O contributo dos serviços dos ecossistemas na prevenção e resiliência a incêndios rurais
Os incêndios rurais são habitualmente considerados um risco natural, no entanto, a sua origem é, maioritariamente, antrópica – Resultam da complexa interação entre o sistema Natural e Humano. A atual política de gestão dos incêndios centra-se no paradigma da extinção, suportada numa ação rápida e musculada de extinção de todas as ignições. Esta política não resolveu nem controlou o problema dos incêndios rurais, evidenciando-se o colapso de todo o sistema quando eventos extremos ocorrem.
É necessário encontrar novas medidas preventivas que apresentem múltiplos benefícios para o sistema humano e natural.
O Problema
Nos espaços rurais portugueses e particularmente nas áreas florestais e agroflorestais têm vindo a acentuar-se um conjunto de problemas de ordem económica, social e ambiental que tornam evidente a insustentabilidade da trajetória de desenvolvimento seguida nas últimas décadas. De entre as causas que contribuem para esta situação, destaca-se a economia de baixa rentabilidade e pouco resiliente nos espaços florestais e agroflorestais, associada ao envelhecimento e redução da população residente, ao aumento da incidência e severidade dos incêndios e a problemas ambientais como a expansão de espécies exóticas invasoras, a erosão e perda de solo, a redução das áreas florestadas com espécies autóctones ou a perda de biodiversidade.
Não se gerando rendimento e emprego, não se consegue fixar a população, levando, em situações extremas, ao total abandono de extensas áreas florestais e agroflorestais ou a uma economia de subsistência sem futuro. Em termos gerais, não é promovido o ajuste eficiente das espécies à aptidão produtiva, nem são aplicados modelos de gestão florestal que permitam alinhar os interesses dos proprietários com os interesses da sociedade.
A resolução destes problemas passa por se reconhecer que os espaços florestais e agroflorestais podem fornecer, para além dos produtos lenhosos e não-lenhosos transacionados nos mercados, muitos outros benefícios para o bem-estar da Humanidade.
Os serviços dos ecossistemas como parte da solução
As áreas florestais, além dos produtos mais imediatos como madeira, cortiça e frutos ou sementes, também contribuem para reduzir a poluição do ar, retendo partículas e poeiras, e para a purificação da água, capturam e armazenam carbono, reduzem a probabilidade de cheias e influenciam a precipitação a nível local e regional. Além disso, são também um espaço de lazer e recreio e melhoram a qualidade estética da paisagem.
Todos estes contributos dos ecossistemas para o bem-estar humano, são atualmente enquadrados no conceito de serviços dos ecossistemas. Estes dividem-se em serviços de aprovisionamento (por exemplo a produção de alimento, fibra e madeira), de regulação (ciclo hidrológico, sequestro e armazenamento de carbono), culturais (de recreio) ou de suporte (fertilidade do solo e ciclo de nutrientes).
Por exemplo, o montado de sobro gera múltiplos serviços de provisão (cortiça, produção pecuária, etc.) e a gestão do ecossistema necessária à obtenção desses serviços contribui diretamente para a conservação de habitats e espécies, para a diminuição da suscetibilidade ao fogo, para a conservação do solo e para a manutenção da paisagem. Por outro lado, a ocorrência de grandes superfícies de eucaliptal e/ou pinhal em zonas de baixa aptidão produtiva para estas espécies, gera produtividades limitadas, sistemas com biodiversidade baixa, alta suscetibilidade ao fogo e problemas de perda de solo decorrentes dos incêndios recorrentes.
Em suma, existem sistemas florestais onde a ausência ou insuficiência de gestão, decorrente de problemas estruturais de ordenamento e da evolução socioeconómica, limita a geração dos serviços de aprovisionamento e contraria o fornecimento dos serviços de regulação e manutenção e serviços culturais.
