COP27: os resultados essenciais do acordo na Cimeira do Clima da ONU
No final de mais de duas semanas, com dois dias extra de trabalho, a COP27 chegou ao fim. Além da declaração final e uma resolução sobre a compensação pelos danos e perdas causados pelas alterações climáticas sofridos por países mais vulneráveis, os progressos em relação à anterior cimeira são considerados escassos.
De seguida, apresentamos os pontos essenciais, positivos e negativos, do acordo final, segundo o comunicado de imprensa que confirma o encerramento dos trabalhos.
Perdas e danos
O tema da justiça climática ganhou destaque em 2013 e está envolto em discussão há quase uma década. A simples abertura para negociar fundos climáticos já constitui um progresso no historial das COP. A criação de um fundo de perdas e danos “marcou um importante ponto de progresso”, refere o comunicado da ONU.
No entanto, para já, não é mais do que um fundo ainda por definir. Os governos concordaram “em estabelecer um comité de transição” responsável por estabelecer as regras de funcionamento e recomendações sobre como operacionalizar as novas disposições de financiamento. A primeira reunião do comité de transição deverá ter lugar antes do final de março de 2023 e as recomendações “para consideração e adoção” devem ser apresentadas na COP28, a realizar no final de 2023.
1,5 graus Celsius
O texto aprovado reafirma o objetivo do Acordo de Paris de conter o aumento da temperatura média abaixo de 2°C relativamente aos níveis pré-industriais e de continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C.
A União Europeia e aliados resistiram à tentativa de destruir a meta dos 1,5°C como limite máximo ao aquecimento da atmosfera, contrariando a vontade de países como o Egipto, China e Índia que queriam passar para o limite de 2°C.
No entanto, não foram assumidos novos compromissos, mais ambiciosos e concretos em termos de mitigação. O limite de 1,5° C continua vivo, como exigiam ativistas, cientistas e vários líderes de governo. Como vamos controlar, vigiar e forçar o cumprimento desta meta já é outra questão que fica, uma vez mais, em aberto.
Mitigação e Adaptação
A declaração oficial da ONU refere que “São necessárias reduções rápidas, profundas e sustentadas das emissões globais de gases com efeito de estufa – reduzindo as emissões líquidas globais de gases com efeito de estufa em 43% até 2030, em relação ao nível de 2019 – para limitar o aquecimento global à meta de 1,5°C”.
Durante a COP27 foi lançado um programa de trabalho de mitigação, com o objetivo de acelerar a ambição e implementação da mitigação. Este programa iniciará imediatamente após a COP27 e continuará até 2030, com pelo menos dois diálogos globais realizados todos os anos.
Os governos foram convidados “a analisar, rever e reforçar as metas de 2030 dos planos climáticos nacionais até ao final de 2023, bem como a acelerar os esforços para a redução gradual da energia de carvão sem emissões mitigadas tecnologicamente e a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis ineficientes.”, declara a ONU no comunicado.
No campo da Adaptação, poucos, ou nenhuns, progressos surgiram:
- Destaca-se uma preocupação especial com a gestão da água, através de “uma maior integração nos esforços de adaptação para aumentar a proteção, conservação e restauração da segurança alimentar, agricultura, água e ecossistemas relacionados com a água”;
- Surgiram novas promessas através do Fundo de Adaptação na COP27, totalizando mais de 230 milhões de dólares americanos, para apoiar as comunidades mais vulneráveis a adaptarem-se às alterações climáticas;
- Vários países, entre os quais a Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Irlanda, Eslovénia, Suécia, Suíça, e a região da Valónia da Bélgica, sublinharam a necessidade de um apoio ainda maior que vise as necessidades imediatas de adaptação climática dos Estados com baixos rendimentos.
- A Agenda de Adaptação de Sharm el-Sheikh, visa aumentar a resiliência das comunidades mais vulneráveis às alterações climáticas até 2030. A Comissão Permanente das Nações Unidas para as Alterações Climáticas foi convidada a preparar um relatório sobre a duplicação do financiamento da adaptação para consideração na COP28 no próximo ano;
- Sobre o denominado “Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh”, o texto assinala que “uma transformação global para uma economia de baixo carbono deverá exigir investimentos de pelo menos quatro a seis biliões de dólares por ano”.
Apesar das novas promessas, a dívida do financiamento climático para a mitigação e adaptação permanece e não há planos para ser saldada. Os países falharam em entregar a partir de 2020 o financiamento estipulado. As organizações Oikos – Cooperação e Desenvolvimento e ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável exprimiram as suas perspetivas num comunicado conjunto, onde afirmam que a dívida deveria continuar a ser passada de ano para ano até ser saldada na totalidade, o que, na prática significa um total de 600 mil milhões de euros entre 2020 e 2025. Infelizmente, a decisão da COP27 não inclui nenhuma medida nesse sentido. Pode consultar aqui o comunicado conjunto lançado pela Oikos e pela ZERO.
