consumo final. Apresenta consequências não apenas éticas, económicas, sociais e nutricionais, mas também sanitárias e ambientais. É uma realidade cada vez mais significativa, que tem vindo a alcançar valores tão elevados que tornam esta problemática um dos mais atuais e preocupantes fatores mundiais. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de um terço de todos os alimentos produzidos no mundo são perdidos ou desperdiçados em alguma fase da cadeia de abastecimento. Estima-se que, só na UE, se desperdiçam quase 59 milhões de toneladas de alimentos todos os anos, o que equivale a 131 kg de desperdícios alimentares por pessoa num ano (Conselho da União Europeia, 2023). Esta situação é incompatível com a sustentabilidade do planeta e traduz-se em consequências severas a nível global.
Como forma de combate ao desperdício alimentar, em 2016, o Conselho assumiu um compromisso político relativamente a uma série de iniciativas, estando representadas na figura seguinte:
Com o lançamento do Pacto Ecológico Europeu, em dezembro de 2019, a UE reafirmou o seu compromisso de reduzir para metade o desperdício alimentar per capita ao nível do retalho e do consumidor até 2030, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. No ano seguinte, a Comissão estabeleceu uma série de políticas e instrumentos destinados a reduzir as perdas e o desperdício alimentares no âmbito do Plano de Ação para a Economia Circular e da Estratégia do Prado ao Prato, dois elementos fundamentais do Pacto Ecológico.
Em julho de 2023, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de revisão da Diretiva-Quadro Resíduos da UE. A revisão inclui novas metas da UE para a redução do desperdício alimentar para 2030. A proposta encontra-se ainda a ser debatida no Conselho (Conselho da União Europeia, 2023).
As consequências do desperdício alimentar
O Relatório do Índice de Desperdício de Alimentos 2021 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) destaca uma preocupante realidade: as pessoas em todo o mundo desperdiçam mil milhões de toneladas de alimentos a cada ano. Este desperdício alimentar representa um problema significativo em termos de impacte ambiental e económico, com várias implicações negativas para o planeta (Nações Unidas, 2023).
Também é de realçar que se o desperdício alimentar fosse um país, estaria no topo dos 7% mais ricos pelo seu PIB e seria o terceiro maior emissor de gases de efeito de estufa. Desta forma, realça-se o quanto o desperdício alimentar é um problema global e seu impacte prejudicial nas mudanças climáticas (Marmé, 2022).
As enormes quantidades de alimentos não consumidos contribuem fortemente para o aquecimento global. Alimentos em decomposição em aterros libertam metano na atmosfera, sendo que os efeitos de estufa deste gás são vinte e uma vezes mais potentes que os provocados pelo dióxido de carbono (Assembleia da República, 2022). Além disso, ao adicionarmos as emissões provocadas pela sua produção (agricultura e agropecuária) e o seu transporte – que foram em vão se o alimento terminar no lixo – torna-se mais fácil a percepção da real dimensão do desperdício alimentar na poluição do planeta (Assembleia da República, 2022). Adicionalmente, toda a água, luz, gás, combustíveis, matéria-prima e mão de obra que são utilizados na produção desses alimentos desperdiçados, acaba por constituir gastos económicos em vão, que poderiam ser direcionados para outras áreas em falta. Até para o próprio consumidor, o desperdício de produtos que comprou, mas não consumiu constitui um conjunto de gastos desnecessários.
Desta forma, os alimentos que são produzidos, mas que nunca são consumidos, representam um contributo significativo para o desperdício de recursos (água, energia, etc.), degradação dos ecossistemas, perda de biodiversidade e aumento das emissões de GEE.
O desperdício alimentar em Portugal
Portugal não escapa à triste realidade do desperdício alimentar, que se apresenta como um sério problema com necessidade de ação imediata.
