A litigância climática na luta contra as alterações climáticas
A litigância climática e ambiental emergiu como uma ferramenta influente na ordem global contemporânea, influenciando a abordagem de governos, empresas e cidadãos em relação à sustentabilidade e às alterações climáticas. Nos tribunais, tanto a nível nacional como internacional, observamos um aumento significativo de casos fundamentados em alegações de responsabilidade civil, destacando violações das leis de due diligence corporativa e práticas de greenwashing. Estes casos têm como alvo empresas multinacionais, governos, instituições financeiras e até mesmo bancos centrais. Tem sido também notável o aumento do financiamento de litígios por parte de terceiros.
Embora inicialmente os litígios se concentrassem principalmente nos Estados, atualmente há uma tendência crescente de processos direcionados às empresas, estando especialmente expostos os setores dos combustíveis fósseis e da energia.
Relatório “Global Trends in Climate Change Litigation Policy Report do Grantham Institute”
A 29 de junho de 2023, o Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment publicou o seu quinto relatório anual “Global Trends in Climate Change Litigation: 2023 Snapshot”. O relatório foca-se nos desenvolvimentos da litigância global sobre alterações climáticas no período de maio de 2022 a maio de 2023.
Principais pontos a destacar do relatório:
- Embora a taxa de crescimento dos litígios relacionados com as alterações climáticas esteja a abrandar, a diversidade dos casos continua a aumentar, com um número crescente de casos apresentados contra empresas com base numa gama mais complexa de argumentos jurídicos. Estes incluem argumentos inovadores, baseados nos direitos humanos e nos direitos constitucionais e uma série de casos “estratégicos” destinados a influenciar a tomada de decisão relacionada com as alterações climáticas.
- Os casos que desafiam o “climate-washing” estão em ascensão, assim como os casos que analisam o que constitui uma estratégia de investimento razoável no contexto das alterações climáticas.
- É provável que haja um aumento de casos focados na relação entre biodiversidade e clima, com os tribunais a serem chamados a atribuir fontes de dano à biodiversidade, o que implicará uma análise da responsabilidade da empresa-mãe e da cadeia de abastecimento.
- Continua a ser crucial que as empresas estejam conscientes e se envolvam no complexo panorama dos litígios climáticos e dos litígios ESG em geral.
Relatório “Global Trends in Climate Change Litigation Policy Report do Grantham Institute”: Tendências Emergentes na Litigância Climática
O relatório destaca que cerca de dois terços dos processos relacionados com as alterações climáticas foram iniciados desde 2015. Entre 1986 e 2014, registaram-se cerca de 800 processos, enquanto entre 2015 e maio de 2023, o número subiu para aproximadamente 1 557 processos. Destes, 46% foram direcionados contra um conjunto cada vez mais diversificado de entidades do setor privado (Setzer & Higham, 2023).
Os casos de “perdas e danos” estão a tornar-se mais frequentes, com grandes empresas produtoras de carbono a serem alvo de processos devido às suas emissões de gases com efeito de estufa. Além disso, os processos contra “greenwashing” têm vindo a aumentar significativamente. Desde 2015, foram instaurados 81 processos em todo o mundo, sendo que 53 destes ocorreram em 2021 e 2022 (Setzer & Higham, 2023).
O relatório revela também que os processos climáticos em tribunal duplicaram em apenas cinco anos, abrangendo já 65 jurisdições diferentes.
Contudo, nem todos olham para esta ferramenta de forma positiva. A Network for Greening the Financial System aponta os litígios climáticos como uma fonte emergente de risco para o setor financeiro visto que são relevantes para a supervisão microprudencial e para a monitorização da estabilidade financeira nos seus novos relatórios na perspetiva de um supervisor.
Este paradoxo ilustra a complexidade da transição para uma economia mais sustentável e resiliente às alterações climáticas. Enquanto a litigância climática representa um mecanismo vital para acelerar a ação climática e promover a justiça ambiental, também introduz novas dinâmicas e desafios para o setor financeiro e reguladores.
Desta forma, é imperativo que se encontre um equilíbrio entre a promoção da justiça climática através da litigância e a gestão eficaz dos riscos associados a estas ações para garantir uma transição justa e estável para um futuro de baixo carbono.
Conclusão
A litigância climática não procura apenas responsabilizar os fatores-chave. Procura, também, influenciar as políticas governamentais e ações do setor privado, aumentando a sensibilização pública sobre a urgência das questões climáticas. Mesmo em caso de decisões desfavoráveis, a litigância climática desempenha um papel crucial na promoção de mudanças políticas e sociais, tornando-se um valioso instrumento de governança e catalisador de transformações significativas no cenário global.
Esteja atento ao nosso próximo artigo, onde examinaremos os desenvolvimentos históricos e os avanços recentes na litigância climática. Estes avanços estão a definir uma nova era e podem influenciar significativamente o caminho em direção a um futuro mais sustentável!
Referências:
Carvalho, D., Barbosa, K., (2021). Litigância Climática como estratégia jurisdicional ao aquecimento global antropogénico e mudanças climáticas. URL: https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2021/6/2021_06_0473_0511.pdf. [Acedido em abril de 2024]
Goulão, Maria Teresa (2023). O direito à litigância climática. URL: https://eco.sapo.pt/opiniao/o-direito-a-litigancia-climatica/ [Acedido em abril de 2024]
Setzer J and Higham C (2023) Global Trends in Climate Change Litigation: 2023 Snapshot. London: Grantham Research Institute on Climate Change and the Environment and Centre for Climate Change Economics and Policy, London School of Economics and Political Science. URL: https://www.lse.ac.uk/granthaminstitute/wp-content/uploads/2023/06/Global_trends_in_climate_change_litigation_2023_snapshot.pdf [Acedido em abril de 2024]