O potencial dos ecossistemas florestais para gerarem serviços de regulação e manutenção e serviços culturais existe em todo o território. Contudo, a evolução socioeconómica e as políticas públicas resultaram na existência de vastas superfícies onde esse potencial de provisão de serviços dos ecossistemas não está aproveitado, superfícies essas largamente coincidentes com elevada vulnerabilidade aos incêndios florestais, reduzida dimensão da propriedade, rendimentos agrícolas muito baixos e queda demográfica acentuada.
Instrumento de Remuneração de Serviços de Ecossistemas em Áreas Florestais e Agroflorestais
A nova política para a provisão e remuneração de serviços dos ecossistemas em espaços rurais concretiza-se para as áreas florestais e agroflorestais através do Instrumento de Remuneração de Serviços de Ecossistemas em Áreas Florestais e Agroflorestais. Este novo instrumento assume seis orientações fundamentais:
- É necessário reconhecer o valor, promover a provisão e remunerar os serviços dos ecossistemas não valorizados, ou insuficientemente valorizados, pelos mercados,
- através de contratos de longa duração,
- com pagamentos que incentivem a mudança,
- promovendo a cooperação entre proprietários/gestores da terra de prédios rústicos adjacentes,
- inovando em relação aos instrumentos existentes, nomeadamente através da remuneração direta pela provisão de serviços dos ecossistemas e da introdução de mecanismos de concorrência territorial, e
- garantindo ao Estado a definição das prioridades para a seleção das áreas a valoriza
Saiba mais sobre nova política para a provisão e remuneração de serviços dos ecossistemas em espaços rurais aqui!
Áreas piloto
A aplicação do novo instrumento para a remuneração de serviços dos ecossistemas em espaços florestais e agroflorestais está a ser testada numa primeira fase em duas áreas piloto, que incluem duas áreas protegidas: Área de Paisagem Protegida da Serra do Açor e envolvente, e Parque Natural do Tejo Internacional, sendo o financiamento assegurado pelo Fundo Ambiental.
As intervenções nas duas áreas piloto visam uma alteração estrutural profunda no espaço florestal de modo a dotar esses territórios rurais de maior competitividade e sustentabilidade ambiental, económica e social, restaurando, valorizando e protegendo os espaços florestais, promovendo uma ocupação e gestão que potenciem a provisão de serviços dos ecossistemas, sobretudo a médio e longo prazo, e a promoção da Defesa da Floresta Contra Incêndios, e assegurando uma maior valorização e resiliência dos territórios.
Só a promoção de um ordenamento e gestão florestais adequados tornará possível atingir um modelo de ocupação territorial sustentável.
Fontes:
Florestas.pt (2021). O que são os serviços do ecossistema?. URL: https://florestas.pt/saiba-mais/o-que-sao-os-servicos-do-ecossistema/, consultado em agosto de 2022.
Fundo Ambiental (2019). Programa de Remuneração dos Serviços dos Ecossistemas – 1ª Fase. URL: https://www.fundoambiental.pt/avisos-anteriores/avisos-2019/conservacao-da-natureza-e-biodiversidade/programa-de-remuneracao-dos-servicos-dos-ecossistemas-1-fase.aspx, consultado em agosto de 2022.
Santos, R., Antunes, P., Carvalho, C. e Aragão, A., 2019. Nova Política para a Provisão e Remuneração de Serviços dos Ecossistemas em Espaços Rurais – o Problema, a Política e a Implementação. CENSE – Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade, FCTUniversidade NOVA de Lisboa e Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Fundo Ambiental, Ministério do Ambiente e Transição Energética. Lisboa. 45 pp. ISBN 978-972-8893-81-1.
Santos, R., Antunes, P., Carvalho, C. e Aragão, A., 2019. Remuneração de serviços dos ecossistemas em espaços rurais, 2ª Conferência: “A Paisagem e a Arquitetura na valorização do Território”. URL: https://pnap.dgterritorio.gov.pt/sites/default/files/Painel_Tecnico_Rui_Santos.pdf, consultado em agosto de 2022.