Não se abandonarão os combustíveis fósseis
Como referido no texto da semana passada, a COP27 acolheu, através das delegações de diversos países, mais de 600 lobistas de combustíveis fósseis. A preferência pelas energias renováveis ficou aquém do desejável, abrindo espaço para a proliferação de modos de produção insustentáveis. A decisão final não apela ao corte total (phase out) do carvão e nem sequer se refere à necessária redução gradual (phase down) de outros combustíveis fósseis, como o petróleo e gás.
A nova Parceria Indonésia para a Transição Energética Justa, anunciada na Cimeira do G20 realizada paralelamente à COP27, pretende disponibilizar 20 mil milhões de dólares durante os próximos três a cinco anos para acelerar uma transição energética justa.
Outros compromissos
- O plano reconhece o papel relevante de proteger, conservar e restaurar a natureza e os ecossistemas;
- Foi lançada a Parceria dos Líderes Florestais e Climáticos, que visa unir a ação dos governos, empresas e líderes comunitários para travar a perda de florestas até 2030;
- O texto da decisão reafirma a necessidade de transformar o sistema financeiro, incluindo os bancos multilaterais de desenvolvimento e as instituições financeiras internacionais. Especificamente, requere que “os bancos multilaterais de desenvolvimento foram chamados a reformar e alinhar as suas práticas e prioridades, e aumentar três vezes até 2025 a utilização do financiamento climático”;
- Avançou também a promoção do envolvimento das mulheres na ação climática. No terreno, organizações da sociedade civil avançam com projetos que se propõem executar as linhas-mestras destes planos para salvar o planeta, batalhando também pela igualdade de género. É o caso do Movimento Mulheres Pelo Clima.
Muitos outros compromissos foram assumidos para a implementação da ação climática durante as duas últimas semanas. Conheça-os no acordo final ou neste resumo do Público.
Esta COP, decorrida em Sharm El Sheikh, no Egipto, tinha como mote “Together for Implementation”. Este desafio à ação resultou numa ambição tímida relativamente à urgência da neutralidade carbónica e, em termos práticos, num acordo para que os países com elevados rendimentos compensem os países mais afetados pelos impactes históricos das suas emissões. Porém, e ainda que seja um avanço assinalável, esse fundo para perdas e danos não ficou regulado, nem capitalizado e será novamente objeto de debate na COP28.
António Guterres, secretário-geral nas Nações Unidas, considera que continuamos na “autoestrada para o inferno”. Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia, acrescentou que às vezes é preferível não haver nenhuma decisão do que haver uma má decisão. E os ativistas insistem nas suas mensagens, sobretudo na ideia de que não se pode falhar às novas gerações.
Afinal, foi esta a cimeira da implementação ou da estagnação?
Fontes:
Ambiente Magazine. (2022). #COP27: “Texto final não reflete a necessidade de eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis”. URL: https://www.ambientemagazine.com/cop27-texto-final-nao-reflete-a-necessidade-de-eliminar-gradualmente-todos-os-combustiveis-fosseis/
Greensavers. (2022). COP27: Fundo para perdas e danos é “importante” mas é preciso mais, alertam especialistas. URL: https://greensavers.sapo.pt/cop27-fundo-para-perdas-e-danos-e-importante-mas-e-preciso-mais-alertam-especialistas/
Oikos e Zero. (2022). COP27 – foi esta uma cimeira da implementação ou da estagnação? URL: https://www.oikos.pt/pt/noticias/item/2995-cop27-foi-esta-uma-cimeira-da-implementa%C3%A7%C3%A3o-ou-da-estagna%C3%A7%C3%A3ohttps://newsletter.oikos.pt/vl/7aa45bf6ef20-307f-3158-18d-85ad9a7402871degOe17gRue1P2e2faf4-8d85
Público. (2022). Acordo histórico na COP27 não chega para tirar planeta da urgência, diz Guterres. URL: https://www.publico.pt/2022/11/20/azul/noticia/acordo-historico-cop27-nao-chega-tirar-planeta-urgencia-guterres-2028464
Público. (2022). Clima: os destaques de uma cimeira sobre perdas e danos. URL: https://www.publico.pt/2022/11/19/azul/noticia/clima-destaques-cimeira-perdas-danos-2028392
UNFCCC. (2022). Photo Desk – UNFCC flickr. URL: https://www.flickr.com/photos/unfccc/albums/with/72177720303486605
UNFCCC. (2022). Sharm el-Sheikh Implementation Plan. Non-official session documents Conference: Sharm el-Sheikh Climate Change Conference – November 2022. URL: https://unfccc.int/documents/624441
Visão Verde. (2022). A Terra Devastada. URL: https://visao.sapo.pt/visao_verde/2022-11-21-a-terra-devastada/