De acordo com os dados do Projeto de Estudo e Reflexão do Desperdício Alimentar (PERDA), em 2016, aproximadamente 1 milhão de toneladas de alimentos são desperdiçados anualmente no país, com cerca de 324 mil toneladas perdidas no nível do consumidor. Estes dados revelam que, no contexto português, o problema do desperdício não está tão concentrado na agricultura, pesca ou produção, mas, sobretudo, na distribuição, restauração e nas residências. Pode até afirmar-se que, em Portugal, as famílias têm grande parte da responsabilidade por tanto desperdício.
Em 2023, o cidadão português, desperdiça, em média, 28€ por mês devido ao desperdício alimentar. Desta forma, adicionando ao impacte ambiental e social negativo, o desperdício alimentar tem também um custo significativo para os bolsos dos portugueses (Herédia, 2023).
Comparando com os restantes países europeus, Portugal encontra-se em 4º lugar dos países que mais desperdiçam alimentos. Esta situação demonstra a necessidade de ações concretas e da sensibilização da sociedade para combater esse problema, não apenas para economizar recursos valiosos, mas também para contribuir para um mundo mais sustentável e equitativo (Herédia, 2023).
Por fim…
É essencial termos consciência que quando desperdiçamos alimentos, assumimos a responsabilidade por parte das 4,4 milhões de toneladas de CO2 emitidas anualmente, que poderiam ser evitadas se o desperdício não existisse. Somos também responsáveis por 25% do uso de água doce no mundo, destinada a cultivar alimentos que nunca serão consumidos. E temos nossa parcela de responsabilidade na má distribuição alimentar que deixa 870 milhões de pessoas com fome (Herédia, 2023).
Devemos ter presente que o desperdício alimentar é um problema de todos, que nos afeta a todos. A procura por soluções deve ser resultado de um esforço coletivo. Cada um de nós desempenha um papel fundamental na redução do desperdício e na promoção de uma distribuição mais equitativa de alimentos. A sensibilização e a ação de todos são essenciais para combater este problema e criar um mundo mais sustentável e justo.
Referências:
Assembleia da República (2022). Combate ao desperdício alimentar. Enquadramento nacional e Internacional. Síntese informativa. URL: https://ficheiros.parlamento.pt/DILP/Publicacoes/Sinteses/74.desperdicioalimentar/74.pdf [Acedido em outubro de 2023]
Conselho da União Europeia (2023). Reduzir as perdas e o desperdício alimentares. URL: https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/food-losses-waste/ [Acedido em outubro de 2023]
Ferreira, Joana (2021). Desperdicio Alimentar: Pequenas atitudes podem fazer uma grande diferença. Fundação Portuguesa de Cardiologia. URL: https://www.fpcardiologia.pt/desperdicio-alimentar/ [Acedido em outubro de 2023]
Herédia, Inês (2023). Desperdício alimentar: o nosso calcanhar de Aquiles está em casa. Público, 29 de setembro de 2023. URL: https://www.publico.pt/2023/09/29/impar/opiniao/desperdicio-alimentar-calcanhar-aquiles-casa-2064951 [Acedido em outubro de 2023]
Hipersuper (2023). Francisco Mello e Castro (Unidos contra o desperdício): “mais de 50% do desperdício alimentar continua a acontecer nas nossas casas”. URL: https://www.hipersuper.pt/2023/09/28/francisco-mello-castro-unidos-desperdicio-50-do-desperdicio-alimentar-continua-acontecer-nas-nossas-casas/ [Acedido em outubro de 2023]
Marmé, Paulo (2022). Se o desperdício alimentar fosse um país, estaria no topo dos 7% mais ricos do mundo, diz estudo. Forbes, 30 agosto, 2022. URL : https://www.forbespt.com/se-o-desperdicio-alimentar-fosse-um-pais-estaria-no-topo-dos-7-mais-ricos-do-mundo-diz-estudo/ [Acedido em outubro de 2023]
Nações Unidas (2023). O que precisa de saber para combater a perda e o desperdício alimentar. Centro regional de informação para a Europa Ocidental. URL: https://unric.org/pt/o-que-precisa-de-saber-para-combater-a-perda-e-o-desperdicio-alimentar/ [Acedido em outubro de 2023]